1. Introdução
Nos anos finais do séc. xx encetávamos uma pesquisa no Arquivo Nacional da Torre do Tombo ―cit. antt― com o intuito de obter um conhecimento mais profundo sobre o volume e as características da documentação instrumental portuguesa em romance de cronologia mais recuada. Fruto direto dessa investigação ―e doutra, a ela associada, nos arquivos que custodiam a produção galega (e galaico-leonesa) do mesmo tipo― foi a edição de um conjunto de 384 diplomas situados entre 1139 e 1270 (). Porém, ainda nos foi possível exumar, posteriormente, cinco documentos inéditos em galego-português inseríveis naquele quadro cronológico, isto é, anteriores a 1271. Todos constituem, por motivos diversos, testemunhos singulares e preciosos da emergência e expansão da escrita em romance no antigo reino lusitano. Esses textos, identificados (sumariamente) em seguida, são objeto de edição e estudo neste trabalho:
- 1.
Sem data (ca. 1188-1192) ― Paio. antt, Conventos por identificar, caixa 13, maço 1, nº 12. Esquisa sobre reguengo em Friamil (= D1).
- 2.
1243, outubro ― Afonso. antt, Mosteiro de Almoster, maço 6, nº 43. Doação de propriedades em Gondiães (= D2).
- 3.
Sem data (ca. 1265) ― Miguel Peres e André Peres. antt, Mosteiro de Almoster, maço 2, nº 35. Relatório económico endereçado a Rui Garcia de Paiva (= D3A, D3B).
- 4.
1268. antt, Mosteiro de Almoster, maço 10, nº 33. Contrato económico entre a Ordem de Santiago e Rui Garcia de Paiva (= D4).
- 5.
1270, setembro, 6 ― Gil Vicente. antt, Cabido da Sé de Coimbra, Segunda incorporação, maço 8, nº 416. Doação ao Cabido da Sé de Coimbra (= D5).
A apresentação e contextualização individualizadas de cada um deles serão acompanhadas, após as respetivas edições, por considerações atinentes aos aspetos com maior relevo scriptolinguístico. Assim, seguindo o modelo de estudo efetuado anteriormente, além de considerar a manutenção de vestígios do código tradicional de escrita latino-romance, debruçar-nos-emos sobre questões (sobretudo) grafémicas relativas ao vocalismo (vogais médias /e/ e /o/, sequências vocálicas, vogais nasais), ao consonantismo (fricativa bilabial, fricativas apicoalveolares, africadas predorsodentais, africada/fricativa palatal vozeada, africada palatal surda, lateral palatal e nasal palatal) e ainda sobre outros aspetos scriptolinguísticos a elas adjacentes. O desenvolvimento será maior, pela sua excecionalidade, no caso dos dois escritos mais antigos, designadamente em relação ao primeiro dos examinados.
Para a leitura deste artigo, cumpre ter presente que os vocábulos a que se atribui uma origem documental precisa são grafados em itálico, ao passo que as aspas identificam, de modo genérico, itens lexicais atuais ou arcaicos.
Quanto aos critérios de transcrição e edição, os textos são apresentados em versão interpretativa e de acordo com os princípios que se expõem em seguida:
-
Utilizamos as convenções modernas como parâmetro na delimitação de unidades gráficas, mas ocasionalmente marcamos com travessão subscrito (_) a separação de palavras ligadas no manuscrito e com traço vertical (|) aqueles constituintes que se encontravam afastados. Mantemos a situação dos originais no que se refere à união ou separação dos clíticos em relação à forma verbal anterior. A elisão de elementos é sinalizada pelo apóstrofo (’). Exs.: áá uer = > á_áuer (D3A), dej radega = d’ ejradega (D3A), entempo = en tempo (D1), poromper = po’_romper (D2), richomẽ = ric'homẽ (D3A).
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O mesmo princípio atualizador foi seguido para introduzir a pontuação e no emprego de maiúsculas e minúsculas.
-
O traço supralinear ou lineta utilizado em D2 e D5 como marca diacrítica para identificar vogais nasais é transformado num til (~) que encima a vogal, em origem, nasalada antes da queda do -N- ou por influxo de uma nasal inicial. Exs.: algũa (D2), mĩas (D5).
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Preservamos as alografias <i/j> e <u/v> com independência do seu valor vocálico ou consonântico. Exs.: mujto = mujto (D3A), seia = seia (D3), uasalo = uasalo (D1).
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Mantemos todos os acentos ou plicas, salvo quando esse elemento encima o <y>. Exs.: arcediagóó = arcediagóó (D5), muýmẽto = muymento (D5).
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Salvo casos excecionais de resolução duvidosa, expandimos as abreviaturas utilizando o itálico para os caracteres restituídos. A lineta com o valor de consoante nasal em coda e, excecionalmente, em posição intervocálica é desabreviada como <n> ou <m>, de acordo com as preferências do texto ou do contexto em que se integra. Exs.: comendamõos = comendamonos (D3A), dõaçõ = dõaçon (D5), nĩhúú = ninhúú (D4), nõ = nom (D1), t’ra = terra. (D1).
-
As dúvidas que coloca a interpretação dessa marca quando situada sobre a palavra “homem”, dado que poderá tratar-se de prolongamento de uma prática abreviativa latinizante, leva-nos a editá-la como um til (ambivalente) sobre a última vogal: homẽ (D5) ―não como “homem” ou “homen”. No caso dos vocábulos “ano” e “como”, optamos por transcrevê-los como ãno (D5) e cõmo (D4).
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A nota tironiana é reproduzida como et ou como e atendendo à ocorrência, explícita ou implícita, de uma ou de outra forma no texto.
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As cifras dos numerais são apresentadas com todas as unidades em letras maiúsculas e unifico os alógrafos de <i> como <I>. Ex.: CC.lxxj = CC.LXXI (D2).
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As letras omitidas são restituídas, apenas quando o lapso seja óbvio, entre parênteses retos ([texto]), e utilizamos os parênteses angulares (<texto>, <...>) para lições de difícil decifração ou sobre as quais não tenhamos certeza absoluta. Exs.: martno = Mart[i]no (D1), rodigo = Rod[r]igo (D1), sepe = se[n]pe (D2).
-
Os elementos desnecessários ou cancelados são incluídos entre parênteses. Exs.: herdadede = herdade(de) (D2), nozes = (nozes) (D3).
Na reprodução, por motivos diversos, de fragmentos das escrituras em questão ao longo das páginas deste trabalho, prescindimos de marcas e contrastes tipográficos (exs.: criasiom = criasiom, Rod[r]igo = Rodrigo, etc.)
2. Documentos anteriores à segunda metade do séc. xiii
2.1. Aquesta esquisa fuit dita
Embora não datado, o escrito que intitulávamos como Esquisa sobre reguengo em Friamil ―cit. Esquisa― é, com certeza, o mais antigo dos apresentados, segundo apontam, de modo convergente, as características materiais, sobretudo a letra, e os elementos de significado cronológico do seu conteúdo. Não obstante certas dúvidas sobre a compreensão do texto, pensamos que nele se descreve, em modo sumário, a alienação de propriedades que estavam na posse de uma D. Urraca e dos filhos desta para serem reconduzidas ao domínio régio. Pelo procedimento habitual para apurar se algum nobre se tinha apropriado indevidamente dos reguengos, baseado numa inquirição (esquisa) a testemunhas in loco, parece ter sido constatado o carácter ilícito do domínio que aqueles exerciam sobre uma herdade em Friamil (Castelo de Paiva), vindo a produzir-se a penhora da mesma. A elaboração do documento poder-se-á prender, consequentemente, à necessidade de contar, por parte de alguma entidade, com uma memória escrita relativa à mudança de titularidade da herdade em questão.
D1
Sem data (ca. 1188-1192).
Notícia sobre a inquirição efetuada para reconduzir ao património realengo uma herdade em Friamil (Real, Castelo de Paiva).
J[n] nomine Domini nostri Ihesu Christi. En_tempo de Rod[r]igo Suariz, estrengerum domna Orraca et suos filios por duzerem sua hereditate a regahengo, per|nominata en Freamil. Vermúú, alcaíde, que era suo uasalo poderoso et senior desta terra; Martino Petriz, seu de criasiom; et Poupa Moutas, que era soregano da terra: estrengerum et pignorarum por esquisa de Mart[i]no Rrorigiz et de Pelaio Mouro de Sequeiroo. Et nom hacharum <per perdete>. S. Monaco, ts.; Pelaio Arias, ts.; Petro Mamum, ts.; Petro Sobrino, ts.; Pelaio Rial, ts.; Suero Caraua, iuiz da terra, ante que fuit, ts. Aquesta esquisa fuit dita IIIIor dias ante Sancto Iohannes Babtista. Pelaio notuit.
No que concerne ao estatuto diplomático, trata-se de uma “notícia”, mais especificamente de uma “notícia probatória”, enquanto memória de um ato jurídico anterior que não terá sido consignado previamente por escrito (). Reporta-se o resultado de uma esquisa, cujo enquadramento original terá sido apenas o da oralidade: “Aquesta esquisa fuit dita IIIIor dias ante Sancto Iohannes Babtista”. Porém, registamos algumas manifestações que se afigurariam impróprias desse molde documental, nomeadamente as alusões aos vínculos que Bermudo e Martim Peres mantinham com D. Urraca; junto com a utilização do verbo “estrenger” para se referir à pressão praticada sobre essa senhora e os filhos. Não encontramos, contudo, argumentos suficientes para pensar que tenha sido concebida como “notícia-narrativa”, grupo integrado sistematicamente por escrituras ―como a Notícia de torto― em que se “descrevem roubos, destruição de propriedade e apreensão irregular ou ilegal de terras” com finalidade de denúncia ().
A estrutura corresponde à de outros diplomas desse tipo. Após uma fórmula habitual de invocatio (“Jn nomine Domini nostri Ihesu Christi”), encontramos o cabeçalho: “En tempo de Rodrigo Suariz estrengerum domna Orraca et suos filios por duzerem sua hereditate a regahengo, pernominata en Freamil”. A seguir surge a narração sobre o ato da esquisa, redigida no passado e estilo objetivo. No segmento final, são citadas as testemunhas e o juiz da terra, Soeiro Crava (“Suero Caraua”). Também se indica o dia, 21 de junho, em que foi promulgada, sem se precisar o ano, talvez implícito na datação sincrónica “En tempo de Rodrigo Suariz”. Conclui-se o documento com a subscrição de Paio, o seu autor material.
Os topónimos presentes (por diversas vias) na Esquisa levam-nos ao concelho de Castelo de Paiva, concretamente às freguesias de Sardoura e Real, onde encontramos os seguintes lugares: Crava (Sardoura, Caraua), Friamil (Real, Freamil), Real (Real, Rial), Sequeirô (Real, Sequeiroo). Na área situam-se os mosteiros de Arouca (Arouca), Pendorada (Marco de Canaveses) e Tarouquela (Cinfães); a algum dos quais poderá ter pertencido o escrito em questão.
A herdade em litígio terá permanecido na posse da coroa até à última década do séc. xiii, podendo ser reconhecida nos “II casaes en Freamil” que, junto com outros cinco situados “na freeguesia de Sancta Marinha de Rial no julgado de Pavha”, pertenceram a D. Afonso Sanches (bastardo de D. Dinis) por cessão do pai. Tais propriedades foram entregues, por permuta, ao mosteiro de Arouca de acordo com carta redigida “apres de Freamil” em 1291. Ora, o mosteiro de S. Pedro já contava com um casal nessa mesma terra que lhe fora dado por Toda Viegas de Riba Douro (filha de Egas Ermigues e prima-irmã de Egas Moniz, dito “o Aio”). Com efeito, no seu testamento, D. Toda contemplou o cenóbio citado, entre outras propriedades, com numerosos casais nessa zona concreta (e nas imediações), um deles em Friamil: “in Freamir Iº casal” ().
Quanto ao reconhecimento histórico dos indivíduos citados no texto, além das dificuldades inerentes à documentação do período, confrontamo-nos com o empecilho que supõe a ausência de patronímico na denominação de dois dos protagonistas: D. Urraca e Bermudo. No entanto, tal omissão, enquanto sinal implícito de notoriedade pública, poder-se-á constituir num elemento-chave para os individualizar.
A identificação mais exequível e segura poderá ser a de Paio Rial (“Pelaio Rial”), cujo apelido toponímico remete para a freguesia do mesmo nome ―hoje mal grafada como “Real” (Castelo de Paiva)― na margem esquerda do rio Paiva. Contamos com dois registos de quem exerceu como testemunha, um deles na Notícia de herdades e dívidas de Paio Soares Romeu, na qual o titular declara a existência de uma dívida de dois maravedis com esta personagem: “A Pelagio Rial II”. Desconhecemos a data concreta em que Paio Soares Romeu mandou redigir essa Notícia, mas pode ser situada ca. 1175, visto que este último aparece pela derradeira vez em 24 de fevereiro de 1177, altura em que dispunha o seu testamento (). Paio Rial surge, de novo, em fevereiro de 1189 numa escritura do mosteiro de Pendorada pela qual ele próprio e a mulher, Elvira Peres, vendiam a outros particulares o que possuíam no lugar de Leiria. A presença do diploma no cartório desse cenóbio ―distante apenas 10 km de Friamil― reafirma, assim, o relacionamento de Paio Rial com essa área, uma vez que os compradores ou os seus herdeiros, de quem o convento terá recebido aqueles bens, estiveram necessariamente vinculados a esse mesmo espaço.
Com menos certezas, poderemos reconhecer Paio Mouro (de Sequeirô) como um dos indivíduos citados na Manda testamentária e inventário de dívidas de Pedro Viegas. Trata-se de uma escritura, lavrada em 1184, de que é titular Pedro Viegas, antigo escravo mouro de Teresa Afonso de Cela Nova, mulher de Egas Moniz, “o Aio”. Esse personagem é ainda mencionado na Notitia de hereditate de miana de domna Orracha Venegas (de Riba Douro) ―documento (não datado) redigido provavelmente nas últimas décadas do séc. xii― a respeito de um casal em Vilarinho (Canelas, Penafiel): “In Canelas: casal de Vilarino de Pelagio Mauro”.
As menções Rodrigo Soares e Bermudo, indivíduos aos quais se atribui, implícita e explicitamente, o exercício de cargos públicos, podem parecer, a priori, uma via para descortinar o momento histórico em que se gerou o texto. No entanto, as imprecisas e ―hoje para nós― confusas referências de que são objeto, junto com a falta de reflexos documentais, impedem-nos de chegar a conclusões categóricas. Bermudo terá sido um dos agentes da alienação patrimonial em questão, o que condiz com a função de alcaide (“Vermúú alcaíde”) que lhe é atribuída. Além disso, parece afirmar-se que era vassalo da própria D. Urraca e que tinha exercido como “senior desta terra”, expressão em que podemos descobrir o desempenho do cargo de tenente. Com efeito, entre 1187 e 1188, um Bermudo foi tenente de Lamego (), território medieval que integrava a terra de Paiva. Trata-se de Bermudo Soares, filho de Soeiro Viegas de Riba Douro (prole de Egas Moniz e de Teresa Afonso de Cela Nova) e de Sancha Bermudes de Trava (filha de Bermudo Peres de Trava e de Urraca Henriques), falecido em 24 junho de 1191. A tenência de Lamego manteve-se ininterruptamente nos Riba Douro (e na sua hereditariedade) desde finais do séc. xi até meados do séc. xiii ().
Como elemento de datação sincrónica, o ato de despossessão é situado “En tempo de Rodrigo Suariz”, o que parece apontar para a época em que ele realizava alguma função pública; no entanto, não conseguimos identificar, para a área geográfica em foco, nenhum indivíduo com tal nome nessa situação. Sabemos da existência de um Rodrigo Soares (de Riba Douro) que, segundo o obituário do mosteiro de Salzedas (Tarouca), faleceu em 23 junho de 1193 (). Visto que a indicação do texto poderá sugerir que estamos perante um tenente, não descartamos a possibilidade de Rodrigo Soares, considerado irmão de Bermudo Soares, ter ocupado também a tenência de Lamego.
Ao que parece, uma senhora de nome Urraca e os filhos terão sido objeto de prema para transformar em realengo uma herdade em Friamil que tinham por sua. Não conhecemos o patronímico dessa Urraca, mas o tratamento de domna que lhe é atribuído assegura condição fidalga. Aliás, o facto de o alcaide ser apresentado como vassalo dela supõe tratar-se de mulher poderosa pelas origens familiares e/ou pela notoriedade do marido. Ora, atendendo aos circunstancialismos de diversa natureza que determinam a existência deste documento, não nos parece existir outra alternativa à possibilidade de nela reconhecer Urraca Viegas de Riba Douro (1154-1218), filha de Egas Moniz (1080-1146) e de Teresa Afonso de Cela Nova (cf. supra), portanto, tia dos acima citados: Bermudo e Rodrigo Soares. Esta convergência familiar e ainda a personalidade histórica de D. Urraca são aspetos que podem parecer, a priori, um tanto ou quanto inesperados, mas é aquilo que nos parece postular a documentação disponível (cf. infra).
A linhagem dos Riba Douro, a que pertenceu D. Urraca, “partindo do Sousa inferior e do Tâmega inferior, estende-se essencialmente para Sul do Douro, através da bacia do Arda, até ao Entre-Douro-e-Paiva e ao Távora inferior” (). Como vimos, D. Toda Viegas de Riba Douro (prima em segundo grau de D. Urraca), padroeira do mosteiro de Arouca, contava com numerosas posses, como a de Friamil, localizáveis no atual concelho de Castelo de Paiva e na região central do de Arouca. Quanto ao ramo familiar de Egas Moniz, sabemos da sua presença no extinto concelho de Sanfins, integrado pelas freguesias mais ocidentais de Cinfães; isto é, o espaço imediato, à direita do rio Paiva, daquele em que se situa Friamil. O próprio Egas Moniz e Teresa Afonso tinham paços em Cosconhe na freguesia de Santiago de Piães (Cinfães). Urraca Viegas também concentrava na zona uma parte dos seus bens, com propriedades em Paços ―hoje (mal) grafado “Passos”― (Tarouquela, Cinfães), Ventoselas e Concela (Piães, Cinfães), Vale do Conde (Fermedo, Arouca), Pindelo (Nespereira, Cinfães).
Urraca Viegas é bem conhecida por ter sido aia da infanta D. Mafalda (1196-1256), filha de D. Sancho I que chegou a ser adotada por ela; contemplando-a, aliás, com boa parte do seu património. Ela casou com Gonçalo Rodrigues da Palmeira (1112-1154) e, em segundas núpcias (ca. 1169), com o conde Vasco Sanches de Cela Nova (1148-1180), de quem enviuvou ca. 1181. Foram filhos do primeiro casamento, Fernando e Gonçalo Gonçalves. Este último, documentado na corte desde 1176 até 1198, foi alcaide de Lisboa (1179) e tenente, entre outras terras, de Lamego (1191-1194). Quanto a Rodrigo Vasques (1189-1197), filho de Vasco Sanches e de Urraca Viegas, ele surge na cúria de Sancho I entre 1191 e 1197.
Entre os indivíduos que intervieram no ato de alienação patrimonial comparece um Martim Peres, a respeito do qual se indica ter sido criado em casa da própria D. Urraca: “Martino Petriz, seu de criasiom”. Estamos, muito provavelmente, perante uma referência ao hábito da criação de filhos segundos em casa dos tios maternos a que, por exemplo, faz menção : “velhos hábitos da protecção especial concedida aos sobrinhos, particularmente pelos tios maternos”. Assim sendo, cabe esperar que D. Urraca tenha tido um sobrinho desse nome e filho de uma irmã, o que, de facto, aconteceu. O segundo filho de Elvira Viegas de Riba Douro (1146-1218) (irmã de D. Urraca) e de Pedro Pais da Maia (alferes-mor entre 1147 e 1169) foi Martim Peres, dito o “Jaimi”, personagem documentado nas cortes de D. Sancho I e D. Afonso II, nas quais exerceu o cargo de tenente (1208-1220) sobre diversas terras (Maia, Celorico, Faria, Linhares, Valença e Vermoim). Pedro Pais da Maia, pai de Martim Peres, abandonou Portugal na sequência do desastre militar de Badajoz (1169), vindo a integrar-se na corte galaico-leonesa como alferes e tenente de D. Fernando II entre 1171 e 1186, ano em que volta à vassalagem do monarca português. É provável que o exílio dos progenitores tenha sido, afinal, o motivo pelo qual a tutela de Martim Peres fora confiada a D. Urraca. Apesar do alto grau de homonímia registada na altura, não parece que essa coincidência no nome do sobrinho possa ser atribuída a uma simples casualidade; antes pelo contrário, constitui um argumento decisivo a favor da proposta de identificação da tia como Urraca Viegas.
Se o raciocínio que fizemos, entre outros aspetos, acerca das menções de Bermudo (Soares) e de Rodrigo Soares estiver correto, então poderemos estabelecer o dia 21 de novembro de 1191 como terminus ad quem para o ato que subjaz à Esquisa, altura em que D. Bermudo, documentado pela última vez como tenente de Lamego em abril de 1188, já fora substituído no cargo por Gonçalo Gonçalves, filho de D. Urraca (cf. infra). Mesmo que a redação do texto não tenha sido imediata ao processo de inquirição, é provável que este lhe tenha antecedido pouco tempo, o que nos leva a datá-lo criticamente, mas com notável flexibilidade, de “ca. 1188-1192”. Esta proposta cronológica vai ao encontro da opinião que, no tocante à configuração gráfica, nos foi transmitida, amavelmente, por Maria José de Azevedo Santos, em comunicação pessoal (2018/07/12). De acordo com a professora de Coimbra, pode ser qualificada como “letra de esmero semicursivo, uma gótica com vestígios da carolina, sobretudo nos <a> ainda muito redondos”. Quanto à cronologia, propõe “colocá-lo na segunda metade do século xii”.
Como tem sido reiteradamente observado, o tipo documental “notícia”, pela sua independência em relação aos formulários notariais em latino-romance, aparece associado a escritos com alta intensidade de romanceamento, chegando ocasionalmente a atingir aquele patamar que nos permite definir um documento como “escrito em galego-português”. Não duvidamos em atribuir esse rótulo à Esquisa, visto já se afastar, nítida e maioritariamente, do modo scriptográfico latino. Num trabalho anterior (), avançamos com uma proposta concreta que possibilite, em casos de dúvida, distinguir textos em galego-português de textos latinos, utilizando como parâmetros a morfologia verbal e, em modo complementar, a queda histórica de -l- latino. O escrito em questão satisfaz os requisitos estabelecidos: (i) contém 8 (67%) (de 12) formas verbais não interpretáveis como latinas: dita, duzerem, era2, estrengerum2, hacharum, pignorarum; e (ii) oferece evidências relativas à queda histórica da lateral: da2 (de + art. fem.), regahengo (<lat. regalengo, ‘reguengo’).
Nas páginas que se seguem examinamos, em primeiro lugar, algumas peculiaridades grafémicas desta escritura cotejando-o com documentos (que temos por) romances anteriores, grosso modo, a ca. 1235. Em concreto, são os seguintes: Pacto entre Gomes Pais e Ramiro Pais ―cit. Pacto―, Carta da Benfeita, Notícia de haver, (as duas cópias do) Testamento de Afonso II, Notícia de torto e Manda de D. Fruilhe.
Além da invocação verbal, o escrito inclui algumas unidades de feição latina ou alatinada, como fuit2, hereditate, notuit, pernominata, Pelaio3, Petriz, Petro2, suo(s)2, que não comprometem o seu estatuto de documento em galego-português. Devemos lembrar que a própria Notícia de torto, tida consensualmente por texto românico, ademais de conter vocábulos representados com grafias que evocam traços latinos, também integra unidades que, do ponto de vista lexémico, morfémico e/ou fonémico, não são suscetíveis de serem consideradas galego-portuguesas.
Para a terminação da P6 do pretérito perfeito, o autor da Notícia de torto usou quase sistematicamente o sinal braquigráfico latino que abrevia a sequência -unt, cujo desenvolvimento editorial “estrito” revela, em mais de meia centena, resultados alatinados como comerunt, connocerunt, defructarunt, derunt, fecerunt, filiarunt, furunt, leuarunt, poderunt, prenderunt, quitarunt, venerunt, etc. incluem precisamente esse aspeto entre aqueles que revelam dependência do modelo latino: “a terminação das formas verbais da 3ª pessoa do plural do pretérito perfeito aparece grafada na esmagadora maioria dos casos com a abreviação da terminação latina <-runt>”. De facto, só terão fugido a essa regularidade três resultados: forun (l. 6), comerun (l. 43) e gacarun (l. 52).
Ora bem, o recurso adotado por Paio, autor material da Esquisa, leva-nos a modificar substancialmente a nossa perspetiva. Com efeito, ao lado de dois exemplos da P6 do pretérito (por extenso) em -um (estrengerum2), o escrito inclui as formas hacharum e pignorarum findas com o signo braquigráfico de tradição latina utilizado habitualmente, com esse mesmo valor, para a terminação do genitivo plural das declinações primeira, segunda e quinta (terrarum, seruorum, dierum).
Paio revelou, assim, uma consciência grafo-fonémica de grande acuidade ao eleger intencionalmente essa abreviatura para a terminação flexional galego-portuguesa correspondente -[ɾoŋ]. Ele reinterpreta e reinventa, assim, a tradição, ao passo que o autor da Notícia de torto se limitou a submeter-se a ela.
Ainda em relação à eventual sobrevivência de elementos latinizantes, é também de sublinhar a predominância esmagadora de unidades com configuração românica galego-portuguesa no campo da onomástica pessoal (prenomes, patronímicos, etc.): Martino, Orraca, Petro, Poupa, Rodrigo, Suero, Vermúú; Arias, Mamum, Monaco, Mouro, Moutas, Petriz, Sobrino, Suariz, etc. De facto, o único resultado alatinado seria Pelaio ―pela conservação da lateral intervocálica― mas devemos ter em conta que se trata, em todos os casos, de expansão da unidade braquigráfica tradicional {pla}. A situação da Esquisa repete-se globalmente nos textos do período, mas encontramos restos fossilizados da morfologia funcional latina em alguns vocábulos da Notícia de torto (Laurencius), da Notícia de haver (Fernandus, Petrus, Petri) e da Manda de D. Fruilhe (Iulianus, Martinus).
Como tem sido notado, na documentação galego-portuguesa mais antiga, as vogais /e/ e /o/ podem aparecer, respetivamente, representadas por <i> e <u> sem que isso seja reflexo obrigado de elevação articulatória. Os casos de <i> em lugar de <e> são, entre os dois, os menos significativos por serem maioritariamente miméticos a respeito do étimo latino. Esse facto explica a ocorrência, na Esquisa, da preposição in (cf. infra) e de <i> na forma verbal pignorarum (‘penhoraram’). O mesmo poderemos dizer do parti2 (<lat. partit) que encontramos na Carta da Benfeita ou do nome Iorgj na cópia do act do Testamento de Afonso II, com base no seu uso como hagiotopónimo (“Ecclesia Sancti Georgi”). A mesma motivação subjaz a outros muitos exemplos patentes na documentação do período.
Entre os termos relacionados com o exposto no parágrafo anterior, podemos isolar o caso da preposição “em”. Com exceção da unidade latinizante que integra a invocatio, na Esquisa só encontramos a forma galego-portuguesa: “En tempo de Rodrigo Suariz”, “en Freamil”. Pelo contrário, in não admite exceção, com dezanove ocorrências, na Notícia de torto. O conservadorismo que, neste aspeto, revela a Notícia é similar ao da Manda de D. Fruilhe e, só em parte, ao da Notícia de haver, mas não se repete no Pacto, no qual convivem equilibradamente ambos os resultados, nem no Testamento de Afonso II, em que só se regista en.
É de índole diferente o <i> do sufixo patronímico -iz, sistemático na Esquisa (Petriz, Rrorigiz, Suariz), por se tratar de formas reais com vogal /i/ na sílaba átona final, transformada posteriormente em /e/ (). A regularidade com que aparece no nosso texto coaduna-se com o que observamos no Pacto (Pelaiz, Martiniz, Soariz), na Carta da Benfeita (Fernandiz), na Notícia de haver (Gunsaluiz, Petriz, Rodrigiz, Suariz), na Notícia de torto (Fernandiz, Goncaluiz, Ramiriz, Suariz), na Manda de D. Fruilhe (Fernandiz, Gunzauiz, Petriz) e no conjunto da documentação da primeira metade do séc. xiii (cf. infra).
Quanto ao uso de <u> para /o/, é característica que só se reflete na vogal do mnp da P6 do pretérito perfeito (estrengerum2, hacharum, pignorarum) e no cognome Mamum, todos findos no mesmo segmento (tónico ou átono) -[oŋ], mas não em criasiom (‘criação’). A versão do Testamento de Afonso II custodiada no antt apresenta uma situação muito próxima da Esquisa, uma vez que o emprego de <u> (por <o>) fica praticamente limitado a essa terminação, mas (também) apenas quando essa letra já estava no étimo latino: cun2, forun, remaserun (vb. “remaer”, ‘permanecer’), sun2 (‘são’); a par de baron, don2, non14. Fora desse suposto concreto, ocorre em manus (‘mãos’) e em Portu3, o que ―se não se trata de sugestão latinizante― remete para a presença dessa grafia em posição átona final observada noutros textos, facto ao qual é alheia a Esquisa: poderoso, Martino, Mouro, regahengo, Rodrigo, Sobrino, soregano, tempo, uasalo.
Para o reflexo dos ditongos orais decrescentes, Paio emprega as soluções grafémicas que se virão a tornar exclusivas em galego-português: <ei> Sequeiroo; <eu> seu; <ou> Mouro, Moutas, Poupa. A representação por aquelas combinações gráficas, regular no Pacto ou na Carta da Benfeita, é também maioritária nas restantes escrituras, mas com outras alternativas: o uso de grafema vocálico simples ou a associação da vogal a uma letra consonântica: <ec>, <eg>, <oc>. Este último procedimento está presente com alguma frequência na Notícia de torto (becio, Figecrecdo, lecxasen, mandoc, octra2, rec2), mas só marginalmente na Manda de D. Fruilhe (lecto, malfegturia) e no Testamento de Afonso II. No caso do diploma régio, há diferenças entre a versão de Lisboa, em que isso acontece em quatro ocasiões para o ditongo [ej], como <ec> ou <eg>, em derecto2, entegramente2 e regno, e a cópia custodiada em Toledo, com um único exemplo: entegramente (vs. enteiramente).
Uma aparente exceção à regularidade na representação dos ditongos por parte do notator da Esquisa estaria constituída pelo antropónimo Suero (“Sueiro”), o que nos levaria a pensar num caso de vogal simples <e> para [ej] (cf. infra). A variante com ditongo surge, em ocorrências singulares, no Pacto e também na Notícia de haver, mas nesta última é minoritária ao lado de quatro registos de Suero. A presença do tipo Suero / Suer noutros documentos românicos do séc. xiii ―e ainda em textos latinos anteriores― assegura que se trata de uma forma real. Encontrá-la-emos, de novo, em D5.
A habilitação do sinal abreviativo geral como diacrítico para identificar a vogal nasal prévia a -n- latino caduco é uma inovação atestada pela primeira em 1243 na Doação de Gondiães ―D2 deste trabalho―, mas que só se veio a consolidar no último terço do séc. xiii. Com anterioridade, a marcação da nasalidade vocálica era feita por um <n>, normalmente intervocálico, ou não contava com uma marca explícita. Na Esquisa só deparamos com a primeira das soluções: Martino2, Sobrino, soregano; situação que se repete na Carta da Benfeita com uino e maioritariamente no Pacto em bono, ganar, homenem, irmano, Menendo. Neste último texto, a única exceção estaria constituída pelo termo engeoida.
O Testamento de Afonso II faculta exemplos de ambos os tipos, às vezes com opções divergentes em cada uma das cópias: [antt] alguus, asunar, dieiros, manus, nenguu, nouea, raina, una, uu, uinir; [ACT] alguno, asuar, dineiros, manos, nengúú, nona, reina, una, uno, uenir . O mesmo acontece na Notícia de Torto (irmano, fíídos, senara), na Notícia de haver (gaei [‘ganhei’], germano, Quintana, sobrino) ou também na Manda de D. Fruilhe (gaado2, lino, maenfesto [‘manifesto’], sauáás, una, uno). A presença de plicas sobre as vogais geminadas não constitui ―nem constituirá ao longo da Idade Média― uma marca de nasalidade, de facto ocorre com a mesma frequência em hiatos orais, como é o caso do antropónimo Vermúú na Esquisa.
De acordo com a hipótese mais plausível, o primitivo sistema consonântico galego-português contava com dois fonemas vozeados de articulação bilabial: um oclusivo /b/ e outro fricativo /β/, representados, respetivamente, por <b> e por <u/v>. Essa é a situação que se reflete de modo maioritário na documentação do período e na própria Esquisa: Baptista, Sobrino; Caraua, uasalo, Vermúú. A única exceção é, em parte, constituída (de novo) pela Notícia de torto, na qual encontramos uma série de formas em que, para a variante fricativa, a opção grafémica foi <f>, a par de outras, mais numerosas, nas quais se recorre a <u/v>: Feracin (top. ‘Varzim’), fezes, fice2, fíj́dos (‘vindos’), fíj́mento (‘vinda’), infiados (‘enviados’), Tefuosa (top. ‘Tebosa’), testifigo; auer, conuen, deuen, uencestes, etc.
Paio não estabelece contraste gráfico entre a fricativa apicoalveolar surda /s̺/ e a vozeada /z̺/, grafadas indistintamente por <s> em qualquer posição: aquesta, esquisa2, filios, poderoso, senior, seu, uasalo. O nosso texto concorda assim com o que é habitual na documentação da época, porquanto só observamos uma representação diferenciada, pelo recurso (quase sistemático) a <ss> em posição intervocálica para a variante surda, no Testamento de Afonso II (cousas, posermos, tesoureiro; essas, missa, vassalos). Salvo esta manda, a documentação em romance anterior a ca. 1235 desconhece em boa medida o <ss>, de facto este dígrafo só aparece em dois termos da Manda de D. Fruilhe: missas, Tirssi.
Até à definição e estabilização do uso do <ç>, o que ocorreu ao longo da segunda metade do séc. xiii, não podemos falar claramente de uma oposição gráfica nítida entre as africadas predorsodentais surda /t͡s/ e vozeada /d͡z/. É essa a situação que se reflete, com variações grafemáticas, na Carta da Benfeita (cabeca, cabeza, fazer, Padruzelus, puzal [‘poçal’]), na Notícia de haver (mozo, Palmazianos [top. ‘Palmazãos’]) ou na Notícia de torto (Bastuzio [top. ‘Bastuço’], conlazo [‘colaço’], fezes, Lourenzo, rezon, servical [‘serviçal’]). No Pacto, surge um contraste gráfico, parcial ―e talvez aparente―, pelo emprego de <z> para a sonora (fezer, plazo) e de <z> e <ci> para a surda (Gomeze, facio).
O autor da versão do Testamento de Afonso II conservada no act estabeleceu, de modo indubitável, uma distinção rigorosa entre ambos os fonemas, sendo a solução maioritária <ci>, em distribuição complementar com <c>, para a surda e <z> para a sonora: Alcobacia, comemoraciones, decima, folgancia, gracia, paz, receba, servicio; aduzer, dezima (‘dízima’), fazer, Galiza, treze. Essa sistematicidade só se vê alterada nas formas do presente do indicativo e do conjuntivo de “fazer” em que o esperável <ci> foi substituído por <c> (faca, facan7, faco), vindo a provocar, como noutros documentos, colisão com o valor de /k/. No caso da versão lisboeta, a distinção é muito menos nítida, sobretudo porque <z> foi utilizado igualmente para a surda: Alcobaza, comemorazones, faza, fazam7, seruizo, undezima. Também, de modo pontual, <c> e <ci> serviram para a vozeada: facer, Galicia.
Apesar do tamanho reduzido da Esquisa, podemos verificar que nela “surge” a distinção em foco. Com efeito, pelo recurso a <si>, para plasmar a africada predorsodental surda em criasiom (arc. “criaçom”), e a <z>, para a vozeada em duzerem, Paio consegue discriminar entre essas variantes, reinterpretando ―mais uma vez― a tradição latina. De resto, ele mantém o uso já consagrado de <z> para a posição final absoluta: iuiz (‘juiz’), Rrorigiz, Suariz.
No conjunto de escritos com que contextualizamos a Esquisa, a Manda de D. Fruilhe, além da prática similar à descrita para outros textos, apresenta a peculiaridade de usar o dígrafo <ch> para a africada predorsodental surda em chumacho (‘chumaço’), Gunchauiz (‘Gonçalves’), Manchelos (top. ‘Mancelos’), urachun (‘oração’). Este facto constitui uma importante evidência sobre o carácter africado ―ainda não fricativo― do fonema em questão.
Para a representação da africada ou fricativa palatal sonora (/d͡ʒ/ ou /ʒ/), Paio utiliza os grafemas <g> ou <i> de acordo com os princípios que sobrevivem até à atualidade: estrengerum2, iuiz. Um modelo similar é o que observamos no Pacto (aiudarmonos, coregelo, engeoida, seiades), na Carta da Benfeita (iugada) ou no Testamento de Afonso II do act (aia, beyio, ieitar, Iorgj, seia). Na versão do Testamento de Afonso II do antt surge outra opção alternativa ―similar à do italiano atual― que não contempla o uso <i/j> mas apenas o das variantes distributivas <g>+e/i e <gi>+a/o em função da vogal seguinte: agia, beigio, geitar, Gurge, segia. Esperaríamos o emprego do dígrafo também seguido de <u>, mas isso não acontece em Gurge, o único termo em que se produz esse facto, donde advém a colisão com o uso desse grafema para a oclusiva velar sonora. Na Notícia de torto, mais uma vez, registamos opções heterogéneas, algumas singulares: aguda (‘ajuda’), aiuda, beiso (‘beijou’?), iuizo, prison (arc. “prijom”).
Quanto à africada palatal surda /t͡ʃ/, fonema que só surge na forma hacharum (‘acharam’), Paio serve-se da grafia “inovadora” <ch> de utilização regular noutros textos do período como na Carta da Benfeita (Chamua, top. ‘Chama’), nas duas versões do Testamento de Afonso II (chus2) ou na Manda de D. Fruilhe (chumazu, colchas, garnacha, Sanchiz). Porém, o facto de esse dígrafo ser desconhecido, com esse valor, na tradição latina fez com que ocorram outras grafias alternativas, sendo relativamente frequentes aquelas que serviam para a africada palatal sonora (cf. supra). Isto traduz-se no emprego de <i> ou <g> que, por exemplo, registamos em Gamua2 (antrop. ‘Châmoa’) da Notícia de haver e em diversos itens lexicais da Notícia de torto: agou (‘achou’), gacarun (‘chagaram’), iagarunt, etc. (cf. infra). Por sua vez, a cópia toledana do Testamento opta por <ci> em Sancio (“Sancho”), dígrafo usado, nesse escrito, para a africada predorsodental surda.
Para a lateral /ʎ/ e a nasal /ɲ/ palatais, na Esquisa encontramos representações grafémicas paralelas caracterizadas, respetivamente, pela associação de <l> e de <n> à letra <i>: <li> filios, <ni> senior. A correlação com o modelo latino faz com que seja o uso mais bem documentado no período, tal como se evidencia no Pacto (filios, quinientos, taliado, tenia [‘tenha’], uenia [‘venha’]), na Notícia de haver (afiliados, Alvarelios [top. ‘Alvarelhos’], Ciuidadelia [top. ‘Cidadelha’], filios, lio(s) [‘lho’], milio) ou no Testamento de Afonso II (Idania, molier, tenia [‘tenha’], ualia [‘valha’]). Quanto ao vocábulo pignorarum da Esquisa, poderá ser testemunho do recurso a <gn> para a nasal, conhecido noutros textos também por sugestão etimológica (). O mesmo podemos afirmar sobre o termo ligno que encontramos na Manda de D. Fruilhe.
Em meu entender, a configuração scriptográfica da Esquisa, até aqui examinada, não se coaduna com a proposta de Martins segundo a qual teriam existido duas tradições de escrita romance em Portugal durante o período em análise: uma vinculada à Chancelaria régia, por isso assente apenas nas duas versões do Testamento de Afonso II, e outra constituída pelo conjunto de documentos particulares de procedência heterogénea. Para fundamentar a sua teoria, quer ver na Notícia de torto um modelo, oposto às cópias da manda régia, que se teria repetido noutros exemplares: “Muitos traços tidos por peculiaridades da Notícia de Torto reaparecem, no entanto, nos documentos que agora edito, mostrando que a Notícia de Torto não é um documento tão excepcional”. A nossa análise evidencia que, no tocante à representação do romance, a Esquisa ou o Pacto ficam tão longe das “peculiaridades” gráficas dessa Notícia quanto podem ficar as cópias do Testamento de Afonso II. É por isso que preferimos falar de uma única tradição ―ou até de subtradição dentro do conjunto ibérico centro-ocidental― com um grau relativamente alto de dispersão, expectável no contexto histórico em que se desenvolve.
Apesar da sua brevidade, a Esquisa integra algumas vozes, por vários motivos, singulares. Começaremos pelo termo que utilizamos para a denominar, esquisa (‘inquirição’), representado com duas ocorrências. Trata-se de um derivado do verbo exquiro que, com a forma exquisa (também exquisia ou esquisa), surge em documentos latinos desde meados do séc. xi. Na documentação em romance desaparece em finais do séc. xiii; a partir de então só registamos a variante formalmente inovadora pesquisa.
A referência ao ato de reconduzir a herdade de Friamil para a esfera do realengo faz-se pelo recurso a duzerem, P6 do infinitivo pessoal do verbo “duzer” (<lat. ducere, ‘conduzir’): “por duzerem sua hereditate a regahengo”. Descobrimos, de novo, uma variante arcaica e excecional, dado que o tipo “aduzer” já é praticamente sistemático na documentação medieval mais arcaica. Na lírica trovadoresca só comparece, sob a forma dusse (P3 do pretérito perfeito), na cantiga Fui eu, fremosa, fazer oraçon (B 738, V 320) de Afonso Lopes de Baião (ca. 1210-1282): “pois non vẽo nen o dusse Deus”. Também surge, com alguma frequência, na Demanda do Santo Graal: dusse, dusseres, dusserom, dussesse, dussessem, dussi, duxe, duxerom, duzem. Estamos perante uma cópia do séc. xv em que sobreviveram múltiplas marcas do estrato linguístico primitivo ducentista, entre as quais também deverá ser incluída a variante verbal em questão.
Como já vimos, o texto apresenta duas ocorrências da terceira pessoa do plural do pretérito perfeito de “estrenger”: “Estrengerum domna Orraca et suos filios por duzerem sua hereditate a regahengo”, “Estrengerum et pignorarum”. É verbo derivado do latino stringo (‘apertar, pressionar’) que, com o significado físico primário, registamos nas Cantigas de Santa Maria: “o dedo coller / na boqu’ e gemendo / e fort’ estrengendo / tod’ e desfazendo, / llo fezo perder” ().
Poupa Moutas, um dos indivíduos a que se atribui o exercício de pressão sobre D. Urraca e os filhos, aparece caracterizado como soregano: “Poupa Moutas, que era soregano da terra”. Este termo era desconhecido, até ao momento, na documentação em galego-português, mas contou com alguma presença em escrituras latinas. , quando fala na organização administrativa de Portugal, alude a essa figura como variante do mordomo-menor:
Por igual modo, do mordomo-mór, do maior, como abbreviadamente se dizia, estavam dependentes os mordomos menores, chamados da terra e das eiras, cujo ministerio fiscal às vezes se dividia por outros, como em algums districtos, os subrogados (subregani), os mordomos especiaes dos prestameiros e os mordomos da voz e coima das muletas judiciaes.
O vocábulo é utilizado, sob as variantes subreganus, subregao, suregao ou surreganus, em vários passos das Inquirições de Afonso II: “Petrus Petri, et Johannes Pelagii, et Don Dominicus sunt subregani de maiori maiordomo: Pelagius Petri, maiordomus maior” (). Trata-se, portanto, de uma espécie de mordomo investido nas funções de outrem, concretamente, neste caso, de um mordomo-mor de âmbito local ―não o da cúria― com funções fiscais. O termo já não ocorre nas Inquirições de 1258 propriamente ditas.
2.2. In aquele logual ei, de Gondiães
Não existem problemas para datar a doação pela qual Fernando Esteves entregou a Lourenço Eanes e à mulher, Maior Peres, o que lhe pertencia na quinta da Torre de Serrazim e no conjunto de Gondiães, freguesia do atual concelho de Vila Verde no distrito de Braga. O documento inclui a indicação do mês de outubro da era de 1281, o que corresponde ao ano de 1243, como espaço cronológico em que foi escrito por Afonso. Apesar de estar integrado no núcleo documental do mosteiro de Almoster (Almoster, Santarém), a escritura foi certamente lavrada naquela área do Baixo Minho português onde se situam os bens objeto de negócio. A presença desse diploma no cenóbio escalabitano, da qual se deduz que essas propriedades passaram à posse dessa instituição, está certamente relacionada com uma doação da fundadora do mesmo, Berengária Airas de Gosende. Por sua vez, esta última terá recebido essas posses do marido, Rui Garcia de Paiva; de facto, sabemos que este, o valido de Afonso III, contava com um paço em Gondiães.
D2
1243, outubro.
Fernando Estevães entrega a Lourenço Eanes e á mulher, Maior Peres, o que possui na quinta da Torre de Serrazim e em Gondiães (Vila Verde).
Jn Dej nomine. Notum sit omnjbus hominjbus tam pressentibus quam futuris quod ego, Fernando Stefanj, facio karta et per[p]etue firmitudinis tibi, Lourencio Iohannis, et vxorj tue, Maior Petri, dou uobis et <obtorgo> quanta mea hereditate habeo in a quintáá qui uocatur “da Tore de Zarazym” et in Gondiaes, de montibus et in fontibus, et in rumpis et in po’_romper, quanto ego, Ferna[n]do Stefanj, in_a|quele logual ej, de Gondiães, que de suso uem dicto, asi in dereito que ego ej ibi d’ auer tudo dou tibi, Lourencio Iohannis, et vxorj, Maior Petri. Sillicet: como ego, Fernando Stefanj, tibi, Lourencio Iohannis, et vxorj tue, Maior Petri, obtogu_si todos aqueles feitos que uos ibj fecerdes, asi in casas, come in uiñas, come in pumares come in iantados. Et obtorgo que todo uostro feito, que de suso uem dito, se[n]pe seia staue. Que uobis, Lourencio Iohannis, et vxor tue, Maior Petri, que de suso uíj́des dictos, ego, Fernando Stefanj, obtorgo aqillo que uos mandardes facer. Et se ego, Fernando Stefanj, quiser facer inno meum quinom algũa cousa, facero in gvisa que a uos, Lourencio Iohannis, et uostra moller, Maior Petri, nom faca peiar, et senpe aquelle feito que uos, Lourencio Iohannis, et uostra moller, Maior Petri, fecerdes senpe ste in saluo. Et se ego, Fernando Stefanj, uẽer ob algem da mea parte que iste feito qera pasar, que de suso uem dicto, contra tibi, Lourencio Iohannis, et contra vxor tua, Maior Petri, et contra quer que uostra uos fiquem, tanto in duplo componnat, et peite tibi, Lourencio Iohannis, ob vxor tua, Maior Petri, ob a quem derdes uostra uocem, peitemli mil morauedis; esta herdade(de) que de suso uem dita seia dubada et quanto fuerit mellorata. Feita karta mensíj́ obtobj, sub era MªCCª.LXXXI. Petrus, ts. Ioham, ts. Pelagjus, ts. Alfonsus qui notuit.
Podemos dizer que nos encontramos perante um exemplar até certo ponto excecional, do ponto de vista diplomático, no conjunto de textos romances portugueses anteriores a 1256. Com efeito, trata-se do primeiro documento em galego-português de natureza indubitavelmente dispositiva. Isto confirma-se, por exemplo, pela presença do escatocolo propriamente dito em que, como vimos, se inclui a data e a subscrição do autor material do texto, elementos de que carece a maior parte da produção citada. Não é de excluir que a sua existência, como texto em romance, seja fruto de uma sugestão “externa”, provavelmente galega. Gondiães situa-se apenas a 15 km do Lima, curso fluvial que na altura constituía a fronteira entre as dioceses de Tui e de Braga. Lembremos que o uso escrito do romance na Galiza se ativara, sem claras limitações jurídicas ou diplomáticas, a partir de 1231, na sequência da anexão ao reino de Castela produzida no ano anterior.
Quanto aos indicadores scriptolinguísticos que nos permitem ponderar o seu grau de romanceamento, cumpre notar que inclui 43 (84%) formas verbais não identificáveis como latinas: auer, derdes, dito5 (e var.), dou2, dubada (‘dobrada’), ej2 (‘hei’), faca (‘faça’), facer3, fecerdes2, feita, fiquem, mandardes, mellorata, obtorgo4 (e var.) (‘outorgo’), pasar, peiar (‘pejar’), peite, peitem, qera (‘queira’), quer, quiser, romper, seia2, ste (‘esteja’), uẽer (‘vier’), uem4, uíj́des (‘vindes’). Outras oito apresentam uma configuração alatinada: componnat, facio, fuerit, habeo, notuit, notum, sit, uocatur. Os traços latinizantes, como seria de esperar, concentram-se naqueles segmentos que mais se deviam conformar a formulas preestabelecidas, pelo contrário, no corpo do documento, nomeadamente na dispositio e na sanctio, predomina largamente um modelo de scripta romance autónoma ().
Do ponto de vista scriptográfico, registamos diversos traços arcaizantes de natureza similar àqueles que, a propósito da Esquisa, observamos na alínea prévia em documentos anteriores a ca. 1235, mas que sobreviverão na maior parte do séc. xiii. Entre outros, salientamos: (i) representação do ditongo [ow] pelo recurso frequente ao dígrafo <ob>, a par de <ou>: dou2, obtorgo4 (e var.), ob2 (‘ou’), obtobi (‘outubro’), ou, outras; (ii) ausência de oposição gráfica entre surda e vozeada no âmbito das africadas predorsodentais e no das fricativas apicoalveolares: faca, fecerdes, Lourencio, Zarrazym (top. ‘Serrazim’); casas, pasar; (iii) ou uso de <i> para a africada palatal surda /t͡ʃ/: iantados (‘chantados’) (cf. supra). Quanto a uos (‘voz’), supõe uma falta de contraste gráfico entre a fricativa apicoalveolar e a africada/fricativa predorsodental na única ocorrência deste último fonema em posição final num termo romance, talvez indício do processo evolutivo que transformou a africada em fricativa.
Para a representação da lateral palatal serve-se de <ll> em mellorata e moller 2, dígrafo que também é usado para a lateral alveolar intervocálica (aquelle, aqillo). No caso da nasal, recorre a <n> em quinom ou a <ñ> na palavra “vinhas”, que poderia ser transcrita como uĩnas, uinnas ou, a que adotamos, uiñas.
O topónimo Zarrazym contém duas peculiaridades que não se repetem no texto: o emprego de <z> para /t͡s/ (cf. supra) e a ocorrência de <y>. Este último grafema conta com uma representação diminuta na documentação portuguesa anterior a ca. 1250, mas virá a ser largamente utilizado a partir da segunda metade do século, sobretudo, como segundo elemento numa sequência de duas vogais (cf. infra).
O texto incorpora uma notável inovação no que se refere à marcação da nasalidade vocálica (cf. supra). Com efeito, além da ausência de qualquer indicador grafémico em Gondiaes, quintáá ou uíídes, Afonso recorre, com essa função, ao traço supralinear ―similar àquele que utiliza como marca de abreviação ou para consoante nasal em coda silábica― nos termos algũa, Gondiães e uẽer:
Trata-se dos primeiros exemplos de um uso que se virá a espalhar ao longo da segunda metade do séc. xiii por todo o espaço galego-português. Os mais antigos registos, até agora conhecidos, situavam-se em escrituras de origem lucense de 1247 e 1253 (). No reino de Portugal, só o conseguíamos atestar a partir de 1257 ().
3. Documentos da segunda metade do séc. xiii
Na terceira parte deste trabalho, incluímos três diplomas pertencentes à fase de expansão do código românico autónomo, o que se verifica durante a segunda metade do séc. xiii. Nela, o (galego-)português começa a penetrar, sem solução de continuidade, (também) nas tipologias de natureza dispositiva. Ao mesmo tempo, o modelo de scripta, progressivamente deslatinizada, torna-se mais transparente a respeito da oralidade e ganha também em estabilidade, contudo, muito flutuável em função do centro produtor.
3.1. Unde podiades uos mercar ben
Pensamos que o relatório económico endereçado a Rui Garcia de Paiva poderá ser o mais antigo desses três. O escrito carece de data, mas a perspetiva biográfica que se desenha no próprio texto para Rui Garcia, falecido em 1276, junto com as características gráficas e materiais, levam-nos a propor como localização temporal aproximada a década de sessenta do séc. xiii, o que traduzimos na indicação “ca. 1265”.
A ausência da cláusula cronológica, bem como dos outros elementos que outorgam validade a uma escritura pública, explica-se pela sua espécie não-diplomática: uma missiva privada com informações de interesse patrimonial para Rui Garcia elaborada por dois dos seus vassalos, os irmãos Miguel Peres e André Peres de Viariz (). Embora não exista constância explícita, supomos que cada um deles foi autor, nessa ordem, de um dos textos que ocupam, respetivamente, o reto (D3A) e o verso (D3B) do pergaminho, tratando-se, portanto, de um opistógrafo.
D3
Sem data (ca. 1265) ― Miguel Peres e André Peres.
Relatório sobre rendimentos endereçado a Rui Garcia de Paiva pelo seu clérigo, Miguel Peres de Viariz (Baião), e pelo seu “homem”, André Peres, sobre propriedades em Vila Meã (Amarante?) e nas Açoreiras (Peso da Régua).
D3A
Ao mujto unrado senor e sages dom Ruy Garcia de Pauia. Eu Micahel Petri de Veariz, uoso clerico, é_éu Andre Petri, uoso homẽ, comendamonos áá uosa (grac) grazia, como a senor unde auemos ben e merzéé e atendemos á_áuer. Sabiades que nos uimos uosa carta, que fosemos primeiro dia de janeiro na uosa quintáá de Villa Mediana e nas Azoreiras cum Fernam Reymondo, caualeiro que séé casado cum dona Giralda, moller que foy de Domingos Iohanes, que foy homẽ del rey, e que soubesemos bem e fielmente per homéés da terra e zertos que erdada auia hi dona Giralda, subredicta, cum seu marido, Fernam Reymundo, ou que bodia render cada ano, e que soubesemos unde podiades uos mercar ben. E nos fomos ao dia e nom ueo Fernam Reymundo, e ueo poys a tercer dia, e fomos hi cum ele e achamos que á dona Giralda cum seu marido, Fernam Reymundo, e cum úú fillo, que a de Domingos Iohanes, que am nas Azoreiras Iª quairela e II quintas doutra. E feze ende Domingos Iohanes, quando era uiuo, II casaes, e rendem cada ano al rey IIIes modios e I quarteiro pela quarta e pela <talega> de Fontes, e o pam em quartado, e rendem quinom de uno bragal e de uno morabedi e de uno sesteiro de nozes e de uno sesteiro de (nozes e) pam e de IIIIor afusaes de lino, e de IIIIor galinas e de XX ouos, e uno <...> seruizo no ano ao ric’homẽ. E quem fezer omezio peitar ende o medio, e nom entra hi maiordomo nem sayom. E rendem esses dous casaes, ao senor da erdade, quarta parte de pam aroto e quinta do que aromperem, e tercia de lino, e medio de vino, e cada casal III soldos de pedida, e I bragal de VIII uaras, e II capones, e XV ouos, e I spadua, e I cabrito e I talega de tritico, e d’ ejradiga I quarteiro de pam e I puzal de uino. Item, achamos en Uila Mediana úú casal que rende de cabedal VI talegas de pane, e III soldos de pedida, e I bragal de VII uaras, e II capoes, e XV ouos, e I spadua, e I pata ao ric’omẽ e I sesteiro de pam secundo. E disto de Vila Mediana, dizem que a ende á ecclesia de Sedéélos a quarta parte e outra quarta fillos de Martin Mouro. Unde dize ú caualeyro ca disto nom sabe rem, maes sabiase á uerdade e aja cada úú u seu dereyto. Item, á hy úú molino, unde á dona Giralda cum seu fillo, da medietate, una tercia, e da outra medietate, do úú quarto, us dous quinioes. E quando leuam us outros sennos quarteiros, leua dona Giralda VI talegas. Item, do que leua dona Giralda, do seu quinom das Azoreiras, deue ende a seruir al rey todo ú seu dereyto. Vnde, senor, a todo isto auede uos consello áá erdade, ca nos nom podemos dar prezo quanto ual, ca nos semella pequena renda. E nos nom auemos seelo, e por se nom tornar en douida, poemos esta carta sú_ú sinal do tabaliom del rey, que foy presente en testemonio.
D3B
Item, sabbades: pagada á renda de el rey dos IIos casaes das Azureyras, podedes inde ben auer in saluo, cada I ááno, VII morabedis uedros, in saluo. E podedes y auer muytas maladias é muytas incomendas e outra herdade <.quela aueredes per aquela. É uostra> herdade podedes hermar e pobrar cada ááno. Item, do casal de Uila Meyáá: rende, cada aano, XXVª soldos e Iº dieyro e leua ende Sedéélos o quarto. É sabede muy ben que é muy bóó logar. Item, sabbades dos casááes de Ueriz que uos rende, cada ááno, XI e /tercio/ morabedis, as derecturas soos antre uos e Martin Laurenzo. E uos sabbede (l) se os auedes cada ááno. É uos sabbede que nunca os uossos (uosso) homéés de Uéériz tan mal foron treytos in tempo de uossa madre como ora son do uosso homẽ Iohan Martiniz. Item, vos credatis iste uosso homẽ Laurenzo do que uos disser, de mea parte <...>, que my fazen.
Os textos em questão mostram diversos aspetos arcaizantes, nomeadamente o primeiro (D3A), que se destaca no grau de latinidade de alguns vocábulos: clerico, ecclesia, medietate2, medio2, Micahel, modios, molino, pane, tritico, Villa Mediana3 (top. ‘Vila Meã’), etc. Em D3B, que apresenta a versão romance do topónimo anterior (Vila Meyáá), surge credatis (‘creiais’) e, em modo abreviado, o possessivo mea.
No primeiro dos escritos observamos o uso de <u> para /o/, sobretudo quando esta vogal é seguida de consoante nasal em coda (cum7, puzal [‘poçal’], Reymundo3 ―a par de Reymondo― subredicta, unde4, unrado) e para o artigo masculino u(s)6, mas do5 (prep. + art.). Com exceção do topónimo Azureyras, formas similares não se registam em D3B, no qual, em troca, encontramos <i> para /e/ em in3, incomendas, inde e iste, talvez por inércia latinizante. Essa mesma motivação explicará o uso ocasional de <ec> para [ej] em derecturas. A marcação da nasalidade vocálica faz-se pelo recurso tradicional a <-n-> ou sem sinal específico: capones, galinas, lino2, una, uno5, uino2; bóó, capoes, homéés, Meyáá, quintáá, úú5 (‘um’), ueo (‘veio’). Essa última possibilidade ―ausência de marca― é exclusiva de D3B.
Não detetamos oposição gráfica entre surda e vozeada para as africadas/fricaticas predorsodentais, visto ter-se recorrido sistematicamente a <z>/<zi> em Azoreiras/Azureiras (top. ‘Açoreiras’), fezer, grazia, Laurenzo, merzéé, nozes, prezo, puzal, zertos. No caso das fricativas apicoalveolares, existe uma nítida diferença entre a falta de contraste observável em D3A (afusaes, casado; fosemos, uosa3, uoso2) e a regularidade com que o registamos em D3B (casal, casaes; disser, uosso[s]3).
A lateral palatal é representada sistematicamente por <ll>: consello, fillo(s)3, moller, semella. O reflexo gráfico da nasal palatal conta com três variantes <n>, <ni> e <nn>: senor4, quinom2; quinioes, testemonio; sennos. A situação descrita corresponde a D3A, pois o texto copiado no verso não integra vocábulos contendo qualquer desses fonemas.
Noutro nível de análise, cumpre sublinhar a presença em ambos os escritos, como traço inovador, de diversos termos contendo <y> (cf. supra). No primeiro, é o procedimento maioritário, mas não exclusivo, para representar a vogal /i/ precedida doutro grafema vocálico prévio: Azoreiras3, caualeiro, caualeyro, dereyto2, ejradega, foy3, maiordomo, peitar, poys, quarteiros, rey4, Reymondo / Reymundo4, Ruy, sayom. Também alterna, de modo minoritário, com <i> para o pronome adverbial: hy, hi3. Essa tendência torna-se sistemática e expansiva em D3B, onde já não encontramos <i> nessas situações: Azureyras, Meyáá, muy2, muytas2, my, treytos, y.
Um aspeto digno de nota deriva da natureza deste texto, próximo do género epistolar, portanto, em parte alheio à expressão formulaica própria do discurso diplomático. Surgem pormenores fraseológicos ou itens lexicais infrequentes na documentação instrumental, como as expressões “auede uos consello áá erdade”, “fosemos [...] na uosa quintáá”, “fomos ao dia”, “séé casado”, “tornar en douida”, ou termos como treyto, sages, etc. Também podemos assinalar a variação linguística existente entre ambos os textos, não apenas do ponto de vista grafemático. Assim, por exemplo, o contraste que se reflete no presente de conjuntivo entre formas em que a semivogal permanece depois do /b/ e outras analógicas dos verbos regulares (): sabiades (D3A), sabbades (D3B).
3.2. Maestro da Orden da Cauallaria de Sanctiago
O protagonismo de Rui Garcia de Paiva não se esgota nos textos anteriores. O seu nome surge, de novo, num ato documental de 1268 pelo qual estabelecia uma série de acordos económicos com a Ordem de Santiago, representada pelo mestre da mesma, Paio Peres Correia. O documento em questão foi lavrado em Almada, localização que se prende à presença na área da referida instituição desde o último quartel do séc. xii. Com efeito, em 1186, os santiaguistas receberam de D. Sancho I as vilas de Alcácer, Palmela, Almada e Arruda em recompensa pela participação dessa milícia na recuperação cristã da região (). Na altura em que se elabora o diploma, a sede conventual da Ordem já se situava na vila alentejana de Mértola ―tal como se reflete em alusão ao comendador-mor―, após ter sediado em Palmela e em Alcácer-do-Sal.
D4
1268, janeiro, 20 ― Almada.
Contrato económico entre a Ordem de Santiago e Rui Garcia de Paiva, em que se contempla a entrega de uma quantia económica e o usufruto de propriedades em Torres Vedras e em Orta Lagoa (Santarém).
Conoçuda cousa seia a quantos esta carta uiren cõmo nos, don Pay Perez, por|la graça de Deus, maestro da Orden da Cauallaria de Sanctiago, con outorgamento de don Johan Reimondo, comendador mayor de Mertolla, et do comuento desse lugar et de nosso cabidóó geeral, asignamos a uos do[n] Roy Garcia de Pauya doçentas et sesaenta libras en cada_un anno, perlo nosso relego d’ Almadáá, et damos uos o herdamento que auemos en Torres Uedras et en seu termho, que foy de don Suero Paez et de dona Steueya, sa moller, et de dona Maria Gomez, que o teñades de nos et de nosa orden, por en todos uossos dias, por mujta aiuda que nos et nosa orden recebemos de uos et receberemos mais adeante, quando mester nos for. Et sse perla uentura auéér que nos uos demos Orta Lagoa desenbargadamente et a uos receberdes, as sobreditas doçentas et sesaenta libras et o herdamento que de nos téédes en Torres ficar a_nos et a_nosa orden liure, et quite et sin outro enbargo ninhúú, et dardes nos esta carta que de nos téédes, et nos darmos uos outra de outorgamento de Orta Lagoa. Et se, perla uentura, aueesse que o erdamento de dona Sancha <Martinz>, que a en Torres et en seu termho, ficasse a nossa orden et que uos|lo dessemos desenbargadamente, sacado ende a Moreira, reçeberdes lo uos do[n] Roy Garcia, o sobredito, et teerdes lo por en uossos dias con este outro herdamento sobredito que uos damos en Torres, et leixardes as sobreditas doçentas et sesaenta libras, que uos posemos no noso relego sobredito, que as non demandedes uos nin outre por uos. Outrosj mandamos que, depos uosa morte, fique todo esto que uos damos a nos et a nosa orden, liuremente et sin outro enbargo ninhúú, con quanto ben et con quanto acrescentamento uos y fezerdes et mandardes fazer. Et por este nosso feito fosse firme et stauil et non ueesse en douida, mandamos en esta nosa carta poer nossos seellos, que touessedes de nos. Feita en Almadáá, uernes, XX dias andados de janeiro, era mill et CCC et VI annos.
No referente à representação de vogais e ditongos orais, o documento desconhece qualquer dos traços arcaizantes que, em maior ou menor medida, observávamos nos exemplares anteriores. O <i> que encontramos na terminação do adjetivo stauil não entra nessa categoria pois reflete a pronúncia real da vogal palatal alta com origem semierudita no latim -bĭlem. A passagem para -v/e/l, favorecida talvez pelo contacto com a lateral alveolar em coda, já se documenta na primeira metade do séc. xiii, mas será um processo demorado que só se completará no séc. xv (). Pelo contrário, o escrito inclui outre, resultado que, na altura, convive com “outri”. Apesar de remontar a um vocábulo latino em -ī (altĕrī), o tipo em -e já é predominante na documentação do período (). Noutros casos, a presença de <e> decorre, muito provavelmente, de influxo castelhano (cf. infra), dado que as formas com <i> surgem de modo consistente na documentação portuguesa. Referimo-nos, em concreto, ao vocábulo orden e aos patronímicos em -ez: Paez, Perez ―a par do esperável Gomez.
O texto do contrato económico dos santiaguistas com Rui Garcia não se afasta das práticas scriptográficas “tradicionais” na ausência de lineta ou de qualquer outro procedimento como marcação grafémica da nasalidade vocálica: auéér, geeral, húú, poer, Steueya, téédes, ueesse, etc.
O emprego de <ç>, em data relativamente precoce, junto com o recurso ao tradicional <z>, permitiu ao anónimo autor do texto discriminar regularmente a africada/fricativa predorsodental surda da vozeada: conoçuda, graça, receberedes; fazer, fezerdes, etc. Isso não acontece, com a mesma regularidade, para as fricativas apicoalveolares, pois a surda é transcrita por grafema simples em mais de um terço das ocorrências em posição intervocálica: asignamos, aueesse, desse, dessemos, ficasse, fosse, nosa5, nossa, noso, nosso(s)4, outrosj, sesenta3, touessedes, ueesse, uosa, uossos2, etc. No caso da sonora, o uso de <-s-> é sistemático: cousa, desenbargadamente, posemos.
Uma notável novidade deste diploma é a utilização de <h> para representar a semivogal palatal, como primeiro elemento de ditongo crescente, antecedida da nasal bilabial nas duas ocorrências de termho. A sequência de <mh> é frequente na documentação portuguesa do último quartel do séc. xiii e da primeira metade do séc. xiv. Essa associação gráfica, paralela à de <uh/vh> e <bh>, fora interpretada como efeito analógico da implantação dos dígrafos <lh> e <nh>. No entanto, como se evidencia neste e noutros documentos do período, o uso de <mh> surge amiúde em exemplares que desconhecem esses dígrafos, como acontece, de facto, com esta escritura (moller, teñades). Não se confirma, assim, o carácter secundário da sequência <mh> a respeito das associações gráficas anteriores, constituindo um importante argumento para a reconhecermos como prática grafemática de origem autóctone; consideração extensível a <lh> e <nh>. Retomaremos este tópico ao tratar do último texto analisado neste trabalho.
O uso vacilante de <y> que observávamos em D3A repete-se em condições similares: foy, mais, mayor, Moreira, muita, Pauya, Pay, Reimondo, Steueya, y (cf. infra).
Aquilo que claramente individualiza este texto é a presença de um conjunto de traços que decorrem do provável cruzamento com uma tradição de escrita não (galego-)portuguesa vinculada ao castelhano (ou leonês), que se reflete, a diversos níveis, em termos como doçentas, maestro, nin, orden, Perez, sin, touessedes, uernes; em vez dos esperados: “duzentas” (ou “dozentas”), “meestre”, “nen”, “ordin”, “Periz”, “sen”, “tevessedes”, “sexta-feira”. As raízes castelhano-leonesas da Ordem de Santiago, instituição emissora do diploma, e a sua implantação transnacional explicam a presença desses elementos, o que logo nos remete para exemplos similares já conhecidos.
3.3. Eu, Gil Uicente, publico tabellion del rey en Coimbra
O diploma mais moderno dos examinados neste trabalho, procedente do núcleo documental da Sé de Coimbra, contém a doação feita pelo cónego Pedro Viegas a favor da instituição a que ele próprio pertencia. O documento foi lavrado no dia 6 de setembro do ano 1270 por mão de Gil Vicente, “publico tabellion del rey en Coimbra”. Além desta carta ―a que nos referimos como 1270B― e de duas escrituras latinas de 1273 e 1275, conhecemos outros seis exemplares em galego-português escritos por esse notário nos anos de 1269, 1270 (= 1270A), 1271, 1279, 1283 (= 1283A e 1283B), dos quais os dois mais antigos já foram incluídos em .
Pelos três exemplares situados entre 1269 e 1270 (1269, 1270A, 1270B), Gil Vicente passa a ser um dos notários mais bem representados antes de 1271, sendo ultrapassado unicamente por Pedro Gonçalves, notário de Celorico de Basto, com quatro documentos. No entanto, o facto de dois dos exemplares lavrados por este último serem apenas conhecidos através de transcrições publicadas por faz com que o tabelião conimbricense venha a ocupar o primeiro lugar no que se refere a originais conservados. Considerando a representatividade para o biénio 1269-1270, os diplomas devidos a Gil Vicente supõem 11%, percentagem que sobe para 14% se só contemplarmos as versões originais, pois nessa situação só se encontram 21 documentos.
D5
1270, setembro, 6 ― Gil Vicente, notário do rei em Coimbra.
Doação feita por Pedro Viegas ao Cabido da Sé de Coimbra de vinhas, lagar, casas e pomar no Campo de Coimbra.
Conoscam todos aqueles que esta carta uiren que eu, Pedro Uẽ́égas, cóónigo de Coimbra, nembrando me de muyto ben e de muyta mercéé que recebj dos cóónigos dessa méésma egreía, dou e mando aos cóónígos dessa méésma egreía aquelas mĩas viñas que ey no canpo de Coimbra, en ribeyra do río de Mondego, con aquel lagar que eu hy fiz de nouo, e con seu pomar, e con sas casas e con todos aqueles dereytos que pertẽ́écen a essas viñas, e a essas casas, e a esse lagar e a esse pomar. E entrego logo os cóónigos dessa egreia dessas possissões per meu capelo, do qual enuesto ende logo, en logo de possisson, don Johan Uicente arcediagóó e vigayro de Coimbra, en nome desses cóónigos. E esta dõaçon e esta manda faço a esses cóónigos, que eles seian tẽudos a fazer aniuerssario por mĩa alma, poys que eu deste mundo sayr, cada ãno en tal dia come aquele que eu sayr deste mundo. E façan cantar en aquel día hũa missa por mĩa alma e uáán con procisson sobre meu muymento, assi como costume e. E esses cóónigos, deste día adeante, por senpre aiam e possuyan essas viñas de suso nomeadas con seu lagar, e con sas casas, e con seu pomar, assi como sobredito é, e collam e receban delas o fructo pera si. E non aíam poder de as dar, nen de as uender, nen de as enpenorar, nen de as emplazar por outras, nen nas possan allẽar en nẽhũa guisa, mays mantenanas senpre o mellor que poderen en seu bṍó estado. E se as quiseren dar a algṹú homẽ, en sa uida, que as laure e que de por elas renda sabuda, metanas a almoeda e aquel que mays por elas prometer tena essas viñas por essa renda e seía tal homẽ que laure ben essas viñas, e pare ben o logar e pague ben a rrenda. E se os cóónigos fezeren contra esto, Nostro Senor Iheso Christo llilo demande por min. E se, per uentura, algṹú de meu linagen ou estrãyo quiser uĩ́ír contra esta mĩa dõaçon e contra esta mĩa manda, non lj ualla ren, mays polo prouar solamente peyte aos cóónigos dous mil morauidís por pẽa ou a aquel a que eles deren sa uoz, é en todas guisas este meu feyto ualla e fique firme por senpre. E reteno por|a mĩ todalas outras mĩas possissões, que possa delas fazer meu plazer e toda mĩa uóóntade. E mando que os sobreditos cóónigos seian tẽudos a dar, e den cada ãno, en día de Natal, do fructo dessas viñas que_lis dey, tres libras aa egreía de San Saluador de Coimbra por herdade que min deu o priol e os clerigos dessa Egreía, en que fiz hũa peça dessas viñas. E que esto seía mays firme e mays estauel e que non possa de|poys uĩ́ír en duuida, eu, sobredito Pedro Uẽ́égas fíz ende fazer esta carta per mão de Gil Uicente, publico tabellion del rey en Coimbra, a qual ende tenan os sobreditos cóónigos en testemõyo desta cousa. E eu, Gil Uicente, publico tabellion del rey en Coimbra, a estança do sobredito Pedro Uẽ́égas, enton en todas estas cousas presente fui e a rogo del esta carta ende con mĩa mão propria scriuj e este meu sinal ẽ́éla pusj en testemõyo desta cousa. Esto foy feyto sabado de manháá, sex dias andados de setembro, no cabidóó da Séé sobredita, era Mª CCCª VIIIª. Que presentes foron: don Gonçalo Gonçaluiz, chantre; don Johan Uicente, arcediagóó e vigayro; don Pedro Martĩ́íz, maestrescola; Martin Uẽ́égas, arcediago en Riba de Vouga; Gonçalo Meendiz e outros cóónigos de Coimbra; Gonçalo Gonçaluiz, raçõeyro de Santiago de Coimbra; Afonso Meendiz, priol da egreía de Lauãos; Martin Dominguiz, clerigo do sobredito chantre; Pedro Meendiz, clerigo do choro da sobredita Séé. testemõyas.
Item, sabuda cousa seía que en presença de mjn, sobredito tabellion, e das testemõyas iuso scritas, Gonçalo Meendiz, cóónigo sobredito, lééu en nota a sobredita carta ante Pedro Uẽ́égas, sobredito, no choro da sobredita Séé. E essa nota leuda, eu, sobredito tabellion, preguntey o sobredito Pedro Uẽegas e dissilj se mandaua e outorgaua assi en_como era contẽudo ẽ́éssa nota e se o fazía de seu plazer ou se era ben en seu poder e en seu acordo pera fazelo. E esse Pedro Uẽ́égas enton disse que era, e que mandaua e outorgaua todo assi como sobredito e, e que me rogaua que fezesse ende esta carta e que a desse é entregasse aos sobreditos cóónigos. E eu enton, de seu mandado e de seu rogo, esta carta ende con mĩa mão propria scriuj, e dey e entreguey ela aos sobreditos cóónigos. Que presentes foron: don Johan Uicente, arcediagóó e vigayro; don Johan Gonçaluiz; Gonçalo Meendiz; maestre Johane: cóónigos. Domingos Fernandiz, raçõeyro da sobredita Séé; Domingos Meendiz, priol da egreía de San Bertolameu de Coimbra; Pay Martĩ́íz, raçõeyro dessa méésma egreía; Martin Meendiz, priol da egreía do Aluorge: testemõyas.
Estamos perante um dos escritos instrumentais do período que mostra maior grau de clareza e estabilização grafémica na representação do romance, em coerência com o que é característico do conjunto de cartas lavradas pelo seu autor material. No que se refere à integração de elementos latinizantes, apenas se poderia atribuir esse rótulo a fructo2 e sex, que mais parecem formas de influxo gráfico erudito ―sobretudo o primeiro dos vocábulos― registadas durante toda a Idade Média.
Como já acontecia com o documento D4, não se observam casos de hesitação gráfica no âmbito do vocalismo. A ocorrência de <i> em unidades que posteriormente o substituíram por <e> reflete a presença real do fonema vocálico palatal alto. É assim que devemos interpretar dissi (‘[eu] disse’), pusj (‘[eu] pus’); li(s) / llilo; Fernandiz, Gonçaluiz, etc. Trata-se de resultados ―terminação da P1 dos pretéritos fortes, clítico dativo e sufixo patronímico (cf. supra)― em que o fonema vocálico /i/, enquanto átono final, se virá a fundir com /e/. Pelo contrário, esta regra evolutiva aparece concluída na conjunção se6 (<lat. sī), utilizada de modo constante por Gil Vicente, o que condiz com o ocaso do arcaico si na primeira metade do séc. xiii. No que se refere à, já contemplada, alternância entre [e] e [i] no operador sufixal -vel, o texto em questão apresenta a variante inovadora com [e] estauel. É interessante notar que se trata da única opção utilizada por Gil Vicente na restante produção conhecida dele: perdurauel (1269, 1271), mouel2 (1271).
De natureza diferente é a ocorrência desse grafema vocálico em cóónigo(s)16 e scriui 2. A primeira constitui a variante semierudita mais frequente, no período, para o atual “cónego”. Quanto à forma verbal, reflete a elevação por influxo da vogal tónica /i/, habitual desde a Idade Média ().
Para a marcação grafémica da nasalidade vocálica, o notário de Coimbra serve-se do traço supralinear: allẽar, dõaçon, estrãyo, hũa, mão, mĩas, pẽa, possissões, raçõeyro, testemõyo, tẽudos, uĩ́ír, etc. Salvo no caso de manháá, em que falta provavelmente por lapso, a omissão da lineta em termos que continham um -n- em origem, desaparecido em galego-português, poderá ser indício de denasalamento: almoeda, arcediagóó / arcediago, cóónigo, muymento e nomeadas.
Gil Vicente demonstra uma notável perícia para refletir, com sistematicidade, a oposição de vozeamento no que diz respeito às africadas/fricativas predorsodentais e às fricativas apicoalveolares, mas não se fica por aí. De modo também regular, no caso das primeiras, pratica a distribuição complementar de <c> ou <ç> em função da vogal que se segue: faço, mercéé, peça, procisson, raçõeyro, recebj; emplazar, fazer, fazia; assi, disse, esses, missa, possisson; casas, cousas, guisa, presente, pusj, etc.
A lateral palatal é grafada por <ll>, ao passo que para a lateral alveolar usa <l>: allẽar, collan, llilo (arc. “lhe-lo” [= lhes + o]), mellor, ualla; aqueles, todalas. A essa sistematicidade só foge o recurso etimologizante ao dígrafo no termo tabellion (<lat. tabellione). A alternância que observamos no texto entre li(s) e llilo reflete, muito provavelmente, uma variação real na articulação da líquida inicial, explicável na deriva evolutiva do pronome de dativo (ci), que ainda hoje se manifesta em diversos espaços da oralidade galego-portuguesa (“le” / “lhe”).
A situação gráfica da nasal palatal é, em parte, mais complexa e revela algumas novidades. O fonema em questão aparece maioritariamente representado pelo grafema que também se utiliza para a nasal alveolar: conoscam, enpenorar, linagen, mantenan, reteno, tenan. No entanto, nas sete ocorrências da palavra “vinhas” (viñas), além do <n>, observamos a presença do traço supralinear a encimar a sequência <in>, o que permitiria editá-la como viñas, vĩnas ou vinnas. O aspeto mais salientável é a presença de <nh>, embora limitado à ocorrência única do vocábulo manháá. Trata-se de uma das mais recuadas comparências dos dígrafos <lh> e <nh>, cujos mais antigos testemunhos podem ser situados ca. 1263-1269. Com efeito, este texto de Gil Vicente encontra-se entre as posições quarta e sétima no elenco dos primeiros escritos contendo as associações gráficas em questão.
Como dissemos, em referência ao uso de <mh> em D4, tudo leva a pensar numa criação autóctone, como com muita acuidade já percebera, em meados do séc. xix, : “De plus, les Portugais ont non-seulement lh et nh, mais aussi mh, qui manque en provençal; cela montre bien, ce me semble, que la combinaison de l’ aspirée h avec les liquides l, m, n, est chez eux originale”. Contudo, até tempos recentes, a tese da origem occitana foi aceite, por inércia, sem contestação. A partir do exame das práticas que caracterizam a documentação portuguesa em romance mais recuada, eu próprio comecei a pôr em causa, já nos primeiros anos deste século, esse alegado influxo alóctone, valorizando, entre outros aspetos, a criação das combinações <bh>, <mh> e <vh>. Nesses mesmos estudos, descrevíamos sumariamente o panorama dos primeiros testemunhos, só agora, em parte, modificado pela localização do escrito de Gil Vicente. Este interessante aspeto scriptográfico foi explorado posteriormente por num trabalho de síntese cuja conclusão necessária supõe uma “interpretação poligenética” para explicar o uso dos dígrafos em Portugal e na tradição provençal, sem necessidade de recorrer a uma relação de dependência. O uso dos grafemas compostos, que passará a individualizar a escrita do nosso idioma, ter-se-á espalhado ao longo do último quartel do séc. xiii e primeiro do séc. xiv ao conjunto de Portugal e, em parte, ao sudoeste da Galiza. Trata-se, portanto, de uma tendência inversa àquela que observamos noutros aspetos grafémicos em que se verifica uma progressiva convergência com o modelo castelhano.
A análise comparativa dos vários exemplares produzidos, em romance, por Gil Vicente, apresentada em gráfico anexo, permite-nos observar a evolução pessoal deste inovador notário relativamente a este aspeto. No documento de 1269, o mais recuado, os fonemas de articulação palatal não contam com grafemas diferentes dos simples utilizados para /l/ e /n/, de facto <ll> surge de forma isolada no vocábulo tabellion, termo que Gil Vicente plasmou sistematicamente com esse molde gráfico (cf. supra), o que também acontece no topónimo Cellas (1283A, 1283B). Encontrá-lo-emos ainda noutros vocábulos: bacellos (1283A), capellam (1283B), Penella (1270A), villa (1283B). Nos documentos lavrados entre 1270 e 1271, o uso de <ll> passa a identificar a palatal lateral de modo estável, mas isso não tem paralelo no que acontece para a nasal palatal. Neste caso, a situação dominante continua a ser, nesse período, a falta de oposição gráfica a respeito da nasal alveolar pelo recurso indiscriminado a <n>. Como foi exposto, em 1270B, a diferenciação surge apenas nos termos manháá e viñas. A presença de <nh> nessa escritura constitui o prenúncio daquilo com que deparamos nas cartas de 1279 e 1283A. É nelas sistemática a adoção de <lh> e <nh> para os fonemas de articulação palatal, criando uma oposição gráfica nítida com os alveolares correspondentes. Essa regularidade só será retomada em 1283B no caso da lateral (conselho), porquanto a nasal é grafada com <n> nos dois termos que a continham: conoscan e senor2.
No tocante ao uso de <y>, ele aparece como segundo elemento de sequências vocálicas que, na maior parte dos casos, constituem ditongos ou hiatos (<ay>, <ãy>, <ey>, <oy>, <õy>, <uy>): dereytos, dey, estrãyo, ey, feyto, foy, mays, muyto, peyte, possuyan, poys, preguntey, raçõeyro, rey, ribeyra, sayr, testemõyo, vigayro. Está ainda presente na única ocorrência do pronome adverbial hy. Naquela situação gráfica, apenas falta em fui, P1 do pretérito perfeito do verbo “ser”, e no total das nove ocorrências do topónimo Coimbra. Na restante produção do notário, encontramos essa letra em contextos parcialmente diversos (Avoym, dayam, Juyães [1279]), também como vogal nasal (moỹos [1283A]), mas volta a ser omitida em fui (1270A) e nas dezanove menções da cidade do Mondego. Trata-se de uma interessante evidência relativa à difusão lexical do <y> que remete para a sobrevivência de uma conceção (ainda) logográfica da escrita.
4. Conclusão
Apesar de reunidas por uma motivação circunstancial, as escrituras publicadas e examinadas neste artigo permitem, em essência, reconhecer os modos e os tempos que levaram à constituição, no âmbito da documentação instrumental portuguesa, de uma tradição discursiva jurídica em romance, quer do ponto de vista diplomático, quer na configuração do seu veículo scriptolinguístico. A Esquisa representa aquela primeira fase, até ca. 1245-1255, em que a documentação dispositiva se mostra refratária ao romanceamento, surgindo apenas textos classificáveis como “escritos em português” no caso de práticas comunicativas não sujeitas (necessariamente) aos formulários em latino-romance. Essa limitação diplomática, ultrapassada precocemente na Doação de Gondiães, desaparece paulatinamente na segunda metade do século, altura em que encontramos documentos tipicamente dispositivos, como as compra-vendas, em galego-português. Os três diplomas situáveis nesse período cronológico refletem essa fase expansiva, nomeadamente os produzidos em 1268 e 1270. O Relatório económico lavrado para Rui Garcia de Paiva constitui um exemplo singular de penetração do romance num campo praticamente desconhecido para a dimensão em análise.
Relativamente à elaboração do código escrito, observamos um processo de autonomização a respeito do tradicional latino, com o qual os três primeiros ainda mantêm uma variável relação de heteronomia. Essa independência vai-se traduzir num padrão de scripta mais transparente e isomorfo na representação da língua falada, que, como modelo padrão para o conjunto da Idade Média, aparece quase colmatado na Doação que lavra Gil Vicente em 1270. Quanto ao contrato económico entre o conselheiro régio e a Ordem de Santiago, ele coloca-nos ante uma questão de notável interesse nas duas vertentes abordadas: a de até que ponto o exemplo do castelhano orientou a habilitação diplomática plena do português como língua escrita e foi modelo para a reconfiguração do sistema gráfico que observamos na segunda metade do século.
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Notas
[*] O título provém da directio com que começa o documento D3A. O trabalho contou com o apoio dos projetos PTDC/LLTEGL/30984/2017 (PT) e PID2019-108910GB-C22 (ES). Quero expressar a minha gratidão àqueles que, com a sua ajuda ou sugestões, contribuíram para a elaboração deste artigo. Em concreto, desejo citar os nomes de Aida Sampaio Lemos, Ivo Castro, João Paulo Martins Ferreira, Leontina Ventura, Maria Ana Ramos, Maria José de Azevedo Santos e Ricardo Pichel.
[1] Tal recolha pretendeu ser (tendencialmente) exaustiva no caso dos escritos que temos por romances, mas com duas balizas cronológicas: 1270 para a produção portuguesa e 1260 para a galega. Aquela fase de exploração sistemática dos fundos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo “concluiu-se” em 2005, sendo os resultados divulgados em diversos trabalhos e, como dissemos, na coletânea citada. Algumas imprecisões na organização de vários fundos, hoje em boa medida ultrapassadas, impossibilitaram durante algum tempo a localização dos diplomas agora editados.
[2] O núcleo documental do mosteiro de S. Simão da Junqueira no antt (m. 6, nº 31) integra um testamento sem data que situam, de modo impreciso, na “primeira metade do século xiii” e qualificam como “documento proto-português inédito”. Essa manda é transcrita e comentada no segundo apêndice deste trabalho.
[3] A nossa análise envolve tópicos concretos tratados em estudos prévios da nossa responsabilidade (Souto Cabo , , , , , , , ) e, com maior ou menor incidência, em contributos doutros investigadores (Cintra , ; Maia , ; ; ; Martins , , ; Emiliano , ; ; ; Carvalho , ; ; ). Porém, com o intuito de evitar prolixas referências bibliográficas, só faremos menção pontual àquelas que julgarmos imprescindíveis. Por outro lado, fica fora das nossas pretensões o confronto com outras tradições escribais não galego-portuguesas. Não podemos deixar de salientar, contudo, o interesse das recentes investigações de Marcet Rodríguez (, , ) ou de , respetivamente, para o leonês e para o castelhano da chancelaria. Lembremos, finalmente, o contributo “clássico” de , fundamental para muitas das questões examinadas.
[4] De entre as quais, o destaque vai para a ocorrência da vogal oral palatal alta em posição átona final (/i/). Em concreto, a partir dos resultados presentes nos documentos em análise (exemplificados entre parênteses), considera-se a sua presença (ou alternância com /e/) nos seguintes contextos: o sufixo patronímico -ez (Fernandiz, Gonçaluiz, Perez, Suariz), o sufixo -vel (staue, stauil, estauel), a P1 dos pretéritos fortes (dissi, pusj), os clíticos de dativo (lli), a conjunção condicional “se” (se vs. “si”), o substantivo “ordem” (orden vs. “ordim”) e o pronome (arc.) “outre” (outre vs. “outri”).
[5] De modo a que as diferentes secções deste trabalho não constituíssem compartimentos estanques, utilizámos com frequência as notas de rodapé como meio de estabelecer conexões entre os textos editados, sem que isso resulte na desvirtuação da especificidade de cada um deles.
[6] Manteve-se nẽhũa de D5, pois não podemos excluir que a lineta sobre o <e> seja marca de vogal nasal, atendendo às propriedades gráficas desse escrito, o que não acontece em D4.
[7] Como se sabe, sobrevivem dúvidas a respeito da evolução do lat. homine(m) e de como interpretar as variantes (gráficas) medievais. Leia-se e .
[8] O texto foi, pela primeira vez, apresentado publicamente em 27 de novembro de 2020 no V Seminário Internacional. História e Língua: Interfaces organizado pela Universidade de Évora.
[9] É uma forma derivada do genitivo do antropónimo germânico Fredamirus ([villa] Fredamiri> Freamir> Freamil> Friamil).
[10] Constitui, assim, um valioso testemunho relativo à existência ocasional de inquirições alguns decénios antes de se ter tornado, a partir do reinado de Afonso II, prática sistemática por parte da monarquia. A mais antiga inquirição conhecida foi promovida pelos condes Henrique e Teresa em 1127 (). A obra Inquirir na Idade Média, editada por , contém informação atualizada sobre o tema.
[11] Embora de natureza diversa, podemos aproximar dela a Renembrancia da enquisa (ca. 1251-1258), o documento mais antigo do conjunto conhecido como Tombo das vinhas de Ribadávia (Arquivo da Catedral de Ourense), reeditado recentemente por . Apesar de ter como objetivo bens situados na vila do Ávia, estamos perante um texto, sem dúvida, leonês. É, portanto, confuso o (hesitante) posicionamento da editora () quando o chega a qualificar como “galego”. Veja-se .
[12] Supomos que em “suo uasalo” e “seu de criasiom” os possessivos estabelecem uma relação de “posse” a respeito de dona Urraca.
[13] O suporte é constituído por uma tira de pergaminho irregular e encurvada (43,3/43 cm x 3,3/3 cm), talvez apara de material utilizado para elaborar um códice (). É similar ao da Nómina de Pedro Viegas (antt, Most. de Pendorada, m. 12, nº 3; ).
[14] antt, Most. de Arouca, gav. 6, m. 2, nº 34 [1291]. Na escritura pela qual a abadessa de Arouca autoriza essa permuta, o conjunto de casais é identificado como “erdade que est em terra de Pavha na freyguesia de Santa Maria de Rial” (antt, Most. de Arouca, gav. 6, m. 1, nº 16). Nas Inquirições de 1258, citam-se aqueles dois casais e um terreno na margem do rio Sardoura: “De Freamil. Gunsalvus Pelagii juratus et interrogatus dixit, quod in villa de Freamil habet Dominus Rex duo casalia regalenga [...]. Et addit, quod Dominus Rex habet in termino Freamil unam pezam de regalengo in ripa de Sardoyra” ().
[16] De acordo com esse escrito, Paio Soares de Paiva (1171-1177) tinha propriedades em Sobrado (Castelo de Paiva), Sardoura (Castelo de Paiva) e Manhuncelos (Marco de Canaveses), portanto, no mesmo quadro geográfico em que se encontra Friamil. Entre os credores, surge Múnio Viegas da linhagem dos Ortigosa (“Monio Venegas de Ortigosa”), cujo solar ―Ortigosa (Travanca, Cinfães)― dista apenas 6,5 km de Friamil. Pelo conteúdo de um documento de 1146 (antt, Most. de Rio Tinto, m. 2, nº 10; ), sabemos que Soeiro Pais Mouro, pai de Paio Soares, tinha dado à mulher (Urraca Mendes) posses “in terra de Pavia” situadas em Gondim (Sobrado, Castelo de Paiva), Gião (Sobrado, Castelo de Paiva), Rial (Castelo de Paiva), etc.
[18] “Ego Pelagius Rial et uxor mea Elvira Petris [...] facimus kartam venditionis de hereditate nostra propria, scilicet de quanta que abemus in loco predicto in Leirea” (antt, Most. de Pendorada, m. 12, nº 7 e nº 9). , s. v. Leiria) refere a existência de um povoado com essa denominação no Marco de Canaveses ―portanto, no mesmo concelho em que se encontra a instituição monástica―, talvez identificável com a atual rua de Leiria.
[20] Ela libertou-o dessa condição em 1164. Veja-se , s. v. carta) e . O escrito regista diversos topónimos dessa mesma zona, como Bairros (Castelo de Paiva), Ortigosa (Travanca, Cinfães), Quintã (Fornelos, Cinfães), Guimbra (Moimenta, Cinfães), Ervilhais (Nespereira, Cinfães).
[21] antt, Most. de Arouca, gav. 3, m. 9, nº 8. Pela riqueza lexical e toponímica, estamos perante uma das notícias-relação mais interessantes daquelas que se conhecem.
[22] Dado que no testamento de Urraca Viegas, ordenado em outubro de 1199 (), não se especifica o seu património ―só o modo como deverá ser dividido―, supomos que esse elenco lhe terá antecedido. A essa mesma conclusão conduz uma escritura de 1199 (antt, Most. de Pedroso, m. 4, nº 34) em que Urraca vende um casal em Pindelo nele citado.
[23] A área situa-se no sul do concelho de Penafiel e é limítrofe com o município de Castelo de Paiva.
[24] Apesar das dúvidas que poderia levantar a ausência do apelido toponímico (Sequeiroo), isso não parece motivo suficiente para renuir o reconhecimento proposto. Menos segura é a identificação com o homónimo que, em 1195, testemunha a compra-venda de uma herdade em Mesão Frio (Valpedre, Penafiel) (antt, Most. de Pendorada, m. 12, nº 27). As Inquirições de 1258 conservam a memória de um Paio Mouro que tinha morado em Vila Boa (Tendais, Cinfães): “Pelagius Maurus villanus morabatur in ipso loco, et vendidit ipsum locum Martino Menendi patri illorum militum” ().
[26] identifica, para esse encargo, as denominações (latinas) de “potestas, princeps, dominus terre, ricus homo ou tenens”.
[27] Não conhecemos tenentes privativos para essa terra entre 1146 e 1241 (). Embora limitada à área de Arouca, veja-se a aproximação à história da administração territorial oferecida por . A integração da área no território de Lamego aparece de modo recorrente ().
[28] No escrito de Pedro Viegas (cf. supra) é citado o seu colaço, cujo nome, de leitura problemática, foi interpretado como “Vermud’ Usoriz”, mas não podemos descartar, antes pelo contrário, que se trate de “Vermudu So[a]riz” de Riba Douro. Ora, se Teresa Afonso era proprietária de Pedro Viegas também o teria sido da mãe, escrava moura que terá amamentado Bermudo Soares (neto de D. Teresa), daí o tratamento de “colaço” que recebe.
[29] O obituário de Salzedas () arrola um “Dom Vermundo”, que supomos Bermudo Soares de Riba Douro, falecido nessa data (“Era 1229. 8º. Calend. Julij”). refere-se a ele, talvez por lapso, como “falecido até 1198”. O seu nome é seguido pelos dos irmãos Rodrigo e Urraca Soares (cf. infra). D. Teresa Afonso foi a fundadora do mosteiro de Salzedas (Viseu).
[30] aponta a existência de um Rodrigo Soares como tenente de Gouveia (1194) e da Guarda (1196) que, no segundo dos casos, é apelidado “de Valadares”.
[32] O exercício do cargo de tenente por parte de uma pessoa concreta era amiúde intermitente e podia ficar limitado a períodos muito curtos. O carácter lacunar dos dados que, a esse respeito, lemos nas fontes históricas, aliado às circunstâncias anteriores, faz com que não seja fácil preencher com um nome os períodos de silêncio documental; isto mesmo quando, aparentemente, poderíamos deduzir continuidade no cargo.
[33] Lembremos que, até ao terceiro quartel do séc. xii, o termo “vassalo” designava apenas “indivíduos pertencentes à clientela armada de reis ou nobres e a eles ligados por compromissos de fidelidade pessoal” segundo lembra a partir de H. Grassoti.
[34] considera que morreu em 1218, com base na informação indireta que temos sobre a documentação do (desaparecido) Livro das doações de Salzeda. Porém, numa bula de 1211 (), o papa Inocêncio III, a propósito dos bens da infanta Mafalda, fala de “hereditates quas ei nobilis mulier Urraca Egee nomine, que nutrivit eandem et adoptavit in filiam, hereditario sibi jure concessit, sicut ea juste ec pacifice possidet”, do qual se poderia deduzir que Urraca Viegas já falecera nessa altura. De facto, o último diploma original em que ela é mencionada data de 1201 ().
[35] A participação de Paio Mouro na Esquisa depõe a favor da identificação com Urraca Viegas, já que um indivíduo desse nome poderá ter sido arrendatário de D. Urraca (cf. supra).
[36] nota a apetência “pelo controle de um considerável número de mosteiros ―Paço de Sousa, Tuías, Vila Boa do Bispo, Pendorada, Arouca, Cárquere, Tarouca, e Salzedas―, estrategicamente situados junto aos afluentes do Douro, tanto na margem Norte como na margem Sul [...]. A sua localização acaba por nos dar uma imagem da área geográfica de implantação dos de Riba Douro”. Veja-se também a descrição das propriedades de diferentes membros da linhagem feita por Mattoso (; ).
[37] Ela foi “a mais benemérita doadora da sua época, cumulando a congregação com numerosos e avultados bens do seu património” ().
[38] “coram Egas Moniz et coniuge sua domna Tarasia in uilla Cresconii asistentes” (), “ante presentiam Egee Moniiz et uxoris eius domne Tarasie [...] in uilla Cresconii” ().
[39] As propriedades nessa área ainda se estendiam, em direção nordeste, por Cidadelhe, Painçais (Cinfães, Cinfães) e Souto (Nogueira, Cinfães). Veja-se e . A última localização surge na Notícia acima citada: “In Píídelo: casal de Quintana”.
[41] Mordomo-mor de D. Teresa (1112) e tenente de Vermoim (1128-1146), Penafiel de Bastuço e Refoios de Riba de Ave (1146).
[42] Veja-se e , que situa os últimos registos em “1180 ou 1182”. Ele foi mordomo-mor entre 1169 e 1172. O facto de D. Urraca não aparecer como mulher desse último nem ter ostentado o título de condessa induz a considerar uma provável anulação do enlace por motivos de consanguinidade. A mãe do marido, Teresa Mendes de Riba Douro, era prima-irmã de D. Urraca, enquanto filha de Mem Moniz, um irmão de Egas Moniz.
[43] Pelo conteúdo do seu testamento (), sabemos que Fruilhe Rodrigues de Pereira possuía uma herdade em Friamil (“Mando a Fernan Gunchaviz hereditate que habeo in Freamir”). Ora, D. Fruilhe esteve relacionada familiarmente com Urraca Viegas por duas vias. Por um lado, Rui Gonçalves, pai de D. Fruilhe, foi enteado de D. Urraca, enquanto filho de Gonçalo Rodrigues de Pereira e da sua primeira mulher, Fruilhe Afonso de Cela Nova. Por outro, esta última foi prima de Vasco Sanches de Cela Nova, o segundo marido de D. Urraca. Qualquer destes vínculos poderia constituir uma via para explicar a coincidência espacial com a herdade que (ilicitamente?) possuía Urraca Viegas.
[44] De acordo com o conteúdo de duas doações de D. Urraca ao mosteiro de Salzedas, Gonçalo e Fernando faleceram, respetivamente, em 1185 e 1198 (. Num documento de 1224, encontramos um Pedro Fernandes que se declara filho de Fernando Álvares, neto de D. Gonçalo Gonçalves e bisneto de D. Gonçalo Rodrigues ().
[45] Para além de várias filhas de identidade desconhecida, ela teve outro filho, Gonçalo Vasques, falecido ―talvez junto com o irmão― na batalha de Ervas Tenras (1198?). No seu testamento, D. Urraca cita unicamente as filhas de Rodrigo Vasques: “filiabus filii mei domni Roderici Valasquiz” ().
[46] O envolvimento dos sobrinhos de D. Urraca poderá ser o reflexo de algum tipo de conflito de interesses no seio da própria linhagem, circunstância que subjaz à existência de outros textos, como o Pacto entre Gomes Pais e Ramiro Pais ou a Notícia de Torto.
[47] D. Elvira contava, entre outras, com propriedades nas freguesias de Canelas, Sebolido e Eja no concelho de Penafiel, portanto, numa área contígua ao município de Castelo de Paiva ().
[48] Sobre ele e o seu grupo familiar, leia-se Mattoso (, , ), ou Ferreira (; ). São várias as formas que adota o sobrenome nas Inquirições: Jaguum, Jaimi, Jaimim, Jami, etc. ().
[49] Veja-se . Relativamente à tenência de Valença (ou Froião), só sabemos que ela foi exercida em data e período indeterminados do reinado de Sancho I (1185-1211) com base num dado contido em Inq. 365: “[...] del rey Don Sancho I [...] et en aquel tempo tenia a terra don Martinus Petri, filo de Petro Pelaiz alferaz”. Supomos que, com lapso no segundo numeral, talvez tenha sido isso o que tencionava indicar quando aponta o período de “[1185-1215]”. Esse dado foi, por sua vez, objeto de interpretação imprecisa por , que lhe atribui a função de tenente desde 1185.
[50] Contudo, ele mantinha o cargo de tenente de Tui em 1188 (). A sua presença nessa região galega, cuja tenência exerce (ao menos) desde 1180, é relacionada com o seu cunhado Gonçalo Pais de Toronho, marido de Ximena Pais da Maia.
[51] Segundo os Livros de Linhagens, uma filha de Martim Peres, Guiomar Martins, foi freira no mosteiro de Arouca: “outra filha houve nome dona Guimar Martins, que foi monja de Arouca” ().
[53] A documentação associada a pesquisas de diverso tipo foi especialmente permeável ao romance (; Pichel Gotérrez , ; ).
[54] Leia-se . Seguimos este último trabalho para todas as questões envolvidas na identificação dos primeiros escritos em galego-português.
[55] Para não haver confusão com a marca das notas de rodapé, o número de ocorrências de uma determinada forma será indicado por numeral subscrito.
[56] Para evitarmos uma excessiva heterogeneidade na configuração das unidades linguísticas consideradas, são reproduzidas consoante os critérios de edição aqui utilizados. Salvo que venha justificado pela natureza do aspeto em apreço, o levantamento de exemplos dos textos complementares não será necessariamente exaustivo.
[57] Utilizamos as siglas act e antt para identificar, respetivamente, o Arquivo da Catedral de Toledo e, como dissemos, o Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
[58] Apresentamo-los por ordem cronológica. Em meu entender, não justifica com argumentos concludentes a pretensão de antecipar a data da Notícia para “ante 1206”.
[59] Também recorreremos, de modo ocasional, à Partição de Mor Martins e Durão Martins (ca. 1234-1244), à Manda de Margarida Garcia e a outros documentos do segundo terço do séc. xiii. Entre as edições de todos ou parte dos escritos citados, podemos citar as que se incluem em , , , , Martins (, , ), , ou Souto Cabo (, , , ).
[60] Trata-se de vocábulos como abate3, bona, carualio, cecar (‘cegar’), Coina3 (top. ‘Cunha’), cun15, filia, filios5, fructu2, ille(s)9, in19, inde7, ista2, iste(s)2, Laurenco, Laurenzo, multas, multo, noticia (“nodiza” arc.), Petro, plecto ‘preito’, testifigo, una, unde7, uno, uices (‘vezes’), etc.
[61] Entre elas, encontramos as seguintes: alia5 (‘outra’), casales3, die (‘dia’), fice (‘vez’), hic3 (‘aqui’), ille (‘lhe’), ilo (‘el’ art.), illos5 (‘eles’), ipso (‘esse’), isto (‘este’), Laurencius, mater, pane (‘pão’), pater3, Pelagio2, plus, quale(s)4, suo(s)4, super5, uice5 (‘vez’), etc. Estamos perante “formas gráficas latinas anisomórficas relativamente às formas fonémicas portuguesas” (). De acordo com os usos gráficos da Notícia, não parece que plus possa representar o arc. “chus” (‘mais’); notemos, de facto, a ocorrência de maes nesse mesmo texto. A integração de alguns termos num ou noutro grupo pode, portanto, colocar dúvidas.
[62] Com independência dessa realidade, tem-se oscilado, em edições interpretativas, na representação desse elemento com maior ou menor grau de alatinamento. A identificação da Esquisa parece ser um motivo para optar pela transcrição como -unt e não por -un/-um (cf. infra).
[64] Como demonstram os usos gráficos do período (cf. infra), não há motivos para pensar que, na altura, as vogais seguidas de consoante nasal em coda fossem fonemas nasais (Souto Cabo ; ). Coincidimos parcialmente, neste ponto, com a interpretação de .
[66] No referente aos patronímicos, a Notícia de fiadores ―texto que não temos por escrito em romance― contrasta, de modo muito significativo, com a situação dos documentos em questão por conter maioritariamente o sufixo em -ici (Anriquici2, Menendici, Moniici, Suarici2), mas apenas um com a terminação romanceada em -iz (Pelaiz). Trata-se de “um traço de alatinamento importante” ().
[67] Salvo que para isso exista uma motivação concreta, nesta e nas secções posteriores, só se tomam em consideração aquelas palavras que possam ser etiquetadas, do ponto de vista scriptolinguístico, como galego-portuguesas. A consideração geral de um texto como “escrito em romance” não converte todas as unidades nele contidas em formas românicas, como se pode deduzir das análises levadas a efeito por alguns investigadores.
[68] Este procedimento baseia-se nas práticas de lecto-escritura latino-romance, bem como em casos em que o estatuto e circunstância da vogal puderam induzir a elevação articulatória. Veja-se, entre outros, Souto Cabo (; ).
[69] O resultado difindemento do exemplar de Lisboa, se não contém lapso(s) por troca gráfica, explica-se por processos de assimilação e dissimilação.
[70] O único escrito dos situáveis na primeira metade (ou em meados) do séc. xiii em que se regista com profusão é a Manda de Margarida Garcia. No caso da documentação galega, essa prática surge também de modo recorrente em cartas do segundo terço do séc. xiii (). Trata-se, contudo, de exemplos da natureza diversa, pois neles não se descobre necessariamente móbil etimográfico.
[72] Na Carta da Benfeita, essa preposição surge, como in, apenas na invocação, o que dificulta o confronto com os textos restantes.
[73] Isso mesmo podemos postular relativamente aos clíticos de dativo (ci) mi, li(s) do Testamento de Afonso II, li da Notícia de haver e da Manda de D. Fruilhe e si (‘se’) que encontramos no Pacto e na Carta da Benfeita. Esta última também inclui o resultado me. Na Notícia de torto, além de si, em contexto infrequente em galego-português ―comeruntsilo, também comeruntso, comeruntsa ()―, produz-se a alternância, aliás sistemática, entre li33 e o plural les4. Observamos uma situação similar no tocante à conjunção condicional si, que surge no Pacto e no manuscrito do antt do Testamento de Afonso II, e ainda à terminação -vil (mouil[s]) e à forma ordin registadas nas duas cópias desse Testamento. Veja-se o que será dito a respeito de D2, D4 e D5.
[74] “La terminación -iz es, con mucho, la más empleada de todas en los siglos ix y x [...] el paso de -iz a -ez es normal en español en sílaba final átona, por lo que resulta evidente el paso del sufijo -iz [...] a -ez” (). Sobre esse operador sufixal, leia-se a síntese de . Como se sabe, o nome Gomez que, com variantes, encontramos no Pacto (Gomenze / Gomeze) e na Notícia de torto (Gomez), tem origem, função e percurso evolutivo diversos ―de facto foi também nome próprio― (; ).
[75] No manuscrito do act notamos diferenças em sentidos opostos. Assim, ao passo que acrescenta novos vocábulos com <u>: nun6 (‘não’) ―vs. non8―, susu10 (<lat. sursum) (exclusiva), u(s)11 (art. e pron.) ―vs. o(s)39―, aquela letra é substituída por <o> em foron, manos e Porto3. Cumpre notar que as formas u(s) se concentram apenas em seis linhas (num total de trinta e sete) e são agrupáveis em três sequências da parte central do documento: (i) 121, 135; (ii) 191, 212; (iii) 281, 301. Isto coloca alguns obstáculos para pensar que a variação gráfica <o>/<u> possa vir determinada foneticamente, como fora sugerido por Martins (, ). Por conseguinte, só é possível constatar que o uso de <-u>, em susu e u(s), está sujeito a fatores lexicais (e locativos), o que vem ao encontro da oportuna observação que fazia sobre as sibilantes: “parece haver um vínculo entre cada solução gráfica e certos vocábulos, o que sugere uma aprendizagem logográfica da escrita por unidades lexicais”.
[76] Entre os documentos do período, a Carta da Benfeita e a Manda de D. Fruilhe são aqueles que contêm um número mais significativo de exemplos, não apenas nessa posição: Bilidu, cumu, du, Padruzelus (top. ‘Parrozelos’), Redundu, seixu; almuzala (“almoçala”, ‘almocela’), chumazu, cuiru (arc. “coiro”), cuzudra (“côçodra”, ‘côcedra’), Fernandu, Furnelos, Gunzauiz, Ramiru, Ribeiru, Sueiru, u (art. ‘o’), urachun (cf. infra). Pelo contrário, no Pacto, só aparece como vogal final de duas das quatro ocorrências do antropónimo Ramiru e para o ditongo [oj] na variante mormuiral (a par de mormoiral). De modo similar ao que acontecia no caso de <i>, a Manda de Margarida Garcia apresenta, quase sem exceção, <u> em qualquer posição (curpu, Furnelus, gafus, leisu, maridu, pudirusu, tudu, etc.).
[77] O <u> final de Vermúú (<Vermuo <beremūdu) reflete atração da átona final pela tónica, por isso, é uma forma real em /-u/, com evolução similar à de nūdu> nuu> nu.
[78] Note-se que, no caso do possessivo, estamos perante um ditongo com vogal aberta ([ɛw]). Como vimos, também conhece a variante alatinada suo(s)2.
[79] Como foi indicado, não tomamos em consideração fuit e notuit por serem interpretáveis apenas como formas latinas.
[81] É especialmente frequente na Notícia de torto: beiso (‘beijou’?), getarunt (vb. arc. “jeitar”), lexaren; desunro (‘desonrou’), fio (‘fiou’), mando (‘mandou’), otra(s)4, otro(s)3, oue6 (‘houve’), etc. Na Notícia de haver aparece exclusivamente em pexotas (‘peixotas’), o que sugere absorção da semivogal pela fricativa palatal surda. Estes dois últimos textos também utilizam <au> em nomes com esse ditongo em latim: Mauro (Notícia de haver), Laurecdo, Laurenzo (Notícia de torto), etc.
[82] Na Notícia de aver registamos a alternância -eo / -eu para a terminação da P3 do pretérito perfeito dos verbos da CII: meteo2, uendeo, uendeu ―mas pron. poss. seu.
[83] A interpretação como “bênção” ―e não como “beijo”―, proposta por , confronta-se com a falta de uma sílaba (arc. “bẽeçom” / “bẽeiçom”) e, pelo menos, com a omissão da nasal final.
[84] Também surge <uc> para [uj] em fructu2. Pelas mesmas motivações etimográficas, é representado como <ul> em multas2, multo.
[86] Contém também a forma beio (‘beijo’) ―a par de beyio― em que, se não é lapso, o <i> parece reunir o valor da semivogal e da fricativa palatal.
[87] Veja-se , s. v. Soeiro) e os dados do cgpa sobre Suero e Suer. Além dos citados, encontramos Suero ―também Sueiro― na Partição de Mor Martins e Durão Martins (ca. 1235-1244) e Suer num documento de 1267 copiado no Livro de João de Portel (). As mesmas variantes surgem em escrituras galegas (). Na documentação latina dos sécs. xi-xiii registamos Suer, Suerus e Suero ().
[89] Não podemos excluir que, nalguns casos, o <n> já esteja a representar uma nasal palatal. Esta observação é válida para todos aqueles termos, tratados neste artigo, em que um /i/ nasalado desenvolveu essa consoante (), v. g. uinu > vĩo> vinho.
[90] Neste caso, não podemos excluir, obviamente, uma eventual desnasalação. A consideração das formas moastica (‘monástica’) e elemosias (por “elemosinas”, ‘esmolas’) da carta de Fundação da Igreja de Lardosa (882) como os mais antigos testemunhos da queda de -n-, proposta por , defronta-se com o importante obstáculo de tal mudança estar ausente no percurso evolutivo do segundo dos vocábulos; sendo, ao mesmo tempo, desconhecida a existência de uma variante patrimonial (com síncope daquela consoante) para o adjetivo “monástico”. Em meu entender, antes poderá tratar-se de uma questão de natureza “paleográfica”, já que a omissão do <n> parece estar sujeita a fatores concretos de distribuição grafémica, como é o caso das sequências <nas> e <ans> (moastica, elemosias; confirmas “confirmans”) —talvez ass ociada a uma interpretação peculiar do nexo a+s—, ou de difusão lexical (setentja / setemtja, ‘sentença’). Fora desses supostos, não é omitida (donatione, manus, plena, etc.).
[91] O <n> poderia refletir a nasal palatal, mas o tipo “gãar” está amplamente atestado no séc. xiii (, s. v. gaanar).
[93] Cabe concluir que se trata da versão galego-portuguesa do lat. *ingenuita (recriação regular a partir de ingenuitas), termo que localizamos em textos dos sécs. x-xi (), por vezes transformado em ingenuitate pelos editores. Num documento bracarense do Liber Fidei surge em contexto muito similar ao do Pacto: “a susu sicut illa comparavi de illos comites sic est ipsa hereditate de ingenuita” (). O acento poderia estar situado na segunda sílaba, o que teria favorecido a desnasalação.
[94] Lembremos que a edição de contém a transcrição inexata do nengúú da versão do act (l. 32) como nengũu, o que criava um obstáculo para a compreensão da prática gráfica em análise. Veja-se .
[95] Atente-se como, amiúde, estamos perante a marcação mecânica de dois grafemas de referência vocálica, mesmo quando não representam duas vogais (Gunçalúú), nem eram realmente contíguos (páá = para a) (; ).
[96] Na sequência <uo> reconhecemos as duas vogais derivadas da sua origem etimológica: Tabulosa> Tavoosa> Tevuosa / Tevoosa> Tevosa ().
[97] Devemos entender que seriam equivalentes a “Veracin”, “vezes”, “vice”, “vĩidos”, “vĩimento”, “inviados”, “Tevuosa” e “testivigo” (vb. arc. “testivigar”). A presença desse uso gráfico não foi tradicionalmente reconhecida em fíj́dos, fíj́mento e infiados. viu vocábulos de uma mesma família lexical para exprimir o significado de “acordo”. No entanto, já traduzia muito acertadamente fíídos por “vindos”. Essa interpretação é extensiva aos outros dois termos ().
[98] considera deuenda (‘defenda’) da Notícia de haver como um caso de representação da fricativa labiodental surda por <u>, mas poderá tratar-se do verbo arcaico “devender”, como se deduz de alguns exemplos obtidos através do . Note-se que a palavra “devesa” tem origem no latim defensa(m). Nesse texto também ocorre a forma defender.
[99] A falta de sistematicidade na oposição gráfica ultrapassou o período medieval. A título de exemplo, vejam-se alguns dos documentos da primeira metade do séc. xvi publicados por .
[100] Talvez por segmentação imperfeita, essa prática discriminativa não foi respeitada nos dois exemplos de asuar do manuscrito do act e num de asunar que, ao lado do “correto” assunar, aparece na versão do antt.
[101] Encontramos <s> para o fonema surdo em posição intervocálica no Pacto (fosadeira) e na Notícia de torto (asi, dese, podesen, teuese, uencesen, uosa). Neste último texto, <s> é utilizado com o valor de /ʃ/ em troserunt (‘trouxeram’). Note-se a ocorrência isolada de <x> em inicial absoluta na Carta da Benfeita para /s̺/ para Xusana, também interpretável como exemplo raro de palatalização em inicial ().
[102] O carácter surdo do fonema presente em Gomeze / Gomenze vem assegurado, entre outros motivos, pela ocorrência do tipo Gomeço (cf. supra). Relativamente a <ci>, parece resultado da representação etimográfica da forma verbal, por nós considerada como provável latinismo ().
[103] A adoção de <s> para representar o fonema em questão, sem que seja necessário pensar num processo de mudança, não é inédita (). Num breve documento datável de meados do séc. xiii, o uso dessa letra, salvo em posição final, é quase sistemático: criasun (‘criação’), Gunsalus, Trauasus (top. ‘Travaços’) (). A presença etimográfica de <s> no antropónimo “Gonçalo” (<lat. Gundisaluus) é frequente.
[104] Trata-se de um procedimento conhecido em todos os documentos do período, mas escassamente representado fora dos patronímicos: Margaraz (Carta da Benfeita); fiz, paz (Testamento de Afonso II); fez, paz (Notícia de Torto). É provável que, enquanto se manteve a articulação africada, tenha como referente um fonema surdo, tendo-se desenvolvido como arquifonema, surdo ou sonoro, em função do som seguinte, quando evoluiu para fricativo (, ). O recurso ocasional a <-t> poderá assegurar essa interpretação. Na documentação portuguesa parece ser menos frequente do que na galega, mas já o encontramos de modo regular na Manda de Mendo Ermigues (ca. 1245): Ermigit3, Nunit, calet (arc. “calez”, ‘cálice’) (cf. infra).
[105] Pelo menos para uma parte do séc. xiii, aceita-se a existência de dois fonemas de articulação palatal sonora, uma africada e outra fricativa. Visto não ter existido uma representação diferenciada, consideramo-los conjuntamente.
[106] O uso de <ch> para a africada palatal sonora é menos habitual, mas conhecemos alguns casos, como os que surgem numa escritura de 1293 lavrada na terra de Barroso: chacen (‘jazem’), Chaneyro (antrop. ‘Janeiro’), San Chẽes (top. ‘São Gens’) (antt, Colegiada de Guimarães, m. 15, nº 7).
[107] realça, com razão, o facto de essa representação por <ci> se produzir na pena de um copista “tão atento às distinções fonéticas”.
[108] Outro procedimento consistiu no uso das consoantes simples, como se observa na Carta da Benfeita (toler, uino) e, a par do anterior, no Pacto (penores), na Notícia de torto (acanocese, carualio, filar, filia, filo, quinion, quinon) ou na Manda de D. Fruilhe (filia, Fruili, mulier, uela). Na versão lisboeta do Testamento de Afonso II, encontramos <li> para [l] em aquelias, o que condiz com certa falta de habilidade do escriba para manter, de modo consistente, alguns contrastes fonémicos.
[109] tecem louvores, em meu entender, pouco convenientes sobre a escrita da Notícia de torto, desvalorizando os interessantes pontos de vista de ou .
[110] A situação não difere, em substância, daquilo que observamos em Castela, sem que ninguém tenha postulado uma bifurcação de tradições, provavelmente porque a multiplicidade de textos em romance projeta uma visão de continuum.
[113] As únicas ocorrências procedentes do espaço português pertencem ao Foro Real (). Veja-se e dados do . De acordo com o , para o espaço castelhano-leonês, parece tratar-se de uma variante leonesa, escassamente atestada, que desaparece no terceiro quartel do séc. xiii.
[114] Alguns editores consideram que houve omissão do <a> inicial por motivos métricos, editando como “nen o ‘dusse”.
[115] Elas são, contudo, minoritárias relativamente àquelas que remetem para “aduzer”, de acordo com o cgpa.
[117] Encontramo-lo na Demanda do Santo Graal: “III anos e mais foi Lançarot na ermida asi que nenhũu homem non poderia d’afan mais e de trabalho sofrer ca el sofria en jejũar e en velar e en prezes e en orações fazer. E en estrenger sas carnes de toda las guisas que podia” () ou na Crónica de 1404: “e foy çercar hũa çibdade que a nome Labarre. Et tãto a estrengerõ ata que lla deron” ().
[118] , s. v. subrregano) faz uma interpretação estranha: “Subrregano, e Suriegano. Casal, ou prazo, que paga leitão, marrão, côbro, ou espadão de porco. Vem de Surex, que na baixa latinidade era o mesmo que Porcellus. Nas Inquirições reaes de 1258 se achou no concelho de Celorico de Basto, e na freguesia de S. Martinho de Val-de-Boiro um casal, que costumava dar ‘Directuras, sicut aliud casale forarium: et de magis debet esse Surrieganus’, e segundo outra lição ‘Subrreganus’”. Na verdade, o texto original procede das Inquirições de Afonso II, embora tenha sido reproduzido em códices cronologicamente posteriores.
[119] Veja-se . Quanto à origem etimológica, mais do que “subrogado”, poderá relacionar-se com quem está sob o domínio do rei (sub-reg-anus).
[120] Manifestamos a nossa gratidão a Leontina Ventura pela ajuda na identificação da figura em questão.
[121] Este documento foi, pela primeira vez, apresentado publicamente no IV Colóquio de Linguística Histórica (13-14 outubro, 2016) celebrado na Universidade de Cáceres. Porém, já tínhamos dado notícia da sua existência dois anos antes (). Numa primeira aproximação, chegamos a pensar que podia constituir uma compra-venda em que fora omitido o montante económico, o que explica a denominação que lhe atribuíamos nessa última publicação. Não fica, contudo, muito claro qual é a natureza diplomática concreta da transação.
[122] Esta dama era filha de Sancha Peres Vide e de Aires Nunes de Gosende, por sua vez, filho do galego Nuno Fernandes de Orzelhão (). A mãe foi prole de Pero Martins Vide e de Teresa Afonso, e neta, por via materna, de Afonso Teles de Córdova e da galega Maria Eanes (uma filha de João Fernandes de Lima ou Batissela) (). Sobre as origens do mosteiro, leia-se .
[123] Relativamente à figura deste magnate, veja-se a síntese biográfica de . É personagem que marcou presença na lírica galego portuguesa (; ; ).
[124] As notícias sobre o “paaço de Gondiães” surgem num documento de 1278 pelo qual Afonso III confirmava a Berengária a posse desse imóvel, de que fora indevidamente usurpada por Afonso Vasques Pimentel (antt, Most. de Almoster, m. 6, nº 51). Nele, consta que os direitos de Berengária e da filha, Sancha Rodrigues, sobre esse bem remontavam ao “tenpo de don Ruy Garcia”. Numa escritura de 1274 alude-se ao “serviçal de Roi Garcia de Pavha, que era serviçal de Gondiães” (antt, Most. Arouca, gav. 5, m. 2, nº 16).
[125] A segunda e a terceira vogais aparecem afetadas por danificação do suporte, o que nos impede de precisar com certeza absoluta se é <o>, como pensamos, ou <u>.
[127] Os restantes documentos do período a que cabe atribuir o rótulo de “escrito em romance” ―uma boa parte dos quais foi considerada na secção prévia― integram-se em “práticas comunicativas escritas que, pela própria natureza ou por fatores circunstanciais, não estavam estritamente sujeitas aos formulários notariais em latino-romance” (), o que não é aplicável à escritura em apreço. Só outro diploma anterior a 1255 é suscetível de ser aproximado do documento em questão, pela constituição diplomática interna, a Partição de Mor Martins e Durão Martins (), datável de 1235-1244. Neste último, também são nitidamente visíveis as três partes próprias dos diplomas dispositivos, mas carece de elementos que lhe teriam outorgado forma jurídica plena: a data e a subscrição do notário. Essa natureza pseudo-dispositiva justifica-se porque não é apenas um inventário de partilhas, portanto de interesse particular, ele também inclui uma permuta e uma doação em que aparece envolvido o mosteiro de Arouca.
[128] No caso do exemplar que agora nos ocupa e dos considerados na divisão seguinte, a análise não terá a perspetiva abrangente daquela efetuada sobre a Esquisa em relação a outros documentos do período.
[129] Reconsideramos a inclusão de dicto(s) como latinismo, subjacente às percentagens patentes na nossa análise anterior (), porquanto funcionalmente só podem ser formas românicas.
[130] Esta dicotomia de registos está atestada noutros textos do período como, por exemplo, no contrato enfitêutico implementado, em 1233, entre D. Gomes, abade do mosteiro ourensano de Melom, e Fernando Airas (). Porém, não podemos falar claramente de outros espécimes similares na documentação lusitana que temos por romance, anterior a 1257, visto os diplomas de natureza dispositiva, como é o caso, evidenciarem um carácter muito refratário ao romanceamento.
[131] O documento exibe algumas formas de configuração rara ou anómala como dubada, facero (‘fazê-lo’?), logual (‘lugar’), obtogu, senpe3, stave (‘estável’); algumas das quais sugerem rasgos disgráficos associados aos fonemas de articulação alveolar.
[132] Apesar de pouco expressivos e alguns de natureza incerta (aqillo, tudo), encontramos exemplos em que as vogais /e/ e /o/ são representadas por <i> e <u>: in, iste; dubada, pumares, etc. Pelo contrário, o adjetivo staue já contém um -e final, ainda que na altura fosse usual a terminação -vil (cf. infra).
[134] Diferentemente, para o ditongo [ej] parece não admitir exceção o emprego de <ei/ej>. O tipo qera (‘queira’) reflete um radical do presente de conjuntivo com /e/ amplamente documentado, inclusive na produção poética trovadoresca (). Trata-se, de facto, do radical esperável a partir do correspondente latino para esse tempo (quaer-).
[135] O resultado do texto deve ser interpretado como “Çarrazim”. Veja-se , s. v. Sarrazim). Note-se, portanto, que o primeiro <z> estaria a representar a surda e o segundo, a sonora.
[136] Esse procedimento, já observado na documentação primitiva, surge em documentos de meados do séc. xiii, como a Manda de Mem Ermigues (ius, arc. “chus”) ou a Manda de Margarida Garcia (iau, ‘chão’; iumaco, ‘chumaço’) (), mas também em fases posteriores (cf. infra).
[137] Podemos aproximar desse resultado o patronímico Petris (por “Petriz”) da Manda de D. Fruilhe. Não contemplamos estas formas como reflexo da simplificação do sistema das sibilantes, até porque estamos na região em que, ainda atualmente, se conserva a oposição entre a apicoalveolar e a predorsodental. Sem entrarmos na complexa problemática que coloca a interpretação das trocas gráficas na altura, não podemos deixar de notar aqui a referência de Cardeira (, ) a um documento de 1350 lavrado em Monção (antt, Most. de Vilarinho, m. 4, nº 7; ) ―portanto, na mesma área do texto em análise― como exemplo setentrional mais notável da neutralização gráfica entre <s> e <z> a favor da primeira. A consulta do original revela que não existe tal confusão gráfica, dado que foram transcritos como <s>, por um lado, o <z> com configuração similar a um cinco (5) e, por outro, o <s> dito sigmático que, em posição interior, representa a predorsodental vozeada e, em posição final, serve para <z> ou para <s> ().
[138] De facto, em documentos romances, só contamos com a forma beyjo do Testamento de Afonso II do act. Leia-se .
[139] A ausência de marca no primeiro grupo de vocábulos é motivo para pensar que não equivale a um <n> intervocálico, uso de tradição latina registado em textos medievais, embora de modo muito limitado. Entre os textos objeto de estudo neste artigo, só se regista numa única ocasião em comendamonos (cf. supra).
[140] No mais antigo, apresenta uma configuração mais próxima de uma plica do que do sinal abreviativo.
[141] Seja como for, a notável singularidade do documento impõe a sua publicação com independência do ano concreto em que possa ser situado.
[142] A segunda parte do documento contém uma alusão retrospetiva ao tempo em que ainda era viva a mãe de Rui Garcia de Paiva (“in tempo de uossa madre”), em contraste com o presente; o que sugere que talvez não tivessem decorrido (muito) mais de cinco anos desde a morte dessa senhora. Desconhecemos a data do seu óbito, mas a julgarmos pelos dados que temos sobre ela e a família, não nos parece provável que tenha atingido a segunda metade da década de cinquenta ().
[143] As informações enviadas ao conselheiro régio dizem respeito a propriedades do grupo familiar formado por Fernando Raimundo, pela mulher, D. Geralda, e por um filho desta última, Bartolomeu Domingues ―citado de forma anónima―, fruto do casamento anterior dessa dama com Domingo Eanes. Ora, sabemos que D. Afonso III lhes confiscou, em 1269, por dívidas acumuladas, todos os bens que tinham pertencido a esse último e à mulher no couto de Santa Comba e os vendeu ao Cabido da Sé de Coimbra. O monarca também ordenou, nesse mesmo ano, a apreensão das restantes propriedades dos três indivíduos acima citados pelos danos e embargos que causavam nos herdamentos desse couto (; att, Cab. da Sé de Coimbra, régios, m. 2, nº 24-29). É difícil estabelecer algum tipo de relação cronológica com o documento que nos ocupa, mas os dados referidos parecem assegurar que o vínculo matrimonial entre Fernando Raimundo e Geralda já era, em 1269, duradouro. Por outro lado, a falta de qualquer referência a esses eventos leva a pensar que puderam ser posteriores à elaboração do relatório em questão.
[144] O pergaminho leva o sinal de um anónimo notário real solicitado pelos homens de Rui Garcia (cf. infra). É possível que este facto tenha sido, afinal, responsável pela sobrevivência de um documento que se afigurava, em princípio, efémero.
[145] É diferente a situação das missivas, amplamente estudadas, pertencentes ao domínio da diplomacia. Susana Pedro, em comunicação inédita apresentada na Jornada de Estudio “La carta diplomática (2): el género epistolar como instrumento de administración, 7-8 de marzo de 2013, (Casa de Velázquez)”, analisou as relações entre os modelos da charta e da notitia na produção portuguesa dos sécs. x-xiii. No âmbito português, as cartas da rainha D. Isabel têm sido objeto de especial atenção (). Na secção “Monumenta Histórica” da revista Fragmenta Histórica (Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa) podemos encontrar cartas lavradas em Portugal na Idade Média (e mesmo em períodos posteriores).
[146] Como se faz constar, o documento constitui, por sua vez, a resposta a uma carta prévia de Rui Garcia de Paiva: “Sabiades que nos uimos uosa carta”.
[147] Existem algumas dificuldades na leitura em ambos os textos. No primeiro, derivadas de uma mancha de humidade que cobre o espaço central entre as linhas 11 a 17. Os problemas causados pelas propriedades materiais do lado da carne ―aliás exposto ao manuseamento― somam-se, no caso do segundo texto, à sobrevivência de elementos gráficos de uma redação anterior que, ocasionalmente, interferem com a versão definitiva nas três primeiras linhas.
[148] Não excluímos a possibilidade de o interpretar como “e quartado” (‘é [pão] quartado’), em referência ao pão feito com quatro tipos de farinha.
[149] O segmento “e d’ ejradega ... uino” encontra-se situado na margem inferior, mas há marcas localizadoras que o remetem para o local em que é editado.
[150] Relativamente ao pronome my de D4B, veja-se o que será dito sobre os clíticos de dativo nos comentários a D5.
[151] Dada a cronologia do texto, não parece que a forma bodia (‘podia’) possa ser incluída entre os exemplos de “grafias que nem sempre espelham oposições baseadas no traço de vozeamento” de que fala . No grupo dos primeiros textos, esse facto parece ficar limitado à forma gaualeiros (‘cavaleiros’) do Pacto, mas provavelmente estamos perante um fenómeno de natureza fonética. Veja-se e . Aliás, o uso de grafemas correspondentes a consoantes sonoras para representar as surdas é muito raro.
[152] Preferimos não falar, quando for o caso, de “semivogal”, dado que quem escreve não opera com princípios de natureza fónica.
[153] Não incluímos os termos em que essas sequências vocálicas resultam da expansão de abreviaturas.
[155] Esse carácter não patrimonial serve para explicar o (anómalo) plural mouils do Testamento de Afonso II. Não existiram, como se tem afirmado, duas terminações, -vil e -vel, geneticamente diferentes. Sobre esse sufixo, veja-se .
[157] Como no caso do sufixo -vel, o étimo latino contém uma vogal breve nessa posição (ordĭne). O resultado ordin já aparece no Testamento de Afonso II e deverá ter sido dominante no séc. xiii. Pelo contrário, “ordem” surge apenas em textos vinculados a uma tradição de escrita castelhana (). Na Galiza encontramos as duas formas, com preferência pelos resultados com /i/ no terço meridional.
[158] A primeira documentação do <ç>, propriamente dito, em Portugal surge numa escritura de ca. 1252 da Ordem do Templo vinculada a uma tradição scriptográfica castelhano-leonesa (; ). Além do conjunto de escrituras dessa Ordem em que esse exemplar se integra, as primeiras ocorrências em documentos originais datam de 1257 (), mas a generalização não parece anterior à década de setenta. Leia-se .
[159] O grafema <u> com valor consonântico parece ter nalguns casos a consideração de vogal. Como dissemos, a associação <uh> foi habitual desde o último terço do séc. xiii, surgindo amiúde para representar esse topónimo como “Pauha”.
[160] A situação deste termo, no que toca à variação, na sílaba final, entre /i/ e /e/, parece similar ao que observamos no clítico dativo e noutras formas como o sufixo -vel e o de patronímico (cf. infra).
[161] Lembremos, nesse sentido, que uma circunstância similar subjaz à existência do primeiro documento em romance da Galiza, a Cessão do mosteiro de Armeses a Sancha Fernandes (1222), associado à Ordem de Calatrava. No que toca ao antigo reino lusitano, o mais salientável é um conjunto de escrituras da Ordem do Templo redigidas entre ca. 1252 e 1261 numa modalidade galego-portuguesa com notável influxo do castelhano. Sobre este aspeto, leia-se e as precisões de sobre um documento de 1236.
[164] antt, Most. de Arouca, gav. 7, m. 4, nº 14. Trata-se da confirmação em latim de uma carta régia, em romance, cuja versão original fora lavrada por Vicente Fernandes, notário de Lisboa, em janeiro desse mesmo ano.
[166] . O primeiro escrito foi situado por em 1255, mas é de 1260 (). Também cumpre indicar que a herdade objeto de transação se situa em Santo André de Telões (Amarante), não em Telões de Aguiar.
[167] No conjunto de documentos romances deste notário, o uso do latim fica limitado à invocação (“In Dei nomine”) com que se abrem os produzidos em 1269 e 1271.
[168] O testemunho mais recuado encontra-se, provavelmente, na P1 do pretérito de “haver” oui3 (‘houve’) da Manda de Mendo Ermigues (ca. 1245) ().
[169] Lembre-se que também existiram mi, ti / chi, si / xi. Não há unanimidade na explicação da origem desses clíticos em -i (; ).
[170] Segundo evidenciam os testemunhos escritos, a manutenção da distinção entre as vogais palatais média alta e alta, em posição átona final, registada também, como vimos, noutro tipo de formas, parece ter sido duradoura na metade meridional da Galiza e no conjunto de Portugal. Sobre este aspeto, leia-se , , Mariño Paz (, ) e . Sou muito cético sobre a possibilidade de ter existido uma distinção similar no caso das vogais velares no espaço galego-português, hipótese em que alguns fundam o contraste morfológico entre singular e plural do português padrão pela variação /o/:/ɔ/ na tónica.
[171] As variantes se5 e si4 surgem em proporções similares no Pacto, mas si ainda é quase sistemática na versão lisboeta do Testamento de Afonso II, com onze ocorrências face a uma de se. Porém, a cópia da catedral de Toledo só faculta exemplos desta última (12 occ.), como acontece com a Notícia de torto (2 occ.), a Manda de D. Fruilhe (1 oc.) ou a Partição de Mor Martins e Durão Martins (1 oc.). Na documentação da Galiza, encontramos registos de si até à década de sessenta do séc. xiii (), mas talvez sejam simples formas gráficas por “se”.
[172] O mais antigo testemunho do tipo “coonigo” que conhecemos, em texto romance, surge em 1259 (). Também se regista na documentação galega ().
[174] Note-se também que <ss> só ocorre em posição intervocálica. A essa regularidade parece fugir a forma aniuerssario, mas devemos ter em conta que, na unidade braquigráfica que a representa, o <ss> é precedido do ambivalente <u>.
[177] “Pour le datif, nous avons le ‘lhe’ partout, soit au singulier, soit au pluriel, forme que est tout simplement le lat. (il)li” (). Para a Galiza, veja-se .
[178] A mobilidade no “ranking” tem a ver com as dificuldades que encerra a definição de alguns documentos como originais.
[179] Souto Cabo (; ). Note-se, contudo, que no caso destas últimas o <h> representa uma semivogal palatal alta, ao passo que em <lh> e <nh> adquiriu o valor de natureza gráfica que tinha <i> em combinações como “molier” (‘mulher’) e “tenia” (‘tenha’).
[180] O tema foi também considerado, de uma perspetiva mais concreta, por , analisando uma seleção de escrituras inéditas do núcleo documental do mosteiro de Arouca situadas entre 1285 e 1305.
[181] Veja-se . A professora de Coimbra incluiu alguns textos não notariais de natureza e origem duvidosa, mas não menciona, por exemplo, a Crónica geral galega (). As fases iniciais na expansão dos dígrafos foram estudadas, de acordo com a documentação disponível em meados do século passado, por .
[182] A essa regularidade só foge o apelido linhagístico Farina (“Farinha”) utilizado na denominação de Afonso Pires Farinha, conselheiro régio e corregedor, mencionado no documento de 1279. Dado o seu carácter particular, como antropónimo, não o incluímos no gráfico.
[183] Veja-se o que foi dito sobre a presença da forma susu e doutras acabadas em <-u> no Testamento de Afonso II na nota nº 75.
[185] Ele comparece como clérigo do mosteiro ―ou sem designação concreta― entre 1273 e 1275 e em 1299, mas só lhe é atribuída a função de capelão nos anos citados. Num documento de 1295 copiado num dos tombos do mosteiro (), o abade de Saia Vaia de Beiriz é citado, por provável lapso, como “Lourenço Esteves” em lugar de “João Esteves”, denominação que aparece no escrito em questão. A presença, na posição posterior imediata, doutro abade daquele nome apoia a nossa hipótese.
Apêndices
Apêndice 1
Apêndice 2
Como foi referido na nota nº 2 deste trabalho, incluem na primeira metade do séc. xiii o (não datado) Testamento de Nuno Peres de Beiriz, ao tempo que o qualificam como documento protoportuguês. Porém, ele deverá ser situado no último quartel daquela centúria, provavelmente nos últimos anos da mesma, atendendo à ocorrência de Rodrigo Peres como capelão do mosteiro da Junqueira, documentado nesse cargo em 1297 e 1299 (). Apesar de ficar fora dos limites cronológicos definidos para este trabalho ―o que nos levou a excluí-lo de dgp―, optamos por o integrar neste apêndice como exemplo da sobrevivência de práticas gráficas que marcam os textos mais antigos aqui analisados. Salvo a breve invocatio, o texto está redigido integramente em galego-português, sem qualquer elemento latinizante.
Edição
Jn [nomine] Dominj, amen. Eu Nunu Perit de Ueherit, temente o dia e e a ora de ma morte, faco ma manda: primeira|mente primeira|mente dou a ma alma a Santa Maria, que a de ou seu filo. Iten, mando o meu corpo en San Simon con canto erdamento ej na freigisia de Santa Uaia de Ueerit e e de Santiago d’ Amorin, saluo a leira de Maceira do casal de <...>to e e o talio de Mon|iardin, so tal condicon que filos de Maria <...>anes, meus criados, que me serujan, que o tragan en sa uida per de San Simon e e ua fila de Margarida, que iaman Luzia, que o trag[a] con eles, e este erdamento, en|quanto eles trouseren, den ende ao m[o]esteiro cad’ ano II mr. Jten, mando que o pam deste erdamento, cando ouueren de segar, que o <uan>pidir ao priol, e e por pidida den ende dous <paees>. Jten, mando que encanto os minios este erdamento trouseren, que mas diuidas, as que me nembraren, que se pagen per_ele e das que me non nembraren uenan aqueles que diseren a que as deuo, uenan e facan foro da tera perdant’ o ioit. Jten, mando que se algúú ou algua contra este feito quiseer uiir, mando que page C mr., ante que polo mo<st>eiro respondan, e ou <sehor> sehenor da tera outro tanto, e quanto demandar outro tanto en d(r)ubru conpona. Testimunas: Ihoane Esteueet, abade de Santa <Uai>a de Ueerit; Rodrigo Perit, capelan de San Simon; Domingos Perit, frade de San Simon; Giral Peret de Ueerit.