Índice
- 1.
Sobre o uso do quantificador ambos na variedade padrão do português.
- 2.
Observação de contextos críticos nos corpora Vercial e cetempúblico.
- 2.1.
Combinação de ambos com mesmo e formas afins.
- 2.2.
Combinação de ambos com diferente e outros adjetivos simétricos.
- 2.3.
Ambos em construções recíprocas.
- 2.4.
Combinação de ambos com em conjunto, juntos e formas adverbiais afins.
- 2.5.
Combinação de ambos com predicados verbais quase-divisíveis e indivisíveis.
- 2.1.
- 3.
Contextos sintáticos em que as restrições ao uso de ambos em leituras grupais não se aplicam.
- 4.
Conclusões.
Contents
- 1.
On the use of the quantifier ambos ‘both’ in standard Portuguese.
- 2.
Observation of critical contexts in the corpora Vercial and cetempúblico.
- 2.1.
Combining ambos with mesmo ‘same’ and related forms.
- 2.2.
Combining ambos with diferente ‘different’ and other symmetric adjectives.
- 2.3.
Ambos in reciprocal constructions.
- 2.4.
Combining ambos with em conjunto ‘jointly’, juntos ‘together’ and related adverbial forms.
- 2.5.
Combining ambos with quasi-divisible and indivisible verbal predicates.
- 2.1.
- 3.
Syntactic contexts where restrictions on the use of ambos in collective readings do not apply.
- 4.
Conclusions.
1. SOBRE O USO DO QUANTIFICADOR AMBOS NA VARIEDADE PADRÃO DO PORTUGUÊS
Com algumas exceções, que serão objeto de análise neste trabalho, o quantificador ambos ocorre em variação livre com a locução quantificacional equivalente os dois (e suas variantes com demonstrativos no lugar do artigo definido, doravante “DEM dois”: estes dois, esses dois, aqueles dois), veiculando um valor de quantificação universal definida sobre um conjunto de dois elementos, contextualmente identificados. As chavetas serão aqui usadas para indicar alternativas de construção.
- (1)
{Ambos os livros / Os dois livros} contêm gravuras.
- (2)
O jornalista entrevistou {ambos os empresários / os dois empresários}.
- (3)
{Em ambos os casos / Nos dois casos}, é preciso ter cuidado.
Geralmente, nos casos de variação livre, como os três acima, as propriedades relevantes descritas nas frases aplicam-se individualmente a cada uma das duas entidades referidas, no que se designa como leitura distributiva. Como veremos, a variação livre pode não existir em contextos que envolvem leitura grupal, já que ambos é frequentemente incompatível com essa leitura:
1.1. Questões de frequência (em português europeu e português brasileiro)
O uso de ambos parece ser muito mais comum em registos escritos (neutros ou relativamente formais) do que em registos orais informais. Considerarei aqui dados de três corpora de texto escrito, disponíveis no website da Linguateca: (i) cetempúblico, cerca de 200 milhões de palavras; texto jornalístico de português europeu (PE) contemporâneo; (ii) NILC/São Carlos, cerca de 34 milhões de palavras; maioritariamente texto jornalístico de português brasileiro (PB) contemporâneo; (iii) Vercial, cerca de 14 milhões de palavras; texto literário, sécs. xvi‑xx. A análise destes corpora revela alguns dados de frequência interessantes.
Um primeiro dado diz respeito à frequência relativa de ambos vs. os dois, nos contextos em que estes quantificadores competem, resumida no Quadro 1.
Como se pode observar, a prevalência de ambos é muito semelhante no cetempúblico (PE) e no NILC/São Carlos (PB) – 21% e 18%, respetivamente –, sendo cerca de metade da registada no Vercial, 37%.
Um segundo dado diz respeito à prevalência total de ambos no conjunto de palavras dos corpora, dada no Quadro 2.
Verifica-se que, embora não esteja entre as palavras comuns da línguas, o quantificador ambos é, ainda assim, de uso bastante frequente. A frequência de ambos no Cetempúblico (PE) é superior à frequência no NILC/São Carlos (PB) e inferior à frequência no Vercial.
Um terceiro dado diz respeito à frequência relativa de ambos em dois contextos sintáticos particularmente relevantes, a saber:
- (i)
ambos com explicitação adjacente da estrutura nominal quantificada, sob a forma de SN com artigo definido (ambos os N'), SN com demonstrativo [pronominalizado ou não] (ambos estes/esses/aqueles [N']), ou, mais raramente, com pronome pessoal (ambos eles) – cf. (5);
- (ii)
“ambos isolado”, isto é, sem explicitação adjacente da estrutura nominal, em duas situações: na sua posição básica, equivalendo superficialmente a um SN (com a análise possível ambos ø sn ), que podemos referir como ambos pronominalizado – cf. (6); numa posição não básica (tipicamente pós-verbal), na construção comummente referida como de “flutuação do quantificador”, que podemos referir como ambos flutuante – cf. (7); esta última situação é relevante essencialmente para constituintes com a função de sujeito.
- (5)
Ambos {os ministros / estes (ministros) / eles} estiveram presentes.
- (6)
Ambos estiveram presentes.
-
(7)
O uso de ambos isolado – pronominalizado ou flutuante – é claramente maioritário nos três corpora . É de notar que a proporção de ambos com explicitação adjacente da expressão nominal quantificada é significativamente maior no cetempúblico (37,5%) do que no NILC/São Carlos (21%) e no Vercial (15%). O elevado número de ocorrências neste contexto específico parece ser característica do português europeu moderno. Observa-se ainda que a combinação de ambos com pronome pessoal (ambos eles), relativamente frequente no Vercial, parece de algum modo ter caído em desuso e que a combinação de ambos com demonstrativos parece especialmente infrequente em PB.
1.2. Restrições ao uso de ambos referidas na literatura
Várias gramáticas, dicionários e instrumentos de normalização linguística referem – geralmente de forma lacónica e sem justificação – uma restrição ao uso de ambos, que em termos modernos poderíamos descrever como uma tendência deste operador para ocorrer apenas em leituras distributivas, bloqueando as leituras grupais. Em contextos com leituras grupais ou afins, ambos e os dois não competem geralmente, usando-se sempre o último quantificador, que não apresenta restrições relacionadas com distributividade/grupalidade. Por exemplo, referem que “Ambos, ambas [...] não podem ser usados para se referirem a pessoas ou coisas opostas: Os dois (e não ambos [os]) partidos chegaram a um acordo”. consideram, de forma semelhante, que “O pronome ambos não pode ser usado com pessoas ou coisas opostas: «As duas amigas (e não ambas) fizeram as pazes.»”.), refere, na mesma linha, que “Ambos, ambas só devem ser usados quando não há acção recíproca. É incorrecto dizer «ambas beijaram-se» só para duas pessoas; mas já pode dizer-se «ambas beijaram a criança» (...)”. Finalmente, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (), no verbete de ambos, faz a seguinte generalização: “[ambos] não pode ser us. em alusão a pessoas ou coisas em situação de oposição: as duas partes chegaram a um entendimento no processo (e não ambas as partes)”.
Para o português, a tendência de ambos para bloquear leituras grupais é desenvolvida, tanto quanto sei, apenas em Peres (, , ) e , no quadro da semântica formal de tradição mantagueana, enquadramento teórico que este trabalho também adota. Vejamos os aspetos essenciais referidos por estes dois autores.
sintetiza o comportamento gramatical do quantificador ambos, estudado pormenorizadamente em trabalhos seus anteriores (, ), defendendo que “o quantificador ambos tem [...] valor quase exclusivamente distributivo”. As generalizações propostas pelo autor envolvem três propriedades semânticas: a indivisibilidade, a quase‑divisibilidade ou a divisibilidade (de um predicado relativamente a um dado argumento). Mais precisamente, o autor considera que:
- (i.)
O quantificador ambos é genericamente incompatível com predicados indivisíveis (relativamente ao argumento em que ocorre ambos). Assim, é bloqueada a leitura grupal de frases que com o quantificador equivalente os dois são ambíguas entre leitura grupal e leitura distributiva.
Note-se que predicados do tipo de alugar um carro são indivisíveis, sendo válido para eles o seguinte raciocínio inferencial: se a propriedade em causa se aplica a uma dada entidade plural, não se aplica a nenhuma das suas subpartes (atómicas ou não); ou seja, se A, B e C, por exemplo, alugaram conjuntamente um carro, não se pode dizer com propriedade que A sozinho, ou A+B alugaram esse carro; é uma propriedade apenas dos três em conjunto.
- (ii)
O quantificador ambos é genericamente incompatível com predicados quase-divisíveis (relativamente ao argumento em que ocorre ambos). Assim, ambos não ocorre (ao contrário de os dois) com predicados que apenas admitem a leitura grupal, como reunir-se combinado com expressões nominais não coletivas.
Note-se que predicados do tipo de reunir-se, quando combinados com nomes não coletivos, são quase-divisíveis, sendo válido para eles o seguinte raciocínio inferencial: se a propriedade em causa se aplica a uma dada entidade plural, aplica-se a todas as suas subpartes não atómicas, mas não se aplica aos átomos; ou seja, se os estudantes A, B e C se reuniram num determinado momento, pode-se dizer que A+B (ou A+C, ou B+C) se reuniram nesse momento, mas não se pode dizer que “A sozinho se reuniu”.
As expressões predicativas recíprocas, como gostar um do outro, são também de tipo quase-divisível, salvaguardadas questões de vagueza; com efeito, se, por exemplo, A, B e C gostam uns dos outros é normal supor que A e B (ou B e C, ou A e C) gostam um do outro, mas não faz sentido afirmar acerca de uma entidade atómica que “gosta uma da outra”.
- (iii)
O quantificador ambos é compatível com predicados divisíveis (relativamente ao argumento em que ocorre ambos), admitindo excecionalmente, nestes casos, leituras grupais (além de distributivas); trata-se, segundo , de “uma classe muito restrita de verbos, de que caber é um exemplo”:
- (10)
{Ambos os / Os dois} volumes cabem na pasta.
[leitura distributiva ou grupal]
– leitura distributiva: “cada um dos dois volumes cabe sozinho”, não tendo necessariamente de caber os dois conjuntamente;
– leitura grupal: “os dois volumes cabem conjuntamente”, o que implica naturalmente que “cada um dos dois volumes cabe sozinho”
- (10)
Predicados do tipo de caber na pasta são predicados divisíveis, sendo válido para eles o seguinte raciocínio inferencial: se a propriedade em causa se aplica a uma dada entidade plural, também se aplica a todas as suas subpartes, incluindo os átomos; ou seja, se A, B e C cabem conjuntamente num dado espaço, pode-se dizer que A+B (ou A+C, ou B+C) e, crucialmente, A sozinho (ou B sozinho, ou C sozinho) cabem nesse espaço; para estes predicados, podemos, pois, dizer, de forma simplificada, que a leitura grupal implica também a leitura distributiva, parecendo este fator só por si legitimar o uso de ambos em leituras grupais.
Finalmente, dá conta de uma situação excecional, envolvendo adjuntos com a preposição com e a função Instrumento, em que ambos não tem a leitura distributiva que prototipicamente o caracteriza, mas, ainda assim, há plena gramaticalidade. As questões específicas que estas estruturas colocam são deixadas em aberto pelo autor.
Note-se que neste caso, estamos perante predicados indivisíveis relativamente ao argumento opcional em causa: se, por exemplo, alguém levantou um objeto pesado com as duas mãos, não se pode dizer que levantou esse objeto com uma mão.
Passemos a . A autora tece interessantes considerações sobre a compatibilidade de ambos com as expressões mesmo e diferente nas chamadas “leituras internas à frase” (isto é, que não envolvem dependências anafóricas de elementos externos), as quais “induzem nas frases em que ocorrem um tipo particular de leitura colectiva” (). Ao operador diferente, a autora associa adjetivos simétricos que o “generalizam” (no sentido de ), e ainda expressões recíprocas, que também “podem ser referidos como operadores de grupalidade” (). Sumarizando as suas posições:
- (i)
O quantificador ambos é compatível com mesmo e as suas “generalizações” (de que a autora refere apenas uma, o advérbio simultaneamente):
- (ii)
O quantificador ambos é incompatível com diferente e as suas generalizações (de que a autora refere os adjetivos rivais, opostos, inimigos, (in)compatíveis, paralelos e aliados – cf. pp. 6-7, 59-69, 91ss.).
- (iii)
O quantificador ambos não ocorre em construções recíprocas, que também envolvem relações simétricas (cf. opinião semelhante em ):
O caso particular da combinação de ambos com mesmo é especialmente interessante, porque – a ser plenamente aceite, como a autora considera – representa mais um contexto excecional de uso de ambos em que a propriedade relevante não se aplica a átomos individuais (isto é, em que não há tecnicamente uma leitura distributiva). Com efeito, os predicados complexos com mesmo são de tipo quase-divisível (relativamente ao argumento relevante). Por exemplo, se a propriedade expressa por ter a mesma idade se aplica a uma soma individual, aplica-se também a todas as suas subsomas, mas não, crucialmente aos próprios átomos individuais – e.g., se cinco pessoas têm a mesma idade, qualquer par de duas pessoas dessas cinco também tem, mas não faz sentido dizer de uma pessoa isoladamente que ela tem a propriedade de “ter a mesma idade” sem mais. As expressões predicativas complexas com mesmo identificam classes de equivalências, representando propriedades reflexivas, simétricas e transitivas, e conjetura que este facto (que distingue mesmo de diferente) estará na origem da possibilidade de combiná-las com ambos.
Como veremos na secção 2, a aceitação de ambos em estruturas com mesmo está longe de ser consensual entre os falantes nativos, havendo quem aceite bem esta combinação, mas também quem a rejeite totalmente. A aceitação plena de uma frase como ambos os candidatos têm a mesma idade é apenas de cerca de 40% entre os falantes consultados no inquérito referido na subsecção seguinte.
1.3. Inquérito a falantes nativos
Dada a acentuada variação de juízos relativamente ao uso de ambos em leituras não distributivas, decidi fazer um inquérito a 20 falantes nativos, todos especialistas em Linguística. Foi-lhes pedido que classificassem como agramaticais, muito estranhas, estranhas ou aceitáveis (ou seja, usando uma classificação quadripartida) 30 frases que integram os principais aspetos discutidos neste trabalho (26 relacionadas com os contextos críticos da secção 2; quatro relacionadas com os contextos especiais da secção 3). Os resultados mais relevantes deste inquérito (e as frases nele contidas) serão revelados na discussão das próximas duas secções e estão sumarizados nos Quadros 4 a 8.
O objetivo central do inquérito foi testar a sensibilidade moderna ao uso do quantificador ambos em cinco contextos selecionados (que envolvem de alguma forma um valor grupal), a qual não é necessariamente a mesma que observamos em textos literários mais antigos (como os que ocorrem no corpus Vercial). Conclui-se que estamos perante um tópico inusitadamente variável, em termos de juízos de aceitabilidade dos falantes nativos.
Um objetivo secundário foi testar se a posição (pós-verbal) do quantificador em flutuação melhora ou não a aceitabilidade das frases, ou seja, se os falantes classificam de forma diferente produções como ambos os rapazes conversaram um com o outro (sem flutuação) e os rapazes conversaram ambos um com o outro (com flutuação), por exemplo. Foram testados sete pares de frases com esta variação. O resultado foi que uma parte significativa dos informantes (35%) é sensível a este fator (considerando os enunciados com flutuação como melhores que os equivalentes sem flutuação, em pelo menos cinco dos sete pares em causa). A média de aceitação plena das sete frases sem flutuação testadas é 14% e das sete frases com flutuação é 31%. Adicionalmente, quase nunca uma produção com flutuação do quantificador foi classificada como pior do que a sua contrapartida sem flutuação.
2. OBSERVAÇÃO DE CONTEXTOS CRÍTICOS NOS CORPORA VERCIAL E CETEMPÚBLICO
Em relação ao uso de ambos, importa distinguir dois tipos de contextos: aqueles em que o uso é plenamente consensual entre os falantes, prototipicamente em leituras distributivas (cf. (1)-(3) acima) e excecionalmente em leituras grupais (cf. (10) e (11) acima), e aqueles em que – por vezes com fortes variações entre falantes – o uso não é plenamente consensual e que designo aqui como “contextos críticos”. Nestes últimos, muitos falantes, ou pelo menos alguns falantes, consideram existir algum grau de anomalia. São os que me interessam centralmente, na medida em que documentam variação especialmente intensa no português contemporâneo.
Considerarei separadamente cinco contextos, enumerados a seguir. Para cada um deles, observarei a ocorrência de ambos, olhando para dois corpora: o cetempúblico, corpus de texto jornalístico, tomado como prototípico (do registo escrito) da variedade padrão do português europeu contemporâneo, e o Vercial, usado para verificar a presença das construções em textos literários mais ou menos antigos (sécs. xvi a xix) e detetar possíveis mudanças linguísticas. Darei ainda conta dos juízos dos 20 informantes consultados no inquérito referido em 1.3.
-
I.
Ambos em SNs com expressões predicativas com mesmo, e expressões afins, combinação que é excecionalmente bem aceite por alguns falantes, ainda que seja rejeitada por outros.
-
II.
Ambos em construções com adjetivos simétricos, como diferente ou compatível, combinação que tende a ser rejeitada pela maioria falantes.
-
III.
Ambos em construções recíprocas, com marcação explícita da reciprocidade através (i) de expressões adjuntas, como um... o outro, entre si ou mutuamente, como em (21)-(22), ou (ii) de um clítico recíproco (nos, vos, se), sozinho ou acompanhado de uma das expressões adjuntas anteriores, como em (23), combinação que tende a ser rejeitada pela maioria os falantes.
-
IV.
Ambos em construções com uma expressão adverbial indutora de leitura grupal, como em conjunto, juntos e afins, combinação que tende a ser rejeitada pela quase totalidade dos falantes.
-
V.
Ambos em SNs com predicados verbais que são, relativamente a esse SN, quase‑divisíveis, como unir (esforços), em (26), ou indivisíveis, como somar (12), em (27), combinações que tendem a ser rejeitadas pela maioria dos falantes, no primeiro caso, e pela quase totalidade dos falantes, no segundo caso.
2.1. Combinação de ambos com mesmo e formas afins
Dos cinco contextos em apreço, é certamente aquele que tem maior grau de aceitação, mas, ainda assim, com uma aceitação plena inferior a 40%, para os exemplos avaliados, por parte dos falantes nativos inquiridos, como veremos adiante, em 2.1.3.
2.1.1.Mesmo, ao mesmo tempo, simultanemente – dados de corpora
No corpus Vercial, em textos de diferentes épocas, existem pelo menos 65 exemplos da combinação de ambos com expressões predicativas com mesmo, incluindo nove com a forma temporal ao mesmo tempo. Destes, cinco exemplos integram ambos os N' na posição de sujeito (cf. (28)), que é possivelmente a estrutura menos consensual entre os falantes contemporâneos. Com simultaneamente, só há um registo no corpus (cf. (30)).
- (28)
“Em nosso entender ambos os documentos são relativos ao mesmo burgo.” (Alexandre Herculano, História de Portugal, 1853)
- (29)
“[...] eu humilde presbítero, vós príncipe da Igreja [...], mas ambos servimos o mesmo Deus, ambos no mesmo altar tomamos [...] o Seu corpo e o Seu sangue...” (Almeida Garrett, O Arco de Santana, 1845)
- (30)
“[...] se é que as forças portuguesas se não dividiram desde logo em dois corpos, [...] atacando simultaneamente ambos os distritos.” (Alexandre Herculano, História de Portugal, 1853)
O texto jornalístico português contemporâneo contém numerosos exemplos da construção com mesmo: (pelo menos) 211 registos no cetempúblico, incluindo 15 com ao mesmo tempo. Esta é de longe a mais comum de todas as estruturas críticas pesquisadas, em linha com o melhor grau de aceitação dos informantes, que observaremos adiante. Da combinação de ambos com simultaneamente, há cinco registos no cetempúblico (cf. (33)).
2.1.2. Idêntico, igual, semelhante, parecido – dados de corpora
Como já foi referido, considera como generalização de mesmo apenas o advérbio simultaneamente. Há, porém, pelo menos mais quatro adjetivos de valor afim – idêntico, igual, semelhante, parecido – que creio que se podem considerar conjuntamente com mesmo, por terem uma frequência e um grau de aceitação comparáveis.
Os primeiros dois adjetivos – idêntico e igual – identificam também classes de equivalência e penso que se podem considerar “generalizações de mesmo” (no sentido de Alves 1992). No corpus Vercial, há três registos com idêntico e pelo menos 16 com igual em combinação com ambos, em diferentes posições sintáticas:
- (34)
“[...] um ruído sumido [...] de passadas de homens [...] soara horas inteiras em um e em outro campo. Era que em eles ambos surgira uma ideia idêntica.” (Alexandre Herculano, Eurico, o Presbítero, 1844)
- (35)
“Pois a minha crença é igual para ambas as coisas.” (Júlio Dinis, A Educanda de Odivelas, 1860)
No cetempúblico, há pelo menos 38 registos com idêntico e 36 com igual:
- (36)
“Esta é porém a única diferença da batata clássica, já que ambas são idênticas no aspecto e no sabor.” (ext745740-clt-soc-92b-2)
- (37)
“[...] o mapa [...] mostra bem a linha de fronteira entre as duas regiões, embora dê a ambas um tratamento gráfico igual [...].” (ext547874-soc-96b-2.
Os restantes dois adjetivos – parecido e semelhante – podem, em certo sentido, ser considerados antónimos de diferente (ainda que seja defensável agrupá-los com diferente em vez de com mesmo, como faço aqui). A sua combinação com ambos é rara no Vercial (apenas dois registos, ambos com parecido como predicativo do sujeito) e mais comum no cetempúblico, onde há pelo menos 39 registos com semelhante e um com parecido:
2.1.3. Resultados do inquérito a falantes nativos
No inquérito referido em 1.3, foram testadas seis frases do tipo em apreço. Os resultados são dados no Quadro 4 abaixo, onde – à semelhança do que acontece nos quadros paralelos das secções seguintes – AP (aceitação plena) é a média de informantes que classificaram a frase como plenamente gramatical e AC (aceitação calibrada) é uma média que tem em conta todas as não rejeições, atribuindo, com alguma arbitrariedade, 50% de aceitação à classificação como estranho e 20% à classificação como muito estranho. Por simplificação, as classificações como estranho e muito estranho foram combinadas numa única coluna do quadro.
A primeira frase (1a), com mesmo no complemento direto e ambos no sujeito com estrutura nominal quantificada explícita (ambos os candidatos têm a mesma idade), foi aceite plenamente por oito informantes (40%), mas rejeitada liminarmente por sete, documentando uma divisão extrema dos falantes. A mesma frase com flutuação do quantificador (frase 1b) tem melhor aceitação: 13 informantes aceitam-na plenamente e só dois a rejeitam totalmente; esta é, aliás, a única frase do inquérito (das 26 relevantes) que tem aceitação plena de mais de metade dos informantes. Assim, observa-se que a flutuação de quantificadores parece ser um fator favorecedor da associação de ambos a leituras não distributivas (o que se confirma nas frases de todos os grupos analisados neste trabalho). A posição do elemento indutor da não‑distributividade (posição argumental ou predicativa vs. posição de adjunto) não foi testada para mesmo, mas foi-o para semelhante e também parece ser um fator gramaticalmente relevante, que merece maior exploração em trabalhos futuros. Com o elemento em causa em posição adjunta, a rejeição baixa consideravelmente: a frase 4a, com o adjetivo semelhantes como predicativo, foi rejeitada por 12 informantes, mas a frase 4b, com esse adjetivo num adjunto (de forma semelhante) já só o foi por quatro informantes; esta última frase, com uma aceitação plena de 45%, é, aliás, a que tem a segunda melhor classificação no inquérito.
Globalmente, perante estes dados, o mínimo que se pode dizer é que considerações de natureza estilística poderão determinar a preferência por construções em que se use os dois em vez de ambos nestes casos. Eu, por exemplo, prefiro-as fortemente.
2.2. Combinação de ambos com diferente e outros adjetivos simétricos
2.2.1. Dados de corpora
Comecemos por observar o adjetivo diferente na leitura relevante. Neste caso, a combinação com ambos em texto literário parece particularmente rara. No corpus Vercial, encontrei apenas um exemplo – (40). Já no cetempúblico há pelo menos 38 exemplos (cf. (41)-(42)), documentando alguma tendência para ignorar esta restrição gramatical:
- (40)
“Somos ambos dois irmãos De diferente condição.
O meu irmão vai à missa, Eu à missa não vou, não [...].
(Trindade Coelho, Os Meus Amores, 1891)
- (41)
“E na jornada de terça-feira ambas as equipas tiveram sortes diferentes.” (cetempúblico, ext1542303-des-95a-1)
- (42)
“Não há [...] concorrência [...], pois ambos dão resposta a problemas diferentes [...].” (cetempúblico, ext12688-eco-95b-2)
Pesquisei ainda dez outros adjetivos simétricos: compatível, incompatível, amigo, inimigo, aliado, rival, oposto, contrário, paralelo e empatado. No Vercial, há apenas dois registos (cf. (43)) e no cetempúblico 20 (12 dos quais com empatados com o sentido relevante, “empatados entre si”) – cf. (44)- (45):
- (43)
“[...] & dom Vasquo ho deixou ir liuremente [...], ficando ambos grandes amigos.” (Damião de Góis, Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, 1566)
- (44)
“Agora já trabalhamos com dois planos, ambos são compatíveis [...].” (cetempúblico, ext1163191-clt-soc-95a-1)
- (45)
“[...] tiveram [...] de disputar um duelo [...] para se decidir o vencedor [...], já que ambos haviam concluído os 72 buracos empatados [...].” (cetempúblico, ext421766-des-92b-2)
2.2.2. Resultados do inquérito a falantes nativos
No inquérito referido em 1.3, foram testadas quatro frases do tipo em apreço. Os resultados são dados no Quadro 5. O contraste entre as classificações de 5a e 5b mostra, mais uma vez, que a flutuação do quantificador é um fator que diminui a rejeição das leituras não distributivas, para alguns falantes. Na frase 5b, com flutuação, a aceitação plena é de 35%, uma das sete mais altas do inquérito.
2.3. Ambos em construções recíprocas
2.3.1. Dados de corpora
Encontram-se algumas abonações literárias do uso de ambos em construções recíprocas em textos a partir do século xvi (período mais recuado das pesquisas feitas). No corpus Vercial, há pelo menos seis registos de construções recíprocas com um... o outro (cf. (46)), quatro com entre si (cf. (47)), quatro com mutuamente (cf. (48)) e 16 com pronome recíproco (nos, vos, se) isolado, estes últimos obtidos na pesquisa de apenas uma seleção de dez verbos (abraçar-se, beijar-se, cumprimentar-se, ajudar-se, conhecer-se, completar-se, despedir-se, perdoar-se, entender-se, encontrar-se) – cf. (49).
- (46)
“Ambos olhamos um para o outro encarando as nossas figuras na sua verdadeira 'sência .” (Raul Brandão, O Pobre de Pedir, 1931)
- (47)
“Ambos os cônsules disputavam entre si o comando da guerra contra Viriato.” (Teófilo Braga, Viriato, 1904)
- (48)
“[...] o Chinês e o Japonês, que ambos mutuamente se tratam de bárbaros e de escória da Terra, só tinham tido até hoje um impedimento para se entredilacerarem [...].” (Eça de Queirós, Cartas Familiares, 1907)
- (49)
“Então ambos se apertaram num abraço que fundiu de novo, e para sempre, as duas almas apartadas.” (Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires, 1900.
Pesquisas no cetempúblico revelam uma frequência moderada da construção no registo jornalístico contemporâneo: há pelo menos 28 registos de ambos em combinação com um... o outro (cf. (50)), dez com entre si (cf. (51)), 15 com mutuamente (cf. (52)) e 51 com pronome recíproco isolado, no mesmo subconjunto de dez verbos (cf. (53)).
- (50)
“Ambos estavam muito próximos um do outro nos programas apresentados ao eleitorado.” (ext77328-pol-94a-2)
- (51)
“[...] Santana Lopes admitiu [...] que ambos deviam falar mais entre si e dentro do clube.” (ext912440-des-96a-2)
- (52)
“[...] ambos se acusaram mutuamente de impedir a resolução pacífica do conflito.” (ext965733-pol-93b-1)
- (53)
“Freitas do Amaral [...] cruzou-se na praia com André Gonçalves Pereira. Ambos se cumprimentaram com uma breve trocas de palavras [...].” (ext559410-pol-94a-1)
2.3.2. Resultados do inquérito a falantes nativos
No inquérito referido em 1.3, foram testadas seis frases do tipo em apreço. Os resultados são dados no Quadro 6. O contraste de classificações entre as frases 8a/b e 8c e entre 9a e 9b confirma que, para alguns falantes, a flutuação do quantificador é um fator que diminui a rejeição das leituras não distributivas. Foi ainda testada (e esta foi a única vez no inquérito em que isso foi feito) a diferença entre ambos com estrutura nominal quantificada explícita (8a) vs. ambos pronominalizado na posição canónica (i.e., não flutuante) (8b); embora haja alguma melhoria, a pronominalização só por si não parece ser um fator tão relevante como a flutuação. O eventual peso deste fator necessita de maior estudo. Note-se ainda que é atingida uma média de aceitação plena de 40%, uma das quatro mais altas do inquérito, na frase 9b, em que, cumulativamente, a marcação da reciprocidade é feita apenas com clítico e há flutuação do quantificador.
2.4. Combinação de ambos com em conjunto, juntos e formas adverbiais afins
2.4.1. Dados de corpora
Esta combinação é pouco frequente em registos escritos e é a que tem o nível mais baixo de aceitação entre os falantes contemporâneos.
No corpus Vercial, há cinco registos de ambos combinado com o advérbio juntamente (cf. (54)) e seis com juntos em posição adverbial (cf. (55)), não tendo sido encontradas combinações de ambos com em conjunto ou conjuntamente.
- (54)
“A mesma lousa a ambos abrigava, A pastar ambos iam juntamente” (António Dinis da Cruz e Silva, Poesias, 1807)
- (55)
“[...] diálogo em que se contaram tudo o que haviam feito desde aquele dia em que ambos tinham voltado juntos da feira dos Caniços.” (Trindade Coelho, Os Meus Amores, 1891)
Nesse corpus surge ainda com alguma frequência (mais de 20 registos) a sequência, que parece ter caído em desuso, ambos juntos (e, em textos mais antigos, juntos ambos); em textos do século xvi, há bastantes registos desta combinação – cf. (57).
- (56)
“João Pires imitou a evolução do seu camarada. Num relance achou-se ao pé dele, e ambos juntos aproximaram-se do hortelão.” (Alexandre Herculano, O Monge de Cister)
- (57)
“[...] ou pode ser que fosse Pero Mascarenhas no batel de Sebastiam Rodriguez Berrio, & que ambos juntos fallassem aho Conde.” (Damião de Góis, Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, 1567)
Estas ocorrências permitem conjeturar que, historicamente, a associação de ambos a interpretações claramente grupais tenha sido canónica, tendo posteriormente havido mudança linguística. Naturalmente, só estudos mais amplos de fases anteriores da língua poderão confirmar ou infirmar esta conjetura.
No cetempúblico, há pelo menos 19 registos de ambos em combinação com em conjunto (cf. (58)), cinco em combinação com conjuntamente e 20 em combinação com juntos em posição adverbial (cf. (59)).
- (58)
“[...] Stravinski e Roerich [...] mantiveram boas relações de trabalho durante a criação de ‘A Sagração’; [...] ambos trabalharam em conjunto sobre o argumento [...].” (ext1548909-clt-94a-1)
- (59)
“Ambas as águias voaram depois juntas para o presumível festim.” (ext374162-clt-soc-93a-1)
Não há qualquer registo no cetempúblico das sequências ambos juntos ou juntos ambos, que parecem efetivamente ter caído em desuso.
2.4.2. Resultados do inquérito a falantes nativos
No inquérito referido em 1.3, foram testadas três frases do tipo em apreço: duas com em conjunto e uma com juntos aplicado adverbialmente ao verbo trabalhar. Os resultados são dados no Quadro 7 e mostram claramente uma rejeição por parte dos falantes contemporâneos. Com efeito, nenhum dos informantes classificou como plenamente aceitável nenhuma das três frases.
2.5. Combinação de ambos com predicados verbais quase‑divisíveis e indivisíveis
2.5.1. Dados de corpora
Como ilustração da classe dos predicados quase-divisíveis, considerei verbos (pronominais e não pronominais) correspondentes a seis lemas de pesquisa: juntar, unir, reunir, combinar, conjugar, congregar. Alguns são quase-divisíveis no primeiro argumento – juntar-se, unir-se, reunir-se, combinar, conjugar, congregar, juntar –, outros são quase-divisíveis no segundo argumento – reunir, combinar, juntar. O corpus Vercial tem apenas três registos, um com juntar-se e dois com unir-se:
- (60)
“Ambos se juntaram para me assassinar [...].” (Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra, 1846)
- (61)
“Consinto que ambos se amem, que ambos se unam.” (Filinto Elísio, Versos, 1817)
Já o cetempúblico tem pelo menos 27 registos da construção, sendo os mais comuns com o verbo combinar (dez registos). Aparentemente, há, pois, alguma tendência para ignorar a restrição gramatical que determina a incompatibilidade de ambos com predicados quase-divisíveis no argumento relevante.
- (62)
“[...] esta não é a primeira vez que ambas as vozes se reúnem [...].” (ext1201894-soc-98b-1)
- (63)
“E ambos se uniram ainda contra a injustiça de um sorteio que dita um jogo destes na primeira eliminatória [...].” (ext1310583-des-94b-2)
- (64)
“Ambos os responsáveis governamentais combinaram uma visita de uma delegação [...] a Moçambique [...].” (ext1341731-eco-95b-1)
A situação é um pouco distinta com predicados indivisíveis. Com predicados como os três que escolhi para ilustrar a classe (somar, totalizar e perfazer), o uso de ambos é gerador de forte sensação de anomalia. Não há registos desta combinação no corpus Vercial. No cetempúblico, há cinco registos, um deles – (66) – especialmente estranho, por estar adicionalmente acompanhado da expressão em conjunto.
- (65)
“A segunda fase do Parque [...] tem uma área idêntica à da primeira, somando ambas cerca de 90 hectares [...].” (ext791368-soc-95a-2)
- (66)
“[...] Cristóvão Leitão rodeou-se de um navegador e mecânico experientes, [...] Rafael Tibau e [...] Jose Lopez – ambos em conjunto somam já nove presenças na prova.” (ext995170-des-95b-2)
Não foram pesquisados outros verbos, nomeadamente os que geram ambiguidades entre leituras distributivas e grupais, como comprar (cf. (8b), secção 1.2). A leitura grupal com estes predicados também parece muito rara, embora surja por vezes, possivelmente com forte sensação de anomalia, como no seguinte exemplo do cetempúblico:
2.5.2. Resultados do inquérito a falantes nativos
No inquérito referido em 1.3, testei sete frases do tipo em apreço: duas com o predicado quase-divisível juntar-se, duas com o predicado quase-divisível combinar e três com o predicado indivisível somar (uma delas, 16c, combinando dois fatores bloqueadores, somar em conjunto). Observa-se que: (i) a aceitação de ambos com predicados indivisíveis é mais baixa do que com predicados quase-divisíveis; (ii) a flutuação de quantificadores melhora geralmente a aceitação, como noutros contextos anteriormente observados; (iii) é atingida uma aceitação plena de 35%, uma das sete mais altas do inquérito, na frase 15b, em que, cumulativamente, o predicado grupal é combinar e há flutuação de quantificador. Os resultados são sintetizados no Quadro 8 abaixo.
3. CONTEXTOS SINTÁTICOS EM QUE AS RESTRIÇÕES AO USO DE AMBOS EM LEITURAS GRUPAIS NÃO SE APLICAM
As restrições ao uso de ambos em leituras grupais parecem não aplicar-se, ou pelo menos não ser sentidas como tão fortes, em certos contextos sintáticos. Considerarei aqui três situações especialmente interessantes.
3.1. Anáforas de ambos em justaposição, coordenação, subordinação e aposição
Na tendência para não associar ambos a leituras grupais são evidentes fenómenos de localidade. Com efeito, as restrições só parecem ser atuantes na própria frase em que ocorre ambos de forma explícita – cf. (68). Não se aplicam se a expressão que induz a leitura grupal – e, portanto, a incompatibilidade como ambos – ocorrer numa frase justaposta, coordenada (cf. (69)) ou subordinada adverbial, substantiva ou adjetiva não restritiva (cf. (70)-(71)), ou ainda num aposto (cf. (72)), associada a uma categoria vazia – [] – ou pronominal anafórica do SN com ambos. Por outras palavras, elementos anafóricos de SNs com ambos (em contextos de justaposição, coordenação, subordinação ou aposição) não estão sujeitos às restrições que afectam os seus antecedentes com ambos explícito. Vejamos.
- (68)
(*)[Ambos os jogadores] conversaram um com o outro animadamente.
- (69)
[Ambos os jogadores]i estiveram no balneário e []i conversaram um com o outro animadamente.
- (70)
[Ambos os jogadores]i estavam bem dispostos, depois de []i terem conversado um com o outro animadamente.
- (71)
[Ambos os jogadores]i disseram aos jornalistas que []i tinham conversado um com o outro animadamente.
- (72)
[Ambos os jogadores]i, []i em conversa um com o outro, chegaram à conclusão de que estavam a ser pouco valorizados pelos seus clubes.
Seguem-se alguns exemplos do cetempúblico. As construções não são de modo algum problemáticas.
- (73)
“[Ambos]i analisaram o filme e []i repararam independentemente no mesmo erro.” (ext606082-clt-soc-95b-2)
- (74)
“[Ambas]i vão dar ao mar e []i fazem esquina uma com a outra no novo bairro [...].” (ext494434-pol-92a-1)
- (75)
“[...] [ambas as partes]i estipulavam que []i deveriam ‘promover conjuntamente [...] as necessárias diligências [...]’ [...].” (ext351056-clt-93a-1)
- (76)
“[...] o embaixador [...] e o seu conselheiro [...] comprometeram-se [ambos]i a []i ‘conjugar esforços [...]’ [...].” (ext1331067-nd-93b-2)
3.2. SNs com ambos em posição adnominal
Trata-se de um contexto muito interessante, ilustrado em (77b) e (78b), e, tanto quanto sei, não destacado na literatura.
Nestes casos (ao contrário dos referidos na secção 3.1), o SN com ambos ocorre dentro da mesma estrutura predicativa que a expressão que induz o valor grupal (a forma recíproca conversar um com o outro e a expressão adverbial juntos, nos exemplos acima). Porém, e esta é a curiosidade da construção, o efeito bloqueador parece não se verificar de todo, ou ser pelo menos muito atenuado, sendo as frases b de (77) e (78) sentidas como muito melhores que as frases a. Estas duas frases fazem, aliás, parte do inquérito referido na secção 1.3 e os resultados são claros: a frase os advogados de ambos os jogadores conversaram um com o outro tem 15 aceitações plenas e apenas duas rejeições (vs. apenas uma aceitação plena da sua contrapartida em (77a)); a frase cientistas de ambas as empresas trabalharam juntos nesse projeto tem 17 aceitações plenas e apenas uma rejeição (vs. nenhuma aceitação plena da sua contrapartida em (78a)). A razão para a melhor aceitação parece residir na posição adnominal (como complemento ou modificador) do SN que contém ambos, posição em que aparentemente não há a mesma sensibilidade às restrições que têm vindo a ser discutidas. Os aspetos sintático-semânticos técnicos do sistema de processamento necessários para dar conta desta diferença serão deixados para investigação futura.
Seguem-se exemplos de texto literário e jornalístico (envolvendo os cinco contextos críticos analisados na secção 2).
- (79)
“[...] [a origem [delas ambas]] provém do mesmo anátema [...].” (Teófilo Braga, As Lendas Cristãs, 1892)
- (80)
“[...] [os técnicos [de ambas as partes]] chegaram a diferentes conclusões [...].” (cetempúblico, ext1365418-soc-95b-1)
- (81)
“[O cuidado [de ambos]] era saber se tinham pensado um no outro [...].” (Eça de Queirós, Últimas Páginas, 1912)
- (82)
“[...] [os modelos [de ambos os construtores]] passaram a ser concebidos em conjunto.” (cetempúblico, ext1505755-des-94b-1)
- (83)
“Continua a haver o perigo de [extremistas [de ambos os lados]] se unirem.” (cetempúblico, ext302295-pol-91b-2)
3.3. SNs com ambos dependentes de nomes relacionais
Um terceiro contexto em que ambos é inquestionavelmente compatível com leituras grupais é dentro de complementos de nomes relacionais como, entre muito outros, amizade, amor, namoro, casamento, divórcio, relacionamento, relação, ligação, colaboração, acordo, negociações, diálogo, conversa, encontro, discussão, zanga, diferendo, divergência, conflito, confronto, luta, duelo, guerra, tipicamente introduzidos pela preposição entre (ou, por vezes, de – cf. (86)). Nestes casos, apesar do evidente valor grupal, a combinação com ambos tem plena aceitação, e há variação livre com os dois. Trata-se, pois, de um contexto excecional, comparável com o de SPs adjuntos com valor de Instrumento, do tipo de levantar algo com ambas as mãos (cf. (11)), que também tem plena aceitação em leituras grupais. Este contexto é especialmente interessante pela sua elevada frequência, havendo largas centenas de registos no cetempúblico. Pode-se talvez conjeturar que a existência de estruturas de elevada frequência em que ambos se associa a um valor grupal é a razão de as restrições referidas na secção 2 não serem categóricas para muitos falantes.
Observe-se um exemplo de texto literário, em (84), e dois de texto jornalístico, em (85)‑(86):
- (84)
“A conversa entre ambos teve toda a intimidade da de dois afectuosos amigos.” (Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais, 1868)
- (85)
“As negociações entre ambos os países estão agora interrompidas devido a estas divergências.” (cetempúblico, ext953904-soc-91b-2)
- (86)
“[...] Linda conheceu Paul em 1967 e do casamento de ambos, em 1969, nasceram três filhos [...].” (cetempúblico, ext519465-nd-98a-3)
Note-se ainda que nomes cognatos de adjetivos simétricos como diferentes ou incompatíveis (que, como vimos, tendem a bloquear o uso de ambos) ocorrem com plena naturalidade nesta posição adnominal, o que dá força à conjetura acima formulada de que a existência de ambos grupais canónicos pode interferir na aceitação de ambos nos contextos críticos estudados na secção 2. Seguem-se dois exemplos do cetempúblico:
- (87)
“O resultado final traduz a diferença entre ambas as equipas [...].” (ext717001-des-92a-2)
- (88)
“A incompatibilidade entre ambos traduzia-se no facto de o utilizador ter que comprar um modem com [...] tecnologia de 56K [...].” (ext1194678-com-97b-1.
Note-se finalmente que também parece haver plena aceitação de ambos em leituras grupais com certos predicados verbais que aceitam a preposição entre em expressões deles dependentes (em ligação ou não a este tipo de nomes relacionais).
- (89)
“Então [...] um violento combate se travou entre ambos.” (Alexandre Herculano, Eurico, o Presbítero, 1844)
-
(90) “[...] repugnava-lhe a [...] ideia de se confessar desleal ao pacto celebrado entre ambos.” (Alexandre Herculano, O Monge de Cister, 1848)
-
(91) “Será isto vingança combinada entre ambas?” (Júlio Dinis, Um Segredo de Família, 1860)
-
(92) “[...] o que leva a CGTP a falar de uma acção concertada entre ambos.” (cetempúblico, ext458816-soc-94b-1)
No inquérito referido na secção 1.3, inseri uma frase para testar a sensibilidade a esta construção com predicados verbais quase-divisíveis: combinaram entre ambos uma visita ao centro de acolhimento (equivalente à forma com recíproco combinaram entre si). Esta frase teve 15 aceitações plenas e apenas duas rejeições (vs. sete aceitações plenas e cinco rejeições da sua contrapartida sem entre: combinaram ambos uma visita ao centro de acolhimento)
4. CONCLUSÕES
O uso de ambos, forma que predomina no discurso escrito e é relativamente menos comum na oralidade, é fonte de extraordinária variação no português europeu contemporâneo. Essa variação é patente nos juízos de falantes nativos altamente escolarizados, como observado no inquérito realizado a 20 linguistas, com resultados documentados nos Quadros 4 a 8. A análise de texto literário dos últimos 500 anos e de texto jornalístico contemporâneo (cf. Quadros 9 a 11, no Anexo) e o cotejo dos dados com observações em algumas gramáticas, dicionários, instrumentos de normalização linguística e textos de especialidade evidencia um quadro gramatical complexo e particularmente instável.
Contemporaneamente, o quantificador ambos parece ter-se especializado, ou estar a especializar-se, em contextos com leituras distributivas, bloqueando – em contraste com o seu equivalente os dois – a ocorrência na generalidade dos contextos de leituras grupais, alguns dos quais estão documentados mesmo em textos literários não muito antigos. É o que tem sido destacado na literatura, em particular nos trabalhos de Peres (, , ) e . Sobrevivem, porém, com plena aceitação, alguns contextos de elevada frequência em que ambos se associa a grupalidade: com predicados divisíveis (os livros cabem ambos na pasta), em adjuntos com valor de instrumento (ele levantou a caixa com ambas as mãos), como complemento de nomes relacionais (uma conversa entre ambos) ou genericamente em posições adnominais (cientistas de ambas as empresas trabalham juntos). Porventura em contraciclo, da minha experiência no ensino universitário, observo entre as gerações mais jovens algum relaxamento das restrições ao uso de ambos e uma melhor aceitação de construções em princípio anómalas, como algumas das estudadas neste trabalho. Trata-se apenas de uma impressão, que terá de ser fundamentada com inquéritos futuros.
Cinco contextos com ambos associado a leituras não distributivas foram investigados. O primeiro envolve mesmo e expressões afins: nele o quantificador ambosocorre com frequência relativamente elevada em corpora e tem aceitação dos falantes nativos inquiridos também relativamente alta, ainda que abaixo dos 50%, para os exemplos avaliados (exceto numa frase). Em relação aos restantes quatro contextos investigados, as aceitações plenas são baixas, variando entre 0% e 20%: com adjetivos simétricos (15%), em construções recíprocas (13%), com adjuntos indutores de grupalidade (0%) e com predicados quase-divisíveis (20%) e indivisíveis (8%). Nestes casos, há fortíssimas reservas ao uso de ambos, ainda que a observação do corpus Vercial mostre que a possibilidade foi explorada, com alguma parcimónia (e com frequência distinta para os diferentes contextos), em texto literário português e ocorra ainda, também com maior ou menor frequência, em texto jornalístico contemporâneo.
Foram observados alguns fatores que parecem atenuar a rejeição das frases com leituras grupais por parte dos falantes nativos, nomeadamente a ocorrência de amboscomo quantificador flutuante. Tiveram aceitação plena relativamente alta ou média quatro das sete frases com ambos flutuante (uma com 65%, uma com 40% e duas com 35%), mas as outras três tiveram classificação baixas (duas com 20% e uma com 5%). Em relação aos predicados verbais, os indivisíveis (do tipo de somar, totalizar ou perfazer) são os que mais consistentemente inibem o uso de ambos.
Observou-se ainda que as restrições em causa estão sujeitas a fortes requisitos de localidade, operando apenas de forma plena se os elementos relevantes (o quantificador e o elemento indutor da grupalidade) estiverem dentro da mesma frase ou estrutura predicativa, isto é, não operando em elementos anafóricos de SNs com ambos “através de fronteiras” criadas por justaposição, coordenação, subordinação ou aposição. Adicionalmente, há casos em que as restrições não atuam, mesmo quando os dois elementos coexistem na mesma frase, nomeadamente quando ambos ocorre dentro de adjuntos adnominais.
Corpora consultados
10
[Linguateca] Projeto AC/DC (Acesso a corpos/Disponibilização de corpos) http://www.linguateca.pt/ACDC/ [01/2023-09/2023]
Notas
[1] Por exemplo, ambos quase não ocorre (apenas dois e um registos, respetivamente) nos seguintes dois corpora orais da Linguateca: (i) Português Falado – Documentos Autênticos (textos orais transcritos, 106.881 palavras); (ii) C-Oral-Brasil (português brasileiro oral informal, 263.937 palavras).
[2] Não foram consideradas estruturas em que entre os e dois intervêm demonstrativos como outros, tais, mesmos [3.359 registos] e formas adjetivais como primeiros, últimos, próximos, únicos, restantes, seguintes [7.239 registos], que não coocorrem, ou raramente coocorrem, com ambos.
[3] Para DEM dois, foram pesquisadas sequências com estes, esses e aqueles imediatamente antes de dois, ou com pronomes possessivos (POSS) interpolados. Para o PB, onde o possessivo não é geralmente precedido de artigo ou demonstrativo, fizeram-se ainda pesquisas com dois precedido apenas por pronomes possessivos. Tiveram-se sempre em conta tanto formas masculinas como femininas. Os números são aproximados, porque a pesquisa automática gera (muito residualmente) alguns registos irrelevantes.
[4] Para este trabalho, foi consultada (até setembro de 2023) a versão cetemPúblico 1.7 v. 11.5. Entretanto, os responsáveis pela Linguateca fizeram uma revisão profunda do corpus, eliminando repetições que existiam. A versão disponível do corpus em 03.04.2024 (cetemPúblico 2.0 v. 12.2), data da revisão das provas tipográficas deste artigo, passou a ter 195.364.334 palavras, e 29.639 registos de ambos (152 em cada milhão de palavras).
[5] Fizeram-se pesquisas com a fórmula ambos seguido (ou não seguido) imediatamente de os, estes, esses, aqueles, eles. Tiveram-se sempre em conta tanto formas masculinas como femininas. Os valores totais são aproximados, porque pode haver um número residual de registos irrelevantes.
[6] Não tentei apurar a proporção de ambos flutuante e não flutuante, mas as duas formas são frequentes.
[7] Cf. para uma caracterização formal destas propriedades. Atente-se especialmente no seu quadro da página 361, que sintetiza a distribuição de ambos (e os dois).
[8] Esta salvaguarda é necessária porque os recíprocos não requerem sempre que a relação relevante se estabeleça entre todos os pares de átomos associados à entidade grupal relevante sem exceção. Por exemplo, num universo de seis crianças, uma frase como as crianças bateram umas nas outras, não requer, para ser considerada verdadeira, que a relação "bater (x,y)” envolva necessariamente todos os 30 pares ordenados possíveis.
[9] Penso que a frase com ambos é mais natural, na leitura grupal, com flutuação do quantificador: os volumes cabem ambos na pasta: fica cada um no seu compartimento.
[10] A não distributividade das construções com mesmo pode ser vista, por exemplo, através da sua incompatibilidade com conjunções descontínuas estritamente distributivas (e.g., tanto... como): *Tanto o Manuel como o Miguel leram o mesmo livro. ()
[11] Docentes universitários ou investigadores, doutorados, da área da Linguística, que exercem a sua atividade na região de Lisboa, com idades compreendidas entre 35 e 65 anos, aproximadamente.
[12] Dois falantes classificaram a frase ambas as parcelas somam 12 (sem flutuação) como ligeiramente melhor do que a frase as parcelas somam ambas 12 (com flutuação) – cf. Quadro 9, secção 2.5.2. Foi a única exceção observada.
[13] Nas contagens referidas nesta secção 2 (e incluídas nos Quadros 9 a 11 do Anexo), não foram incluídas ocorrências nos contextos excecionais referidos na secção 3.
[14] Curiosamente, na Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza (1822/1881), de Jeronymo Soares Barbosa, para ilustrar o valor de ambos, é dado um exemplo com mesmo: S. Pedro e S. Paulo consummaram ambos em Roma o seu martyrio no mesmo anno e no mesmo dia, um pela cruz, outro pela espada.
[15] Não foram quantificadas separadamente as ocorrências destes adjetivos nas diferentes posições em que eles ocorrem (predicativas [ambos são iguais], argumentais [ambos têm sentimentos iguais], adjuntas [ambos foram tratados de igual forma]), mas há exemplos de todos estes subtipos no cetemPúblico. As posições adjuntas são as que parecem ter melhor aceitação – cf. 2.1.3 adiante.
[16] Importará testar variações na posição de mesmo (e.g., [o mesmo médico]SN‑SUJ tratou ambos os pacientes; ambos os políticos confiam [no mesmo candidato]SP‑argumental; ambos os políticos assinaram o documento [no mesmo dia]SP-não argumental) e bem assim variações na posição do SN com ambos (e.g., ele tratou [ambos os processos]SN-OD da mesma maneira; o mesmo médico tratou [de ambos os pacientes]SP-argumental; o réu declarou o mesmo [em ambas as ocasiões]SP não-argumental).
[17] Destes 27 registos, 17 envolvem grupalidade no argumento externo (dois com unir-se, um com reunir-se, dois com juntar-se, dois com juntar, nove com combinar, um com conjugar) e dez, grupalidade no argumento interno (cinco com reunir, um com combinar, quatro com juntar). A eventual relevância de unidades lexicais específicas, por efeitos idiossincrásicos de frequência, ou outros, é uma questão em aberto – cf. diferenças de aceitação entre juntar-se e combinar no Quadro 8, adiante.
[18] Há ainda dois registos com somar combinado com a expressão adjunta entre ambos, o que parece aumentar fortemente a aceitabilidade (cf. observações no final da secção 5.3): “[...] entre ambos, Nick van Exel e Kobe Bryant só somaram nove pontos.” (ext885865-des-98a-1); “[...] entre ambos totalizariam pelo menos 90 por cento dos votos [...].” (ext1035761-pol-96a-1).
[19] Em orações adjetivas restritivas, as restrições parecem ainda aplicar-se. Considero bastante estranha uma frase como ambos os rapazes que conversaram um com o outro são adeptos do Benfica. No inquérito referido na secção 1.3, pedi uma classificação desta frase e o resultado foi: sete rejeições totais, três classificações como muito estranho, dois classificações como estranho e oito aceitações plenas.
[20] Assim, há contrastes entre frases muito semelhantes, como (i) – em que a vírgula sinaliza uma interpretação apositiva – e (ii):
[21] Legenda: dif (diferente); sim (dez adjetivos simétricos: (in)compatível, amigo, inimigo, aliado, rival, oposto, contrário, paralelo, empatado); um (um... o outro); ent (entre si); mut (mutuamente); se (pronome recíproco usado isoladamente, em dez verbos: abraçar-se, beijar-se, cumprimentar-se, ajudar-se, conhecer-se, completar-se, despedir-se, perdoar-se, entender-se, encontrar-se).
Apêndices
Anexo (Quadros)
Os Quadros 9, 10 e 11 dão conta do total de ocorrências de ambos em cada um dos cinco contextos críticos analisados neste trabalho, nos corpora Vercial e cetempúblico. Distinguem-se quatro posições sintáticas: SNsujeito com ambos na posição básica, pronominalizado e não pronominalizado, SNsujeito associado a ambos flutuante e SNnão-sujeito com ambos. O número de registos resulta das pesquisas sistemáticas realizadas nos corpora referidos: tipicamente, foram procuradas todas as sequências com ambos antes ou depois dos elementos relevantes, com zero a oito palavras intercaladas, no caso de precedência, ou zero a cinco palavras, no caso inverso. Todos os resultados foram individualmente lidos e classificados.