Resumo
As adaptações para jovens de literatura canónica – visando minorar os desfasamentos linguístico-culturais existentes entre a época da receção do texto e a da sua redação e almejando, consequentemente, propiciar a estes leitores em flor um contacto com o cânone literário (Müeller, 2013) – fazem uso de uma série de procedimentos simplificadores que tendem a coincidir com algumas das operações hipertextuais de reformulação textual propostas por Gérard Genette (1989), em Palimpsestes. Partindo destes pressupostos teóricos, tratamos aqui de perceber, por um lado, por que razão e com que finalidade são os textos canónicos – e em especial, alguns dos contos de Eça de Queirós – alvo de adaptações literárias juvenis e de analisar, por outro, as modalidades genettianas de reformulação textual presentes em A aia, adaptação de Luísa Ducla Soares do conto eciano homónimo, inserto na coletânea Seis Contos de Eça (2000).
Palabras chave
ADAPTAR PARA DIVULGAR: ANÁLISE DO CONTO A AIA, ADAPTADO POR LUíSA DUCLA SOARES
Filipe Senos Ferreira
ADAPTAR PARA DIVULGAR: ANÁLISE DO CONTO A AIA, ADAPTADO POR LUíSA DUCLA SOARES
Elos: Revista de Literatura Infantil e Xuvenil, núm. 8, 2021
Universidade de Santiago de Compostela
ADAPTAR PARA DIVULGAR: ANÁLISIS DEL CUENTO A AIA, ADAPTADO POR LUíSA DUCLA SOARES
ADAPTATION FOR DISCLOSURE: ANALYSIS OF THE TALE A AIA ADAPTED BY LUíSA DUCLA SOARES
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Recepção: 15/02/2021
Aprovação: 13/07/2021
Resumo: As adaptações para jovens de literatura canónica –visando minorar os desfasamentos linguístico-culturais existentes entre a época da receção do texto e a da sua redação e almejando, consequentemente, propiciar a estes leitores em flor um contacto com o cânone literário (Müeller, 2013)– fazem uso de uma série de procedimentos simplificadores que tendem a coincidir com algumas das operações hipertextuais de reformulação textual propostas por Gérard Genette (1989), em Palimpsestes. Partindo destes pressupostos teóricos, tratamos aqui de perceber, por um lado, por que razão e com que finalidade são os textos canónicos –e em especial, alguns dos contos de Eça de Queirós– alvo de adaptações literárias juvenis e de analisar, por outro, as modalidades genettianas de reformulação textual presentes em A aia, adaptação de Luísa Ducla Soares do conto eciano homónimo, inserto na coletânea Seis Contos de Eça (2000).
Palavras-chave: adaptações de literatura canónica; Eça de Queirós; Genette; hipertextualidade; literatura juvenil portuguesa; Seis Contos de Eça.
Resumen: Las adaptaciones para jóvenes de literatura canónica –con el objetivo de reducir las brechas lingüístico-culturales existentes entre el momento de la recepción del texto y de su redacción y con la finalidad, además, de proporcionar a estos lectores en flor un contacto con el canon literario (Müeller, 2013)– se sirven de una serie de procedimientos simplificadores que tienden a coincidir con algunas de las operaciones hipertextuales de reformulación propuestas por Gérard Genette (1989) en Palimpsestes. Partiendo de estos supuestos teóricos, trataremos de comprender, por un lado, por qué y con qué finalidad son los textos canónicos –y, en particular, algunos de los relatos de Eça de Queirós– objeto de adaptaciones literarias juveniles y de analizar, por otro, las modalidades genettianas de reformulación textual presentes en A aia, cuento adaptado por Luísa Ducla Soares del texto queirosiano homónimo e incluido en Seis cuentos de Eça (2000).
Palabras clave: adaptaciones de literatura canónica; Eça de Queirós; Genette; hipertextualidad; literatura juvenil portuguesa; Seis Contos de Eça.
Abstract: The adaptations for young people of canonical literature –aiming to reduce the existing linguistic and cultural gaps between the time of the reception of the text and that of its writing and, consequently aim to provide these readers in bloom a contact with the literary canon (Müeller, 2013)– make use of a series of simplifying procedures, which tend to coincide with some of the hypertextual operations of textual reformulation proposed by Gérard Genette (1989) in Palimpsestes. Based on these theoretical assumptions, we try to understand, on the one hand, why and what is the purpose of canonical texts –particularly some of the tales by Eça de Queirós– the target of literary adaptations for young people and on the other, analyze Genette’s modalities of textual reformulation present in A aia, adapted by Luísa Ducla Soares from the homonymous queirosian tale inserted in the collection Seis Contos de Eça (2000).
Keywords: adaptations of canonical literature; Eça de Queirós; Genette; hypertextuality; Portuguese literature for the young; Seis Contos de Eça.
1. Motivações para a inclusão do texto canónico no universo juvenil
As adaptações de textos literários canónicos desempenham, segundo Anja Müeller (2013), um papel crucial no âmbito da literatura juvenil, a qual encontra nas práticas adaptativas um subterfúgio eficaz ao serviço do alargamento do seu repertório literário. Na verdade, basta termos em conta o panorama –histórico e atual1– da publicação de obras para jovens, para concluirmos, com relativa facilidade, que uma parte considerável dos títulos que nele se inscreveram é o resultado de uma transferência entre o sistema da literatura canónica para adultos e o sistema juvenil (Mateus, 2014, p. 65). Perante esta constatação, somos, inevitavelmente, impelidos a indagar as motivações de tal permeabilidade intersistémica, tarefa que nos ocupará ao longo desta, necessariamente breve, secção.
As adaptações que aqui nos ocupam visam propiciar aos jovens leitores um contacto com a literatura canónica (Müeller, 2013; León, 2006). Defende Müeller (2013) que tal contacto, caso não seja potenciado pelas práticas adaptativas, está terminantemente condenado ao fracasso. Na verdade, os textos canónicos, não obstante serem necessários aos mais jovens, “por su valor como modelos de escritura y expresión de la naturaleza humana, por su significado como representación de una identidad cultural” (Sáez, 2013, p. 5), revelam-se-lhes verdadeiramente inacessíveis, na medida em que estes leitores não dispõem, ainda, das necessárias competências linguísticas, literárias e culturais para os fruir (Soriano, 1970).
Os jovens, ao acercarem-se da literatura canónica, deparam-se, portanto, com diversos obstáculos, que, consequentemente, os impedem de realizar uma proveitosa e agradável leitura, como, aliás, reconhece Durán (2006), quando afirma que
como es lógico, ni la capacidad lectora […] de los adolescentes, ni sus conocimientos de la lengua, les permiten leer [os textos canónicos], ni con gusto, ni con aprovechamiento […], porque muchos están escritos en una lengua que no es exactamente igual a la que ahora usamos, al tener variantes léxicas o sintácticas propias de su época; o simplemente, por su misma condición de obra de arte, que nos habla de su belleza estilística, de su complejidad; y así, gozar de ella supone un lector ya formado. (Durán, 2006, p. 18)
A catedrática espanhola defende que a linguagem literária constitui uma barreira para os mais jovens, os quais apresentam, na verdade, sérias dificuldades em descodificar a riqueza linguística e os registos textuais, associados à vigência de preceitos estéticos, não raras vezes, historicamente condicionados (Mateus, 2014, p. 99). Vasco Graça Moura (2012), referindo-se a Os Lusíadas –obra que, aqui, podemos tomar como representativa dos problemas que a literatura canónica suscita aos jovens–, corrobora o que temos vindo a dizer, reiterando a baixa capacidade destes leitores em interpretar textos que fazem um uso literário da linguagem:
[…] um dos problemas de Os Lusíadas – para além das dificuldades óbvias que apresenta, mesmo para leitores informados – é o facto de ser uma obra difícil de colocar ao alcance dos jovens de hoje, que não têm o tipo de percurso escolar do meu tempo. […] O tipo de ensino de hoje em dia tem um encolhimento vocabular muito grande. Penso que os miúdos não são confrontados com outro tipo de linguagem e têm uma menor capacidade de decifração. (Moura, 2012, pp. 3-4)
Os textos canónicos, funcionando como um “quadro de referências indispensáveis e um complexo de elementos literários respeitante ao sistema de valores e aos interesses culturais de uma dada sociedade” (Moura, 2012), remetem, ademais, para valores culturais e cívicos que, por não serem os atuais, são de difícil compreensão para os estes leitores juvenis (Costa, 2011, p. 8), como nota, aliás, Sotomayor Sáez (2005):
[…] la expresión de esos valores a través de una historia, unos personajes y una elaboración estética está necesariamente ligada al sistema cultual y literario de una época concreta; y es precisamente el distanciamiento de ese sistema y, con ello, la dificultad de comprensión para lectores no muy calificados lo que introduce a la reescritura. Los profundos cambios sociales que se han producido en los últimos siglos, que significan cambios de valores y, desde luego, valorización del lenguaje y nuevos usos literarios, hacen necesarios otros conocimientos y mayor competencia para apreciar el valor universal de obras cuyo ropaje argumental y discursivo las hace distantes. (Sáez, 2005, p. 12)
Funcionando como um mecanismo de mediação (Bolter e Grusin, 2000) do texto canónico e sendo, consequentemente, uma garantia de exposição mínima dos jovens a esse bem cultural, a prática adaptativa procura resolver o problema da acessibilidade (linguística, literária e/ou cultural) que esses textos, grosso modo, suscitam a um público de leitores menos habilitados. As adaptações podem, neste sentido, ser entendidas como poderosas ferramentas que pretendem obviar as dificuldades de contacto esperáveis, num ato de leitura juvenil.
Projeto de disponibilização de capital literário e cultural2, a prática adaptativa, ao adequar o texto canónico às capacidades de aprendizagem, memorização e compreensão dos jovens (León, 2006), transporta-o para esferas de receção temporalmente distintas das da sua produção, permitindo, consequentemente, mantêlo vivo3 e torná-lo relevante ou facilmente compreensível por parte dos leitores mais jovens –através de processos de aproximação e de atualização (Sanders, 2015, p. 38)–, contribuindo, deste modo, para a sua formação estético-literária, cultural e intelectual.
Urge frisar, antes de encerrarmos esta secção, que os adaptadores devem salvaguardar, tanto quanto possível, a qualidade dos textos de partida e, além disso, respeitar o seu destinatário juvenil, o qual, embora leitor em formação, tem já a capacidade de interpretar as especificidades significativas dos textos literários, não sendo, portanto, intelectualmente limitado. Numa variação algo livre do discurso de Sophia (2019)4, defendemos que um jovem é um jovem, não é um pateta.
Todas as práticas adaptativas demasiadamente simplicistas, que tendam a estupidificar os leitores mais novos, deveras constituem um perigo. Na verdade, se continuamente sujeitarmos os jovens a histórias com as mesmas palavras, com um estilo pouco ou nada literário, com estruturas narrativas simples, eles nunca terãoa possibilidade de evoluir, nem de desenvolver as suas competências literárias. Osjovens não são patetas. Para isto corroborar, leiamos o consagrado estudo de Lawrence Sipe (2008), onde o autor nos ensina que as crianças e os jovens são detentores de competências leitoras avançadas, apresentando diversos tipos de respostas em relaçãoao que leem (analítica, intertextual, pessoal, transparente e performativa).
1.1. O móbil adaptativo de Seis Contos de Eça
O que temos vindo a dizer revela-se verdadeiramente útil, quando centramos a nossa atenção em Seis Contos de Eça (2000)5, com o objetivo de explicar o motivo da sua génese. Para tal, centremos a nossa atenção na Apresentação da obra, da qual extrairemos, para o efeito, uma série de informações pertinentes6.
Não obstante os contos queirosianos serem providos de uma inata capacidade para aliciar jovens leitores, a verdade é que a sua complexidade linguístico-cultural os torna ininteligíveis, como, aliás, reconhece a própria autora, no referido prefácio: “embora a temática, o fio narrativo, o estilo, o humor de várias das suas obras sejam suscetíveis de atrair leitores bastantes novos, a elaboração e uma relativa complexidade tornam-nas dificilmente acessíveis a estes” (Soares, 2000, p. 7).
Parece-nos que Luísa Ducla Soares tem razão. De facto, se é certo que, quando lemos Eça, não nos deparamos com a opulência verbal de um Camilo Castelo Branco ou de um Feliciano de Castilho, a verdade é que para os jovens leitores, não imersos num desenvolvimento estilístico, as “brilhantes audácias da linguagem” de Eça (Cal, 1981, p. 15), que se refletem num estilo “afetado e amaneirado, todo cheio de pequenasintenções e dependente da pontuação” (Queirós, 2008, p. 108), podem constituir umverdadeiro obstáculo.
O autor de Os Maias, não pensando nem cismando “senão em arte, em estilo e em cor”, como o próprio reconhece a Jaime Batalha Reis (Queirós, 2008, p. 144), era um obcecado pelo culto da forma. A sua “tendência para refazer livros velhos” (2008, p. 323), revela um Eça que continuamente almeja a perfeição formal das suas obras, num afã de melhoria, nunca satisfeito. Como consequência dessa tendência perfecionista, o vocabulário, a sintaxe, a palavra, a frase e o período ganharam, nas suas mãos, um novo sentido e uma nova realidade estética. Esta inerente complexidade estilística e lexical, quer para os leitores providos já de certa maturidade, quer para os jovens, constitui,pois, uma verdadeira dificuldade, que Luísa Ducla Soares, com esta adaptação, pretende mitigar. Se a este obstáculo, juntarmos a distância temporal que separa os jovens dehoje do escritor oitocentista, constatamos que os códigos culturais e sociológicos doséculo XIX são necessariamente distintos dos atuais, o que configurará, também, umabarreira, a qual tende a ser atenuada pela prática adaptativa.
Pautando a sua adaptação por valores de fidelidade “ao espírito e características da prosa de Eça de Queirós” (Soares, 2000, p. 7), Ducla Soares pretende eliminar estes problemas de inacessibilidade, os quais, abatendo-se entre os leitores e o livro, os impedem, consequentemente, de ter uma experiência de leitura proveitosa. Este intuito facilitador é também notório na inclusão de uma lista de vocabulário final, que visa auxiliar os jovens no processo de interpretação textual, permitindo-lhes, concomitantemente, enriquecer o seu vocabulário7.
Surgida no âmbito da comemoração do centenário da morte de Eça (2000), esta obra tem como propósito primeiro aproximar os jovens do legado literário do autor de Suave Milagre8, tido, para muitos, como
um listre desconhecido. Para outros, apenas um nome que aparece nas lombadas de alguns volumes que não lhes dizem respeito. Para ouros ainda, que viram a sua estátua perto do Chiado, um cavalheiro bem vestido acompanhado por uma mulher coberta apenas por um leve véu, que se diz ser a Verdade (Soares, 2000, pp. 5-6).
Seis Contos de Eça pretende, justamente, familiarizar os seus leitores com o hipotexto queirosiano e com o seu autor, facilitando, assim, “uma aproximação, um primeiro contacto entre os jovens, ou os menos dados a leituras, e o grande escritor” (Soares, 2000, p. 7). Luísa Soares tem a esperança de que tal contacto se revele o primeiro de muitos outros que, por obrigação, na escola, ou sozinhos, por curiosidade, os jovens criem com este exímio modelador da língua portuguesa:
Muitos o irão ler mais tarde, como texto de leitura obrigatória, em ambiente escolar. Já não será um desconhecido.9
Mas o meu desejo é que venham a procurar os seus livros nas livrarias, nas bibliotecas, por gosto, por opção. Que entrem sozinhos no seu mundo realista e fantástico, português e cosmopolita, presos ao encanto da narração, sorrindo com ironia, descobrindo o que um génio pode fazer com a língua que usamos todos os dias (p. 3).10
Temos, através do exemplo desta obra, a prova cabal de que a prática adaptativa mais não é, como dizíamos anteriormente, que um verdadeiro projeto de disponibilização de capital literário. Almejando aproximar as novas gerações de um dos principais nomes do nosso património literário e cultural, Seis Contos de Eça apresenta, efetivamente, um claro propósito de divulgação cultural11, o que justifica, em certa medida, o título deste trabalho: adaptar para divulgar. Norteada pela intenção de reduzir a complexidade linguística e cultural do hipotexto, para, assim, facilitar a leitura aos leitores juvenis, esta adaptação impõe ao texto original uma série de transformações simplificadoras, normalmente cortes e aproximações12. Centrando a nossa atenção em A aia, primeiro conto da coletânea, sobre elas refletiremos, nas próximas secções deste artigo.
2. As modalidades genettianas de reformulação textual
As adaptações, sendo fruto de uma série de modificações, impostas ao texto primeiro, o qual é transformado para se adequar a um novo contexto de receção,constituem uma forma de hipertextualidade (Hutcheon, 2006, p. 25). Neste sentido,é possível reconhecer nelas uma série de estratégias de reescrita, que coincidem com algumas das modalidades de reformulação textual propostas por Gérard Genette, em Palimpsestes (1989) 13. No decurso desta secção, debruçamo-nos sobre elas, criandoassim uma base teórica que nos permitirá, num momento subsequentemente, analisaro conto A aia, com o intuito de fazer o levantamento dos procedimentos de reescritanele utilizados.
Seguindo a taxonomia apresentada pelo autor (1989), conseguimos distinguir três tipos de mecanismos de transformação quantitativa do texto, que diminuem a sua extensão: (i) a excisão, que, sendo o procedimento redutor mais simples, mas também o mais brutal, por atentar contra a estrutura e significação do hipotexto, consiste na eliminação, pura e simples, de fragmentos do discurso14, num ponto específico do texto ou de maneira disseminada ao longo do mesmo (pp. 293-300); (ii) a concisão que permite reescrever o texto, num outro estilo, mais conciso, abreviando-o, sem, contudo, omitir nenhuma parte do conteúdo significativa (pp. 300-309); e, finalmente, (iii) a condensação, espécie de síntese, de sumário global do hipotexto, que retémapenas “la significación o el movimento de conjunto, que queda como el único objeto del texto reducido” (Genette, 1989, p. 309).
A redução é um procedimento muito utilizado, de modo geral, nas práticas adaptativas para crianças e jovens (Crespo, 1995, p. 475), combinando-se15, frequentemente, com outras operações, como sejam a transestilização, a transmodalização ou mesmo a transformação psicológica e a valorização das personagens. Vejamos o que entende Genette (1989) por cada uma delas.
A transestilização é concebida por este teórico da literatura (1989, pp. 285- 290) como sendo uma reescrita estilística, que tem o objetivo de atualizar, modernizar o estilo e, em algumas situações, torná-lo mais coloquial e simplificado. Como vimos na primeira secção deste trabalho, as adaptações para jovens, porque não se mostram condicionadas pelas opções tomadas na escrita do original, mas antes usam de relativa “autonomia para realizar escolhas discursivas e linguísticas que suportem o enquadramento do clássico” (Mateus, 2014, p. 105), recorrem, comummente, a adaptações do léxico, aproximando-o ao do leitor atual, sem, contudo, trair o seu sentido original (Crespo, 1995, p. 478). Também a sintaxe tende a ser simplificada, rejeitando-se períodos excessivamente longos e de difícil compreensão (Nodelman, 2003, p. 86). Além disso, na adaptação, o investimento em recursos expressivos é tendencialmente menor,
não só porque é exatamente a presença desses recursos que transtorna o acesso ao texto original por parte dos leitores a quem a adaptação se destina (o que conduz, naturalmente, à adoção de soluções de inevitável empobrecimento estilístico), mas também porque a adaptação, ao privilegiar a preservação do esqueleto informacional do texto, se mostra incapaz de salvaguardar o recorte estético e formal que cobre o conteúdo, o que implica [...] que nem este possa ser integralmente protegido, com exceção, naturalmente, dos excertos em que recorre à citação do original. (Mateus, 2014, p. 105)
O modo (narrativo ou dramático) de representar a obra pode ser alterado pela adaptação, operação que Genette denomina transmodalização (pp. 356-363). Tal procedimento pode ser de dois tipos, intermodal, se resulta da passagem de um modo para outro16, ou intramodal, caso as mudanças adaptativas ocorram dentro do mesmo modo. Nas transformações intramodais narrativas17, o hipertexto pode introduzir (ou eliminar) anacronias que não existiam no texto de partida, modificar a velocidade do relato18ou mesmo inverter a relação entre o discurso direto e indireto (pp. 365-367). No âmbito das adaptações, as soluções originais do hipotexto tendem a ser substituídas por mecanismos de narração mais simples, como sejam, por exemplo, a simplificação do processo de representação da diegese –sobretudo ao nível da organização temporal– e a concentração nos segmentos narrativos do original, cuja componente descritiva, digressiva e reflexiva tende a ser elidida ou atenuada (Mateus, 2014, p. 138).
Estamos em presença de um fenómeno de transposição psicológica, quando há uma substituição das intenções, dos motivos que norteiam a ação das personagens. Existem, segundo o autor de Palimpsestes, três formas de transposição: motivação simples, quando se introduz um motivo, onde o não havia; motivação negativa, que consiste em suprimir uma motivação do hipotexto; e transmotivação, a substituição de um motivo por outro, segundo a fórmula desmotivação + remotivação = transmotivação (1989, pp. 410- 417).
A valorização das personagens (1989, pp. 432-439) é um procedimento de ordem axiológico, mediante o qual se altera uma série de ações, de atitudes e de sentimentos que caracterizam uma personagem. A valorização positiva, por via de uma transformação pragmática ou psicológica, melhora o estatuto da personagem, principal ou secundária, que passa a assumir um papel mais simpático ou mais interessante e/ou importante do que aquele que tinha no hipotexto. A desvalorização, também frequente nas práticas hipertextuais, é justamente o contrário: deixando de praticar determinadas ações ou sendo destituída de terminados sentimentos, a personagem adquire um estatuto mais neutro ou, em certos casos, mais antipático, aos olhos do leitor.
2.1. Uma leitura genettiana de A aia
Pretendemos aqui, como já dissemos, aplicar os pressupostos teóricos da transata secção na análise da adaptação A aia, com o intuito de elencar os mecanismos genettianos a que Luísa Ducla Soares recorreu na sua redação19.
A autora faz um amplo uso de procedimentos de redução. Mantendo intactas diversas frases, que nos remetem para o texto primeiro20, Ducla Soares redu-lo, através de cortes sucessivos –excisões– de segmentos textuais21. A título exemplificativo, vejamos como o excerto queirosiano “Era uma vez um rei, moço e valente, senhor de um reino abundante em cidades e searas, que partira a batalhar por terras distantes, deixando solitária e triste a sua rainha e um filhinho, que ainda vivia no seu berço, dentro de suas faixas” (Queirós, 1984, p. 137) surge, na adaptação, de maneira nitidamente truncada: “Era uma vez um rei, moço e valente, que partiu a batalhar porterras distantes, deixando só e triste a sua rainha e um filhinho no berço” (Soares, 2000,p. 9)22.
Nesta adaptação, apenas um parágrafo queirosiano é eliminado na sua totalidade, através da modalidade de excisão23. No seguimento de tal redução, deixamos de ter acesso à caracterização psicológica da aia, a qual, no conto queirosiano, se apresenta como alguém que, além de amar o seu rei, devotando-lhe total fidelidade, à maneira medieval, acredita na vida para além da morte:
Nascida naquela casa real, ela tinha a paixão, a religião dos seus senhores. Nenhum pranto correra mais sentidamente do que o seu pelo rei morto à beira do grande rio. Pertencia, porém, a uma raça que acreditava que a vida da Terra se continua no Céu. O rei seu amor, decerto, já estaria reinando outro reino, para além das nuvens, também abundante em searas e cidades. O seu cavalo de batalha, as suas armas, os seus pajens tinham subido com ele às alturas. Os seus vassalos, que fossem morrendo, prontamente iriam neste reino celeste retomar em torno dele a sua vassalagem. E ele um dia, por seu turno, remontaria num raio de luz a habitar o palácio do seu senhor e a fiar de novo o linho das suas túnicas, e a acender de novo a caçoleta dos seus perfumes; seria no Céu como fora na Terra, e feliz na sua servidão. (Queirós, 1984, pp. 137-138)
No seguimento do que afirmámos na primeira secção deste trabalho, poderemos supor que a eliminação destes valores ideológico-culturais medievalizantes,de fidelidade servil em relação a um senhor, visa aproximar o texto dos seus leitores,expurgando-lhe as referências culturais que, por não serem as atuais, são, talvez, geradoras de certa confusão. A tentativa de libertar o texto de determinados valores, historicamente comprometidos, está bem presente noutros momentos desta adaptação. Atentemos nos seguintes passos:
No entanto um grande temor enchia o palácio, onde agora reinava uma mulher entre mulheres. O bastardo, o homem de rapina, que errava no cimo das serras, descera à planície com a sua horda, e já através de casais e aldeias felizes ia deixando um sulco de matança e ruínas. As portas da cidade tinham sido seguras com cadeias mais fortes. Nas atalaias ardiam lumes mais altos. Mas à defesa faltava disciplina viril. Uma roca não governa como uma espada. Toda a nobreza fiel perecera na grande batalha [...]. (Queirós, 1984, p. 138) [destacado nosso]
Um grande terror enchia o palácio real. O terrível senhor que morava no castelo da serra tinha descido à planície com os seus homens. Por onde passavam, deixavam a sua marca de morte e destruição. As portas da cidade estavam seguras com cadeias mais fortes. Mas todos os nobres tinham morrido na batalha. Agora era uma mulher que reinava, entre mulheres, uma rainha chorosa e cheia de medo... (Soares, 2000, p. 11)
Condenadas à secundariedade jurídica e social e à superficialidade de carácter, as mulheres eram tidas, no século XIX, como seres volúveis, doentes, inconscientes, histéricos, nervosos, fúteis e intelectualmente débeis. O conto eciano dá conta destes preconceitos epocais, considerando a rainha incapaz de governar: “uma roca não governa como uma espada”. A adaptação apazigua esta visão oitocentista, que é terrífica: a monarca de Luísa Ducla Soares é inepta para fazer frente ao pretendente ao trono, não porque seja mulher, mas apenas porque não dispõe dos necessários recursos, já que os todos os nobres haviam perecido na batalha e não têm as mulheres preparação guerreira.
As descrições detalhadas de paisagens, lugares, tempo, objetos e/ou personagens, porque assumem, em certos textos, “uma função meramente decorativa ou ornamentalista, aparecendo na verdade como unidades subsidiárias que se podem suprimir sem comprometer a coerência interna da história” (Reis e Lopes, 2000, p. 93), são, normalmente, eliminadas nas adaptações (procedimento intramodal narrativo, na terminologia de Genette). Esta tendência geral pode, de certo modo, ser explicada pelo facto de o foco, na literatura infantojuvenil, estar na ação e menos na descrição, como sublinha Nodelman (2003)24.
Embora o conto de Eça não se preste muito a desmedidas descrições, como sucede noutros textos do autor, a verdade é que os segmentos descritivos (sejam eles parágrafos, como o que agora acabámos de transcrever, em que acedíamos à descrição psicológica da aia, frases ou meros sintagmas) tendem a ser elididos. Vejamos, a título exemplificativo, os seguintes excertos:
A lua cheia que o vira marchar, levado no seu sonho de conquista e de fama, começava a minguar– quando um dos seus cavaleiros apareceu, com as armas rotas, negro do sangue seco e do pó dos caminhos, trazendo a amarga nova de uma batalha perdida e da morte do rei, traspassado por sete lanças entre a flor da sua nobreza, à beira de um grande rio. (Queirós, 1984, p. 137)
A lua cheia que o vira partir começava a mingar quando um dos cavaleiros trouxe a amarga notícia de uma batalha perdida e da morte do rei. (Soares, 2000, p. 9)
A adaptação apresenta uma versão excisada do original25, através da elisão de segmentos descritivos, o que transporta consigo um custo significativo. Neste caso concreto, deixamos, por exemplo, de saber como e onde morreu rei e por que razão partira para a batalha. Além disso, associada a esta redução conseguimos encontrar um fenómeno de motivação negativa –na medida em que ficamos sem saber que o monarca se havia envolvido na batalha devido ao “seu sonho de conquista e de fama” (p. 137)– e de valorização positiva, já que a personagem deixa de ser olhada como ambiciosa.
Os procedimentos de redução textual ocasionam uma drástica modificação do estilo do hipotexto. Comparemos um parágrafo do original queirosiano com a respetiva adatação, para constatarmos isso mesmo:
[...] E de entre aquela multidão que se apertava na galeria veio uma nova, ardente aclamação, com súplicas de que fosse recompensada, magnificamente, a serva admirável que salvara o rei e o reino. Mas como? Que bolsas de ouro podem pagar um filho? Então um velho de casta nobre lembrou que ela fosse levada ao tesouro real, e escolhesse de entre essas riquezas, que eram como as maiores dos maiores tesouros da Índia, todas as que o seu desejo apetecesse… (Queirós, 1984, p. 140)
Era preciso recompensar aquela mulher! Mas como? Então um velho teve uma ideia: — Levem-na ao tesouro real para ela escolher as riquezas que quiser. (Soares, 2000, p. 13)
Através da modalidade de concisão, o hipotexto é reescrito de maneira terminantemente mais simples, ao nível sintático (os diversos modificadores em aposição não existem na adaptação, as frases são mais curtas e mais simples, preferindose a ordem canónica dos elementos26), estilístico (evitam-se adjetivações e o uso do advérbio27) e lexical (as palavras de Luísa Ducla Soares são, naturalmente, muito mais simples, próximas de um registo coloquial). Além deste fenómeno de transestilização, assistimos também à passagem do discurso indireto para o direto28, o que constitui, como sabemos, um mecanismo de transformação intramodal narrativa.
Atentemos, novamente, em dois passos:
Desses inimigos o mais temeroso era o seu tio, irmão bastardo do rei, homem depravado e bravio, consumido de cobiças grosseiras, desejando só a realeza por causa dos seus tesouros e que havia anos vivia num castelo sobre os montes, com uma horda de rebeldes, à maneira de um lobo que, entre a sua atalaia, espera a presa. Ai!
A presa agora era a criancinha, rei de mama, senhor de tantas províncias e que dormia no seu berço com o seu guizo de ouro fechado na mão! (Queirós, 1984, p. 137)
O pior desses inimigos era o tio da criancinha, homem bravio como um lobo, que queria mandar naquele reino e ter grandes tesouros.
Vivia num castelo, no alto dos montes, com os seus guerreiros.
Grande perigo corria o principezinho, que dormia no berço com um guizo de ouro fechado na mão! (Soares, 2000, p. 10)
Mantendo o conteúdo relevante do hipotexto, a adaptação fixa-o num estilo, naturalmente, mais simples e, irremediavelmente, mais pobre. A ordem das palavras na frase tende a ser normalizada (“Desses inimigos o mais temeroso” / “O pior desses inimigos”), evitando-se hipérbatos; procuram-se equivalências lexicais, conferindose uma maior objetividade ao relato, no sentido de o aproximar do destinatário juvenil (horda de rebeldes/ guerreiros; temeroso/ pior). Além disso, as frases (e os parágrafos) tendem a ser mais curtas e sintaticamente mais simples, o que, grosso modo, perpassa toda a adaptação. As descrições queirosianas, como já salientámos, tendem a ser condensadas: o rival ao trono, por exemplo, é apresentado de maneira menos pormenorizada e mais simples: “homem bravio como um lobo, que queria mandar naquele reino e ter grandes tesouros” (p. 10).
Feitas estas observações, somos levados a constatar que os procedimentos de redução textual “espremem” o hipotexto de maneira tal que, deixando o essencial (se é que, em literatura, tal termo existe), elidem parte da sua mensagem, criando, deste modo, um texto, necessariamente, novo, que não lhe é, na sua totalidade, fiel.Vemo-nos impelidos, desta forma, a concordar com Linda Hutcheon (2006, p. 27), que encara as adaptações como sendo, concomitantemente, (re)interpretações e (re)criações de um texto primeiro. De facto, os adaptadores, interpretando, de maneira subjetiva, o texto original criam uma nova obra, que, relacionando-se com a primitiva, dela se aparta, em certa medida, por possuir o cunho pessoal e a originalidade de quem a adaptou. Não obstante tratar-se de um trabalho de derivação, a adaptação constitui, neste sentido, uma derivação que não é derivada, uma obra segunda sem ser secundária (Hutcheon, 2006, p. 28), na medida em que apresenta uma reformulação, uma transformação original da obra primeira.
Fruto da recriação do hipotexto em relação ao qual opera mais do que uma simples modalização discursiva (Mateus, 2014, p. 24), a adaptação concilia a repetição com a novidade, originando, com efeito, textos híbridos, que, não sendo totalmente autónomos em relação ao texto de partida, “cuja paternidade, longe de anularem, ostentam” (Mateus, 2014, p. 24)29, não se chegam a confundir com a matriz hipotextualque lhes está na sua génese, de cuja matéria fazem, aliás, um uso transformativo, vistoque lhe dão nova forma e novo propósito, suprimindo descrições, eliminando frases,substituindo a narração pelo diálogo, alterando as motivações e a valorização daspersonagens e produzindo, ainda, modificações estilísticas de vária ordem.
3. Considerações últimas
Aproximando-nos do término desta reflexão, parece particularmente relevante, com o propósito de pôr sentido conclusivo a tudo quanto temos vindo a dizer, afirmar que as práticas adaptativas que nos têm ocupado visam expurgar o texto canónico dos obstáculos linguísticos, estilísticos e culturais, que, sendo-lhe inerentes, fariam perigar, se não fossem elididos, qualquer intento de leitura juvenil. É, pois, neste contexto teórico, que devemos entender a coletânea de Luísa Ducla Soares, Seis Contos de Eça. Impondo ao hipotexto queirosiano um conjunto de transformações simplificadoras, que minoram os desfasamentos linguístico-culturais existentes entre a época da receção do texto e a da sua redação, esta obra, como é manifesto pela leitura do seu prefácio, visa propiciar aos jovens um primeiro contacto com os textos de Eça de Queirós,permitindo-lhes, deste modo, aceder ao manancial da ficção eciana, e deixando-lhes,além disso, inculcada na mente a semente da curiosidade, que, brotando um dia, osimpelirá à leitura dos textos originais do autor.
Estimulada por esse propósito de divulgação do legado literário deste exímio modelador da língua portuguesa, Ducla Soares, com o intuito de simplicar o hipotexto, recorreu, em A aia, a uma série de procedimentos hipertextuais, teorizados por Genette (1989). Os mecanismos de transformação quantitativa de redução, reduzindo a extensão do texto de partida, apresentam-se como procedimentos principais, que implicam a existência de outros tantos. De facto, a concisão e a excisão conferem ao hipotexto, como vimos, maior simplicidade estilística (transestilização), elidem ou reduzem descrições (procedimento intramodal narrativo) e alteram as motivações e valorização das personagens (transformação psicológica e a valorização das personagens). Todos estes mecanismos genettianos originam um texto, necessariamente, novo, mais simples, acessível aos jovens, mas que mantém, ainda assim, nítidas semelhanças com o hipotexto, para o qual, constantemente, nos remete.
Feitas estas considerações concludentes, convém notar que o texto canónico não se resume, de modo algum, ao enredo que encerra. Na verdade, a Literatura é, em primeira instância, um trabalho sobre as inúmeras virtualidades da língua. É isso que explica, por exemplo, o facto de, embora conhecedores da história de Os Maias, a ele, continuamente, regressarmos: retornamos a esse universo ficcional não porque nos houvéssemos olvidado da incestuosa trama, mas sim porque queremos contactar com o insigne labor queirosiano que, em prol da linguagem, ali se opera.
Deste consabido raciocínio, decorre, necessariamente, a seguinte constatação: se é certo que as práticas adaptativas (e a de Ducla Soares, em específico) constituem uma importante ferramenta de divulgação cultural, permitindo aos jovens aceder, ainda que indiretamente, à literatura canónica, verdade é também que as adaptações apenas lhes apresentam a história, elidindo, como vimos, grande parte do trabalho estilístico que o escritor do hipotexto havia desenvolvido. Quer, portanto, isto dizer que o adaptador, empobrecendo o hipertexto, oblitera o que carateriza a verdadeira Literatura (e a separa daquilo que mais não é que um mero alinhar de palavras): o árduo trabalho sobre a língua, o exercício de estilo.
Estender o nosso olhar indagador a este aspeto, no sentido de encontrar limitações às práticas adaptativas, seria uma proveitosa linha de investigação futura. Aprazível estudo seria também aquele que se ocuparia de analisar os demais contos desta coletânea, com o intuito de perceber, de entre outros aspetos, se a distribuição das operações genettianas permanece semelhante à de A aia.
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Notas
1
Na atualidade, há, em Portugal, diversas adaptações de textos canónicos para destinatário juvenil. Para corroborar esta afirmação, podemos, sem objetivos de exaustividade, convocar a coleção Clássicos a brincar, de Sara Rodrigues (texto) e Cristiana Resina (ilustração), editados pelas Edições Asa; ou a Coleção de clássicos da literatura portuguesa contados aos mais jovens, constituída por vinte e quatro títulos das Edições Quasi. Este último produto editorial conta já com um estudo conjunto de Carlos Nogueira (2009), intitulado De Gil Vicente a Fernando Pessoa: os clássicos na literatura para a infância e juventude.
2
A adaptação, entendida como um mecanismo de atualização do texto clássico, ao permitir a sua inscrição nos universos de leitura juvenis, apresenta, a par de uma intrínseca vocação cultural, uma dimensão económico-comercial muito pronunciada: abeirando-se de textos clássicos, muitas vezes de leitura obrigatória, na escola, as adaptações garantem, assim, que são notadas no panorama literário, garantindo, possivelmente, o seu sucesso comercial (Mateus, 2014, p. 24).
3
Os textos canónicos, não sendo submetidos a praticas adaptativas, ficam encerrados “en un cofre muy valioso, lugar al que solo un grupo de personas muy reducido, bien formado y seleccionado tendrá acceso para poder conocer y disfrutar el tesoro que se guarda en su interior” (Rodríguez-Chaparro, 2012, p. 2). Neste sentido, as adaptações asseguram a sobrevivência dos textos e são um trampolim para que os jovens lhes acedam (León, 2006).
4
Variação da ilustre frase, contida em Primeiro Livro de Poesia: “uma criança é uma criança, não é um pateta” (Andresen, 2019, p. 177).
5
Embora apenas pretendamos analisar um dos textos inserto nesta coletânea, A aia, convém frisar que a mesma inclui uma adaptação de outros contos homónimos de Eça de Queirós: O tesouro, O defunto, Frei Genebro, Civilização e O suave milagre. O título da obra é sugestivo, na medida em que convoca não só o número de contos que adapta, mas também o seu autor, permitindo saber, desde logo, que estamos a compulsar uma reescrita.Tal indicação revela-se obrigatória devido ao contrato de hipertextualidade que o adaptador estabelece com o leitor, o qual obriga a que o hipotexto seja, imediatamente, convocado (Crespo, 1995). Devemos salientar que existe já uma dissertação de Mestrado que se ocupa de uma análise conjunta destes textos (Calado, 2009), com objetivos naturalmente distintos dos deste artigo.
6
Este elemento peritextual permite aceder a informações relevantes, como sejam os motivos que presidiram à reescrita, a delimitação da faixa etária dos destinatários ou, ainda, os princípios e métodos da prática adaptativa. Estes paratextos constituem uma espécie de dever ético de justificação autoral perante o público e a crítica, “cujo cumprimento torna ostensivos os gestos curiais de reconhecimento da precedência e da supremacia estética do original” (Mateus, 2014, p. 115).
7
No caso concreto de A aia, as palavras selecionadas são aia, abatido, esganado, esmeralda, minguar, rubi, serva, trespassado, verga, palavras que, encontrando-se no conto original, porque não fazem, talvez, parte do quotidiano da maior parte dos jovens, podem para eles constituir uma dificuldade.
8
Como referimos, a adaptação, constituindo um veículo de difusão do texto canónico, pode ser entendida à luz do conceito de mediação, proposto por Bolter & Grusin (2000). Seis Contos de Eça constitui, com efeito, uma ferramenta de mediação do original queirosiano.
9
Refere-se Ducla Soares, neste passo, aos hipotextos A aia, O suave milagre e Civilização. No 9.º ano, um destes contos deve ser lecionado em sala de aula (Buescu, Morais, Rocha & Magalhães, 205, p. 100).
10
Müeller (2013) destaca que as adaptações são promissoras, na medida em que podem impelir os jovens a ler o texto original. Nesta mesma linha de raciocínio, também Machado (2002) afirma que “cada uno de nosotros tiene derecho a conocer –o al menos saber que existen– las grandes obras literarias del patrimonio universal […] Varios de esos contactos de establecen por primera vez en la infancia y juventud, abriendo caminos que pueden recorrerse después nuevamente o no, pero ya funcionan como una señalización y un aviso” (Machado, 2002, pp. 37-38).
11
No contexto em que surge, esta obra apresenta, além de uma manifesta função de divulgação cultural, uma implicação económica muito pronunciada. Bem sabemos como nestas alturas de efeméride, as propostas editoriais são uma tentativa dos editores e dos autores de ganhar dinheiro. Este aparente paradoxo (cultura-negócio) é teorizado por Bourdieu (2007) que encara os livros como “realidades de dupla face –mercadorias e significações–, cujo valor propriamente cultural e cujo valor mercantil subsistem relativamente independentes” (Bourdieu, 2007, p. 102). O livro é, assim, um objeto dual, provido, concomitantemente, de uma dimensão venal e cultural.
Devemos notar que Luísa Ducla Soares, na sua vetusta carreira literária, conta já com outros livros que encerram em si notórios intuitos de divulgação cultural. Obras como O meu Primeiro Eça de Queirós (2011), eximiamente bem ilustrado por Fátima Afonso, Teixeira de Pascoaes: a página de um livro é terra semeada (2017) ou como Fernão Magalhães – O Circum-Navegador (2017) permitem constatar que estamos em presença de alguém muito motivado em aproximar as crianças e os jovens dos grandes vultos da história e da literatura, contribuindo, consequentemente, para a sua formação.
12
Diz Marc Soriano (1970), a este propósito, que adaptar um livro significa submetê-lo a uma quantidade de modificações, cortes e aproximações, que o convertam num produto que vá ao encontro dos interesses dos mais jovens, revelando-se compreensível para eles.
13
Genette define hipertextualidade como uma relação macrotextual que se estabelece entre o hipotexto e a imitação ou transformação do mesmo, o hipertexto. Segundo ele, existem dois grandes tipos de hipertextualidade, a imitação e a transposição. Esta última trata de contar a mesma história de maneira nova, impondo uma série de transformações que podem ser formais ou temáticas. Referem-se as primeiras à forma externa (versificação, prosificação, etc.), ao estilo (transestilização), à extensão ou ao modo do texto. As segundas dizem respeito a trans- formações diegéticas, pragmáticas e semânticas. Não obstante o autor elencar esta vasta panóplia de operações de reformulação, neste trabalho, dadas as limitações de espaço, apenas apresentaremos aquelas que julgamos serem pertinentes para uma análise do conto A aia, alvo da nossa especial atenção.
14
Genette reconhece a rentabilidade deste procedimento no âmbito da literatura infanto-juvenil, quando afirma que ele é empregue em muitas edições de Robinson Crusoe para crianças, que, reduzindo o relato à sua parte “robinsoriana”, apenas mantém os episódios do naufrágio e da vida do protagonista na ilha (Genette, 1989, p. 293).
Luís de Magalhães, preparando, postumamente, o volume de Contos (1902), não só excisa o texto queirosiano Tema para Versos, como também lhe inventa, ademais, um título, A aia. As edições subsequentes da obra acabaram, grosso modo, por manter esta prática manipuladora, sedimentando-a. O que aqui dizemos foi inteligentemente notado, em 1989, por Luiz Fagundes Duarte, quando afirma que “a Parte II [do conto] foi separada [da primeira], com cortes no princípio e no fim, por Luís de Magalhães, que lhe atribui o título de A aia, para a incluir na sua edição de contos, facto que a tradição até este momento conservou” (Queirós, 1989, p. 327). Como consequência da truncação a que foi sujeito, o conto, quando enquadrado no seu contexto original de produção, adquire um significado outro, natu- ralmente distinto daquele que uma leitura avulsa pode permitir. A parte segunda a que se refere Fagundes Duarte apresenta-se como uma “complementação exemplificadora” (Miné, 2004, p. 53) da secção doutrinária da primeira parte, devendo ser lida à luz dela. Dado o objetivo deste trabalho –analisar a adaptação A aia de Luísa Ducla Soares, compreendendo, por um lado, a sua génese e delimitando, por outro, os procedimentos genettianos que estiveram na sua origem– nos não importa aqui aprofundar este aspeto, nem indagar os custos significativos que a coartação de Magalhães implica.
15
O próprio Genette reconhece que a listagem de operações de reformulação não funciona como modelo de classificação unívoca de textos, podendo ser combinadas de forma livre no exercício da adaptação.
16
À passagem do modo narrativo para o dramático, dá Genette o nome de dramatização. O contrário intitula-se narrativização.
17
Refletimos apenas sobre esta modalidade, na medida em que a adaptação A aia nela se inscreve.
18
A alteração da velocidade do relato pode fazer-se de variadíssimas maneiras: “convertir las escenas en sumarios y a la inversa, rellenar las elipsis o paralipsis y, a la inversa, suprimir segmentos de relato; suprimir o introducir descripciones; convertir segmentos singulativos en iterativos, y a la inversa” (Genette, 1989, p. 366).
19
Dadas as parcas dimensões deste trabalho, não nos é exequível apresentar uma análise exaustiva do conto, parágrafo a parágrafo. Contentamo-nos, aqui, com um comentário de índole global, que patenteie as principais tendências adaptativas.
20
Segundo Linda Hutcheon (2006, p. 7), as adaptações devem possuir certas características que nos remetem para o hipotexto. Para isto cumprir, elas recorrem, por exemplo, a citações, o que lhes permite respeitar, deste modo, o estilo do texto primeiro. Em A aia de Ducla Soares, além das citações, temos o título, o incipit e excipit e a conservação, grosso modo, da história, elementos que nos encaminham para o hipotexto. Este conto é, de facto, fiel ao texto de partida, como a autora anuncia no prefácio da obra.
21
Quando comparada com a excisão, a concisão apresenta-se com um procedimento menos recorrente, surgindo combinado com excisão, nos parágrafos em que ocorre.
22
Neste caso, apenas se procuram equivalências lexicais (solitária/só) e se alteram os tempos verbais (partira/ partiu). Há, em todas as excisões, estas pequenas alterações.
23
A aia de Luísa Ducla Soares reduz A aia queirosiana, narrativa que, por sua vez, advém, como frisámos já, da excisão de um texto primeiro de Eça de Queirós, Tema para Versos. O conto contemporâneo constitui, pois, uma adaptação de um texto que, por si, fora também já manipulado por Luís de Magalhães (Miné, 2004; Queirós, 1989), o que não deixa de constituir um curioso facto.
24
A literatura para destinatário juvenil surge, muitas vezes, acompanhada de ilustrações, que têm a capacidade de veicular as informações contidas nas descrições. O texto torna-se, assim, mais interessante e cativante. A primeira edição desta coletânea devota essa questão para segundo plano. Na verdade, por exemplo, no que concerne ao con- to A aia, apenas existe um desenho da protagonista, desarticulado do texto (Soares, 2000, p. 15). Na mais recente edição desta obra (2016), o texto surge amplamente ilustrado por Rafaello Bergonse.
25
Também aqui se procuram equivalências lexicais (marchar/partir; nova/notícia).
26
Os hipérbatos “com súplicas de que fosse recompensada, magnificamente, a serva admirável que salvara o rei e o reino” e “escolhesse de entre essas riquezas, que eram como as maiores dos maiores tesouros da Índia, todas as que o seu desejo apetecesse” não surgem na adaptação.
27
A propósito do uso estilístico do adjetivo e do advérbio consultemos, por exemplo, o trabalho de Ernesto Guerra da Cal, Linguagem e Estilo de Eça de Queirós (pp. 108-192).
28
Segundo Gemma Lluch (2003, p. 81), o discurso direto é o mais comum no âmbito da literatura infantojuvenil.
29
No caso particular que nos ocupa, o hipotexto, como já tivemos oportunidade de frisar, é, desde logo, expli- citado no título, Seis Contos de Eça, e no prefácio da obra. Além disso, diversos são as similitudes textuais existentes entre ambos os textos.
Informação adicional
Senos Ferreira, Filipe (2021).“Adaptar para divulgar: análise do conto A aia, adaptado por Luísa Ducla Soares”. Elos. Revista de Literatura Infantil e Xuvenil, 8, “Notas”, 5-23. ISSN 2386-7620. DOI http://dx.doi.org/10.15304/elos.8.7502
Vol.
Num. 8
Año. 2021
ADAPTAR PARA DIVULGAR: ANÁLISE DO CONTO A AIA, ADAPTADO POR LUíSA DUCLA SOARES
Filipe Senos Ferreira
Universidade de Aveiro,Portugal
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