Eu ainda sou vivo. Sobre a edição e análise linguística de cartas de gente vulgar
Contido principal do artigo
Resumo
A propósito do caso particular de uma carta do século XVII que um marinheiro que naufragou na Índia escreveu a sua mulher, argumenta-se neste artigo a favor do investimento na recolha e edição maciça de manuscritos antigos que testemunhem o discurso da gente comum. Tal documentação serve ao estudioso da mudança linguística para completar, em termos de tipologia textual, os dados que o discurso literário e institucional lhe oferece. Igualmente, é documentação que serve ao historiador da cultura para abordar a táctica criadora e fracturante adoptada pela gente vulgar na sua vida quotidiana. Finalmente, o tratamento de tal documentação segundo técnicas filológicas permite reflectir sobre a vantagem de a crítica textual assumir alguma plasticidade perante diferentes textos, diferentes públicos e diferentes meios de edição. Ao longo do artigo apresenta-se também um projecto de investigação, o projecto CARDS, que cumpre o programa de abordar certos objectos textuais —cartas manuscritas portuguesas anteriores a 1900—editando-os electronicamente sob forma tão anotada que permita a construção de múltiplas hipóteses de compreensão do homem comum na sua relação com a cultura, o tempo e a linguagem. As cartas surgem de uma campanha de recolha junto de arquivos judiciais. São editadas em linguagem compatível com todos os tipos de processamento (mecânico e humano), são filologicamente preparadas para leitores com diferentes interesses, contextualizadas mediante recurso à documentação que as rodeia e anotadas por historiadores e linguistas.
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