NOTAS PRÉVIAS
Luís Gonzaga (1568-1591) e Estanislau Kostka (1550-1568), nasceram, respetivamente, na Casa de Gonzaga (Itália) e de Zakroczym (Polónia), e foram beatificados a 19 de Outubro de 1605 pelo Papa Paulo V (1550-1621), sendo os primeiros jesuítas a receber essa distinção. Em virtude da sua morte precoce foram expressão da necessidade da Igreja e da Companhia de Jesus terem santos protetores de jovens e estudantes, numa época em que os jesuítas se afirmavam no campo do ensino.
Mercê dos seus feitos terrenos e celestiais foram admitidos pela Igreja e, com essa legitimação, contribuíram também para a afirmação do novo instituto no âmbito devocional da Época Moderna. Na sequência desse primeiro reconhecimento e das preces de Michelangelo Tamburini (1648-1730), Geral da Companhia, foram conjuntamente canonizados, a 31 de Dezembro de 1726, por iniciativa do papa Bento XIII (1649-1730), como tem vindo a ser sublinhado por uma extensa historiografia, demasiado vasta para ser aqui elencada.
As primeiras festas foram realizadas em Roma, na "casa-mãe" da Companhia, e multiplicaram-se no ano seguinte, de Assistência para Assistência. Em Portugal, as celebrações do jubileu desses santos foram paulatinamente pensadas, o que justifica o desfasamento temporal que verificamos entre a chegada da notícia da canonização e as ditas comemorações. Muitos destes eventos não constituíram surpresa para os vários membros da Província Portuguesa, existindo uma clara necessidade de assegurar um programa festivo sólido, que despertou os vários sentidos dos crentes, sustentado nas práticas romanas e em modelos de santidade que se afirmaram primeiramente junto da Santa Sé.
As fontes que narram essas celebrações em Portugal, parcialmente aludidas ou tratadas por diversos autores, não foram, na nossa perspetiva, postas em diálogo, nem foram abordados alguns pontos de vista, como os do autor, do programa, da arquitetura e das máquinas e dos artifícios teatrais (; ; ; ; ; et al.). Por esses motivos, e após uma breve apresentação das celebrações em Braga, Santarém, Lisboa e Évora, procuraremos interpelar cada uma das narrativas, por forma a chegar a conclusões sobre cada um dos anteriores aspetos.
OS LUGARES
A canonização dos santos Luís Gonzaga e Estanislau Kostka foi comemorada, segundo variadas fontes manuscritas e impressas, em vários locais de Portugal, desde a "sempre fiel e augusta cidade de Braga" à "nobilissima & sempre leal cidade de Évora". Segundo conseguimos apurar até à data, nos testemunhos manuscritos, há claras referências às efemérides organizadas pelos colégios de Coimbra, de Évora e de Vila Nova de Portimão. Essas remissões são, no entanto, desiguais relativamente ao seu tamanho e aprofundamento, não passando, em alguns casos, a meras alusões ao assunto.
Já nos impressos, destacam-se as narrativas das festas preparadas e concretizadas em Braga, Santarém, Lisboa e Évora, também com enfoques díspares, mas com maior unidade na apresentação, que parte, quase sempre, dos programas dos interiores, e que varia no que às descrições sobre os eventos no espaço público concerne.
Atendendo à diversidade de escrita, e à desigualdade de teor de todos estes registos, optámos, no sentido da coerência formal, por tratar apenas as festas constantes nas relações impressas, mais regulares, aludindo, pontualmente, e quando necessário, às informações sobre essas, e outras celebrações, veiculadas em fontes manuscritas.
Seguindo uma organização geográfica, de norte para sul, damos início a esta caracterização a partir do colégio de Braga, onde a boa nova parece ter chegado em Fevereiro de 1727, embora a celebração só viesse a ocorrer entre 27 e 30 de Julho desse ano, o que certamente se deveu à exigência dos preparativos da festa. No que a esses procedimentos diz respeito, contam-se as comemorações que tiveram lugar na igreja do colégio da Companhia, mas também as que se organizaram no espaço público, como foram aquelas com estudantes em torno de um mastro que se colocou no campo de Santiago, ou a procissão que se fez entre a Sé e o referido colégio, com detalhada descrição do cortejo e dos carros triunfais ().
Em Santarém, embora o relato afirme que a notícia chegou a 10 de Junho de 1726, o evento só deverá ter acontecido em Junho de 1727, uma vez que canonização só foi oficializada a 31 de Dezembro desse primeiro ano. E, conquanto tenha havido logo nessa data e a 29 de Agosto desse ano sinais dessa efeméride, as festas só tiveram lugar entre 27 e 29 de Setembro do ano seguinte. Para além das habituais celebrações no interior do colégio dos jesuítas, como várias missas e uma tragicomédia organizada pelos estudantes, foi ainda realizada uma procissão, composta por seis andores. Por fim, e ao invés do que nos foi dado a saber de outros casos, a festa parece ter sido particularmente dinâmica ao nível espaço público, com a realização de vistosos espetáculos pirotécnicos de luz e cor ().
Considerando que a notícia da canonização chegou a Lisboa nos primeiros dias de Agosto de 1727 e o facto de não temos a certeza das datas exatas em que ocorreram as celebrações, não é demais recordar que aqui o principal palco de atuação foi a casa professa de São Roque, onde foram organizados vários ofícios. No espaço envolvente, como se detalhará mais adiante, foram montados inúmeros engenhos e foram igualmente realizados espetáculos de luz e de cor. E, uma vez mais, dentro das informações disponibilizadas, sabe-se que se contou com a realização de uma aparatosa procissão ().
Em Évora, as cerimónias parecem ter tido lugar, segundo a informação presente no frontispício da narrativa, em Novembro de 1727, no colégio do Espírito Santo, quer na igreja, quer em outros espaços, onde os estudantes, à semelhança do que já acontecera em Santarém, também organizaram uma tragicomédia. Na via pública foi planificado um cortejo, com uma descrição bastante detalhada no que à composição dos carros triunfais refere, tal como ocorreu com a atenção que também foi dada na descrição dos carros de Braga e dos andores da festa de Santarém (; ).
Estas sínteses dos jubileus começam, portanto, por revelar que, independentemente de se estar na capital do então reino de Portugal, ou em pontos mais distantes, houve uma clara preocupação em migrar a festa do interior das casas dos jesuítas para o espaço público, não só para dar mostras da alegria vivida e da capacidade de dinamizar eventos deste tipo, mas também como modo de congregar diversos tipos de influências, ao convocar o poder local e outras ordens religiosas para as procissões e outros eventos de rua (fig. 1), (fig. 2) e (fig. 3); (fig. 4) e (fig. 5).
OS NARRADORES
Para mais ampla compreensão dos relatos que nos chegaram, importará analisar, ainda que brevemente, quem foram os seus autores e as possíveis motivações. Considerando todos os eventuais ajustes no discurso, impostos pela revisão atenta dos censores do Santo Ofício, como era usual na época, os vários textos não deixam de revelar o olhar de cada um dos redatores, bem como o objetivo primeiro de exaltar a Companhia de Jesus, através da detalhada descrição dos interiores das suas casas.
As narrativas confirmam, assim, a importância que os jesuítas tinham junto da corte portuguesa, seja por meio de várias alusões às constantes deslocações da família real e de nobres aos espaços da Companhia, seja pela criatividade e possibilidade de concretizar eventos com grande qualidade plástica, evidenciando os meios que os jesuítas tinham ao seu dispor.
Muitas destas exposições incluíram, em jeito de apêndice, os sermões efetuados nessas ocasiões, e casos houve onde a literatura panegírica foi impressa à parte. Em todos eles, e embora fora da abordagem à componente artística deste estudo, ressalta-se a importância da parenética, e o peso que esta tinha no cumprimento do objetivo maior destas celebrações – a apologia da vida dos santos Luís Gonzaga e Estanislau Kostka ().
No que refere ao relato de Braga foi redigido por João de Oliveira (1709-?), que assumiu logo no frontispício da obra em análise o facto de ser bracarense, e que, na licença para edição da mesma foi referido como sendo um "Apostolo da Companhia". Apesar de pretendermos saber mais acerca deste autor, não conseguimos localizá-lo nos Catálogos jesuítas, por forma a melhor entender o seu percurso e possíveis motivações para a redação deste relato (). Contudo, o tom laudatório do seu discurso e o abundante recurso à adjetivação foi expressão de quem nutria especial admiração pela instituição e de quem estava ciente da missão que desempenhava. Afirmações como "se admirava por toda a Igreja do Collegio huma sumptuosa armação, em que parece se exhaurio o engenho Bracarense" [p. 4] denota a importância que este jesuíta dá ao facto de se ter concretizado a obra na sua terra natal. E, embora desconheçamos até onde interveio na preparação de alguns dos múltiplos eventos que ocorreram em torno desta celebração, certo é que foi através da sua palavra que este acontecimento chegou aos nossos dias.
Relativamente às narrativas das festas de Santarém e de Lisboa, não conseguimos apurar até à data quem foram os seus autores, nem tão-pouco consubstanciar a possibilidade de se tratar de membros da Companhia de Jesus, como era frequente. A ausência de expressões indicadoras de familiaridade relativamente à instituição e o discurso aparentemente distanciado do evento, conduzem-nos antes, e somente, a uma exposição preparada para deixar transparecer a idoneidade do autor. Todavia, mesmo nesse discurso parcialmente isento porque laudatória, consegue-se compreender o poder e a capacidade que os jesuítas tinham, ao realizarem tais aparatos, muitas vezes ideados e comissionados pelos seus membros, e o grau de deslumbramento causado aos autores. Comprova essa admiração, a alusão ao "applauso de huma gloria, que por muitos séculos illustrará a Companhia" nas festas scalabitanas [p. 3], ou a remissão para a possível descoberta de veios de prata e ouro no interior da "Nova América", visível nos gastos da vistosa decoração da igreja de São Roque de Lisboa [p. 2]. Esse discurso evidencia também um modelo de relato, pelo facto de encontrarmos expressões idênticas nas narrativas. Compare-se, pois, a exposição das festas de Santarém, onde a propósito de uma pintura se refere que era "obra na verdade de tal primor, que se os antigos a alcançarão, deixaram sem duvida de celebrar os famosos Apelles, Zeuxis, e Parrharios [Parrasio]." [p. 12], expressão muito similar àquela usada na relação de Córdova (Espanha), onde se alude a uma composição de D. Catalina de Villa Zevallos, "cuya aguja, pincel mas valiente, que el Zeuxis, de Apeles, y de Timantes" ().
Já os relatos das festas de Évora, redigidas por João de Gusmão (1695-1781), indicam o envolvimento de um autor da Companhia, à semelhança do que ocorreu com a narrativa das cerimónias de Braga. Com efeito, tratou-se de um conjunto de solenidades narradas por um jesuíta nascido em Almodôvar, a 6 de Novembro de 1695, à data diocese de Évora, que terá ingressado na Companhia de Jesus em 1710, e que em 1727 terá fica maravilhado com o engenho da efeméride. Gusmão foi um dos padres que a seguir à supressão da Companhia em Portugal, em 1759, foi desterrado para Itália, onde desempenhou funções de Assistente do Padre Geral, em Roma, e onde veio a falecer a 14 de Fevereiro de 1781 (Russo, Trigueiros 2013, 380). Na sua escrita deve-se salientar o mesmo tom panegírico dos anteriores autores, ao exaltar o empenho e a magnificência com que as festas da Companhia desafiavam "o primor da arte com o preciozo do ornato" [].
Corrobora também esta prática laudatória a relação eborense redigida por Brás de Andrade (1701-1782), outro membro da Companhia de Jesus, natural de Alpalhão, nascido a 8 de Fevereiro de 1701, e autor da Relaçam do Apparato Triunfal & Procissão Solemne, com que os P.P. da Companhia de JESUS do Collegio de Evora applaudiraõ publicamente aos Gloriozos S. Luiz Gonzaga, e Stanislao Kostka. No que ao tom usado nesta relação diz respeito, destaca-se a tentativa de se distanciar da narrativa, referindo-se aos padres da Companhia na 3.ª pessoa, como se pode reconhecer na seguinte citação: "Prevendo algum tempo antes os Religiosos da Companhia este unanime alvoroço" (). Esse jesuíta, que também terá ingressado na Companhia de Jesus em Évora, a 2 de Dezembro de 1716, foi, à semelhança do que aconteceu com outros da sua geração, desterrado para Itália, tendo residido em Roma e em Frascati, onde morreu a 2 de Junho de 1782 (Russo, Trigueiros 2013, 112-113).
Amplia ainda o leque de membros deste instituto religioso a redigir sobre estas festas, o ilustre padre António Franco (1662-1732), nascido em 1662 em Montalvão, que ingressou na Companhia de Jesus em 1677, e que foi autor de importantes obras como Évora Gloriosa, Synopsis Annalium Societatis Jesu ou o Ano Santo da Companhia, entre outras. Foi a este jesuíta que se deveu a obra manuscrita Imagem do 2.º Século da Companhia de Jesus, que surge no seguimento de outro, Imagem do 1.º Século da Companhia de Jesus, que ainda não foi possível localizar, onde são reportadas as festas da canonização de Évora, Coimbra e Vila Nova de Portimão. Na Imagem do 2.º Século o padre Franco narra na 1.ª pessoa, e afirma: "Em Evora, onde eu vivia, o oitavario acresceu hum dia especial, que pediram os estudantes pera festejar ao Sancto Gonzaga, como protector de todos os estudos da Companhia", confirmando a autoria do manuscrito. Se António Franco não tivesse morrido em 1732, este tomo, à semelhança do que aconteceu com as obras Imagem da virtude em o noviciado da Companhia de Jesus do Real Collegio do Espirito Santo de Evora do Reyno de Portugal (1714), Imagem da virtude em o Noviciado da Companhia de Jesu na corte de Lisboa (1717) e Imagem da virtude em o noviciado da Companhia de Jesus no Real Collegio de Jesus de Coimbra em Portugal (1719), provavelmente teria sido dado à estampa ().
OS PROGRAMAS
O programa das diversas festas mencionadas dividiu-se na ação litúrgica, mas também em outros atos performativos e de natureza artística, que interessam particularmente neste estudo. Segundo um relato manuscrito, à guarda da Biblioteca Nacional de Portugal, começou-se por ordenar "que na caza de São Roque de Lisboa, nos collegios de Coimbra, e Evora se fizesse oitavario, avendo nos oito dias vesperas e missas cantadas, e pregaçam". Para além dessas tipologias litúrgicas, que fixam dias, as fontes manuscritas e impressas aludem, por diversas vezes, ao tríduo, que também fixa uma celebração em três dias. Nos colégios pequenos foi ordenado que se comemorasse a efeméride num só dia, mas no de Vila Nova de Portimão, a comemoração durou três dias, por ser essa a vontade do conde de Unhão, governador do Algarve.
Outro aspeto importante para a compreensão da forma destes programas é o que reporta ao facto de que estes ofícios litúrgicos já terem sido estabelecidos em outras festividades, ou replicarem modelos anteriormente ensaiados, como por exemplo, os das festas de beatificação e de canonização dos santos Inácio de Loyola e Francisco Xavier, em 1622, ou ainda os da beatificação de João Francisco Regis, em 1716. É revelador deste tipo de ação uma declaração de João de Oliveira na Relação das Festas com que o Collegio de Sam Paulo da Companhia de Jesus da Cidade de Braga... onde o autor confirma o recurso a uma oração proferida na canonização dos santos Inácio de Loyola e Francisco Xavier: "se solennizou a primeira Missa do Tríduo (...) aplicando aos dous Santos a seguinte Oração: Deus, qui glorificantes te glorificas, & in Sanctorum tuorum honoribus honoraris, &c. a qual se tinha já applicado em outro tempo aos santos Ignacio de Loyola, e São Francisco Xavier na sua Canonização" [p. 7].
Para maior complemento da ação festiva foram ainda realizados outros actos performativos e de natureza artística: como os teatros e as procissões, que permitiam uma maior participação na festividade. Enquanto que os teatros e as tragicomédias foram fenómenos essencialmente realizados nos interiores das casas jesuítas, já as procissões, percorreram as urbes e foram palco para a ação de membros de outras ordens religiosas e da sociedade em geral. Acerca desta primeira forma de expressão artística, foi indicado no Ratio Studiorum que as tragédias e comédias deviam ser raras e em latim, com teor sacro e piedoso, não havendo interlúdios sem ser nessa língua, nem vestes e personagens femininas, o que nem sempre aconteceu (). No que diz respeito às procissões no contexto da Companhia, observem-se as determinações constantes no Ritual de que usa a Companhia de Jesus e as solemnidades que a seu modo costuma celebrar em suas Casas e Colégios deste Reino de Portugal, pelo Irmão António Rodrigues da mesma Companhia, de 1646, publicado por Teresa Fonseca Rosa (), onde se infere que existiam normas rígidas para a realização destes atos.
Na relação das festas bracarenses foi publicado um extrato de um drama, em três atos, redigido em louvor de São Luís Gonzaga [pp. 165-217] e relatou-se a procissão, que contou com carros alegóricos e andores, e que também foi animada por um baile [pp. 115-151]. Em Coimbra, apesar da ausência de uma relação mais completa, sabemos que também foi realizada uma tragédia. Contudo, não conseguimos apurar se o autor que se reportou a essa tragédia se estaria a referir à obra Concors discordia sive amicum de gloriae primatu dissidium Castilionem inter, et Rostkovam... Aloysii Gonzagae, et Stanislai Kostkae Soc. Jesu... (Concors discordia... 1727), ou ainda a outra.
Em Santarém, foi representada uma tragicomédia, cujo teor desconhecemos, apresentada pela primeira vez a 14 de Julho e repetida mais quatro vezes, o que explica o sucesso e impacte que terá causado. Foi organizada pelos estudantes, que se responsabilizaram pelo ornamento de 24 figuras, aspeto que também nos dá a dimensão deste ato performativo [pp. 4-5].
Lisboa foi palco de uma procissão, que partiu de São Roque, realizada no último dia do oitavário, onde se fizeram representar as várias irmandades da igreja, que carregavam os andores. Embora este cortejo, ao contrário de outros, anteriores, não fosse tão pormenorizado na sua descrição, a sua enumeração informa-nos acerca da presença de charolas, que exibiam as imagens de São Roque e dos recém-canonizados Estanislau Kostka e Luís Gonzaga [p. 17].
Em Évora, na data da redação do manuscrito Imagem do 2.º Século da Companhia de Jesus, ainda se estava a preparar idêntica manifestação teatral, possivelmente para publicação, como se pode constatar nas palavras do narrador. Se esse drama foi aquele intitulado Ludovicus et Stanislaus, apresentado a D. Maria Bárbara de Bragança (1711-1758), futura princesa das Astúrias, na sua passagem por Évora, pela ocasião dos seus esposórios, ou não, é algo que ainda não sabemos. O que é certo é que este drama foi dado à estampa em 1728 e que focava as vidas dos recém-canonizados membros da Companhia (Ludovicus et Stanislaus, tragicomoedia 1728). Nessa cidade, o cortejo processional obedeceu aos usuais procedimentos e decorreu nas principais vias.
Quase todas as procissões, para além do cortejo pedestre, tinham desfiles a cavalo. Essa atividade estava vinculada a uma manifestação cultural, que, por sua vez, tinha uma origem clássica, e que na Época Moderna se reproduziu concretamente no contexto da festa religiosa, em Roma, aquando das tomadas de posse papais, como a Solene cavalcata di Innocenzo X e del suo corteo per la presa di possesso del Laterano (1644), a Cavalcata per il possesso di San Giovanni in Laterano di Clemente IX (1667) (), ou, entre outras, a Solenne cavalcata fatta nel felicissimo possesso preso da N. Signore papa Inocento XIII nella basilica di S. Gio Laterano (1721) (). Já em Portugal, este modelo teve particular expressão no contexto do “recebimento” das relíquias de São Roque de Lisboa, em 1588 (Brockey , ; ), bem como, no que às festas áulicas refere, na ocasião de alguns matrimónios, como o de D. Catarina de Bragança (1638-1705) com Carlos II de Inglaterra (1630-1685), em 1662, segundo se observa na obra gravada de Dirck Stoop ().
Numa outra perspetiva, fizeram também parte do modelo algumas ações de natureza propagandística, que recorreram à abundante utilização da iconografia dos santos, quer na sua vertente escultórica, quer nos diversos registos gráficos, sob a forma de pinturas, bandeiras e estandartes, que povoavam o espaço de festa. Veja-se, pois, a presença das esculturas destes veneráveis no interior das igrejas, geralmente, elevados em plintos ou tronos, como que destacados do mundo terreno.
Para a boa concretização desta ação os construtores deviam dominar os pormenores da vida de cada um destes santos, para poderem transpor corretamente a iconografia em variadíssimos suportes. Considere-se, então, que, entre outras obras, hagiográficas deveriam conhecer a Vida do Beato Luis Gonzaga, de Virgilio Cepàri (1564-1631), publicada em Portugal em 1610 (), a Vita del B. Stanislao Kostka della Compagnia di Giesv .Vita del B. Stanislao..., 1644) e a obra Della vita e miracoli del b. Stanislao Kostka della Compagnia di Giesù, de Daniello Bartoli (1608-1685) (), para além de estampas dos mesmos canonizados.
No mesmo contexto de hipóteses de conhecimento de fontes visuais, aqui equacionado por se desconhecerem reproduções gráficas das festas e porque as narrativas não detalham quais os modelos que as inspiraram, deve-se considerar o possível contacto com representações de excelência da imagem de Estanislau Kostka, como o conjunto escultórico referente à morte do beato para a igreja de Sant’Andrea al Quirinale, da autoria de Pierre Legros (1666-1719), ou relevo do altar de São Luís Gonzaga, na igreja de Sant’Ignazio, desenhado por Andrea Pozzo (1642-1709) e também esculpido por Legros.
Apesar de no relato de Braga não haver quaisquer referências a imagens, estas deverão ter existido. Em Santarém as esculturas de vulto foram realçadas no relato pelo "mimo do encarnado, proporção das cores, natural da ação, e talhe do vulto, além de serem Estatuas levantadas à gloria de seus Artifices" [p. 6], tendo sido exibidas na igreja e saído na procissão [p. 17]. Em Lisboa, por sua vez, as imagens dos santos foram descritas por terem sido colocadas no trono do retábulo-mor da igreja, enquadradas por um espaldar de tela, com ramos de ouro lavrados e com a representação de um pavão de prata, ladeado por dois pelicanos do mesmo material, ostentando roupetas bordadas de jóias e pedras preciosas [p. 3]. Por fim, na igreja do colégio do Espírito Santo de Évora, também se exibiu imaginária, neste caso envergando roupetas de seda, com muito ouro e pedras preciosas, o que aponta para a possibilidade de estas serem de roca ou então serem de vulto, mas vestidas, situação que não era inédita no contexto europeu [p. 6].
Comprova a ideia de um programa de imagem, a comparação com o que ocorreu nas festas do colégio de Salamanca, onde as imagens foram também vestidas e adornadas com sedas, ouro e prata, pelas principais senhoras da corte e nobres, conforme o que está expresso no capítulo "Adorno de las Imagenes de los Santos" da obra La Juventud triunfante (). É ainda possível que tenha sido a partir das festas da beatificação de Inácio de Loyola, entre 1609 e 1610, que modelo de exibir as imagens da Companhia tenha sido firmado, pois no Relato da festa da beatificação de Inácio de Loyola na Casa Professa de São Roque, de Lisboa, menciona-se que a imagem do patriarca estava entronizada, junto ao altar-mor, e que era estofada a ouro, com alcachofras. Na mão esquerda tinha o livro das Constituições, na direita uma cruz de prata e na cabeça ostentava um diadema de prata com um raiado de dourado (fig. 7) e (fig. 8).
Relativamente à presença de outros tipos de objetos artísticos, como volantes, pavilhões e bandeiras, igualmente eficazes para difundir a importância da Companhia, destaca-se, nas celebrações de Santarém, a existência de um pavilhão, pintado, bordado e adornado com passamanarias, onde sobressaía a "Rainha dos Anjos", que acolhia sob o seu manto protetor Estanislau Kostka e Luís Gonzaga [p. 12]. Em São Roque também foram exibidos vários volantes, que decoraram à fachada da igreja, tendo um deles por composição a oferta de uma inscrição latina a Cristo, novamente na presença dos dois santos [p. 5]. No que a este segmento artístico diz respeito, destaca-se ainda, na igreja do colégio de Évora, a existência de vários painéis pintados, um versando sobre São Luís Gonzaga diante de Nossa Senhora do Bom Conselho [] e outros colocados entre as capelas, com passos da vida de São Luís Gonzaga, na parte do Evangelho, e com os da vida de São Estanislau Kostka, na parte da Epístola []. Acresce a essa marcante presença da iconografia dos santos a exibição de um pano de porta pintado no anteparo, com a figuração de São Estanislau a apagar um incêndio, e de um pavilhão, também pintado, com a representação de Nossa Senhora, dando com a mão direita açucenas a São Luís Gonzaga e com a mão esquerda o Menino-Deus a São Estanislau Kostka []. De acordo com os episódios da vida do santo, a iconografia de Estanislau a apagar o incêndio remete para uma catástrofe que ocorreu na cidade de Léopol, cuja representação também se pode ver numa pintura à guarda do Museu Nacional Machado de Castro, de Coimbra (Inv.º P118). A figuração de São Luís Gonzaga a receber açucenas de Nossa Senhora, materializou, por sua vez, a inocência que o caracterizou, e que, como iremos observar mais adiante, foi uma das virtudes eleita para desfilar no cortejo das festas eborenses.
Por último, nesta avidez de vestir os espaços com bandeiras e estandartes, assinala-se a inclusão, no contexto das festas de Évora, de quatro bandeiras, duas com as armas da Companhia e outras duas com as do Cardeal D. Henrique (1512-1580), fundador da igreja e da Universidade []. E, apesar de nesta cidade as festas se terem concentrado no principal colégio, do Espírito Santo, também se indica que existiram manifestações de regozijo no colégio da Purificação20, onde se elevaram construções efémeras, decoradas com imagens de Estanislau Kostka e Luís Gonzaga, e com epígrafes e emblemas alusivos a esses santos []. A utilização destes recursos, e dos hieróglifos, em festas jesuítas era recorrente, desde as celebrações da beatificação de Santo Inácio de Loyola, entre 1609 e 1610 (). Nas festas de Lisboa foram colocados numa varanda os seguintes emblemas: 1) uma palma com a letra Bino Ex Lumine; 2) o Sol e a Lua com a letra Cæli maior honos; 3) o Parnaso com a letra Vtroque Cælum vertice e 4) Castor e Polux com a letra Geminæ salutares [p. 13],e, em Santarém, o corpo da igreja, para além de bordados "de galão de ouro de ordem Jonica; também tinha pendentes com emblemática [p. 10]. Em Granada, entre outros espaços da nação espanhola, estes recursos foram igualmente usados nas festas da canonização dos santos, como se pode avaliar na seguinte passagem: "Se coronaron los capiteles con vistosos Escudos; v de capitel à capitel corria su friso pintado al temple. Los espacios de columna à columna se llenaron con los hieroglyficos (...)" ().
Quanto à presença da sigla IHS, como emblema da Companhiam, e de outros elementos alusivos a Cristo, firmada, segundo diversos autores, na proliferação de gravuras da Glorificação do Nome de Jesus de Anthonis Sallaert (1594-16509, de c. de 1634, e na concretização do fresco Triunfo do Nome de Jesus, de Giovanni Battista Gauli, dito Baciccio (1639-1709), no Gesù de Roma, assinale-se a presença do estandarte triunfal das festas bracarenses, em tela dourada, com franjas e borlas, e haste de prata, onde se representava a imagem de Jesus Cristo, também em ouro [p. 118]. Em Santarém foi concebido um engenho pirotécnico constituído por duas rodas em forma de resplendor, que, em constante movimento, suportavam imóvel o "Santíssimo Nome de IHS" [p. 15]. A essas exaltações, podemos somar ainda a da ornamentação da empena da igreja de São Roque, onde se colocaram emblemas alusivos aos santos homenageados e onde se pintaram duas colunas que também sustentavam uma faixa com o "Nome Santissimo de JESUS" [p. 12]. E na cidade de Évora, por sua vez, o frontispício da igreja foi revestido por uma estrutura de grades, entre as quais se levantavam pedestais coroados de pirâmides, com luminárias e resplendores, com a invocação do Nome de Jesus [].
AS ARQUITETURAS
Relativamente ao tema da arquitetura, as narrativas das festas podem ser abordadas segundo duas perspetivas. Se, por um lado, são fontes de conhecimento das estruturas e da organização dos espaços, por outro, estas remissões são indicadoras do gosto arquitetónico vigente, materializado na criação de estruturas filiadas em modelos nacionais e internacionais, resultantes do conhecimento de Tratados de Arte e de outras obras efémeras. Esse saber, cruzado com a prática provinda de anteriores realizações de estruturas para eventos religiosos e civis, permitia que os criadores e executantes tivessem uma visão mais abrangente e logo uma maior capacidade de realizar armações.
Quanto ao primeiro assunto, saliente-se que na igreja do colégio de Braga são descritos os dez altares e respectiva ornamentação, e o um trono na capela-mor, que, aliás, ainda hoje se observa no local [p. 6]. Apesar dessa descrição não ser pormenorizada, permite, no entanto, visualizar o espaço entre panejamentos murários. E, a essa relação acresce ainda a alusão à existência de uma ampla janela, localizada no corredor que dava para o campo de Santiago [p. 154] e de uma torre, que "cahia para a livraria do mesmo Collegio" e que nos ajuda a localizar a zona onde se situava essa dependência [p. 157]. Em São Roque, para além das múltiplas alusões às capelas, varandas interiores, aos claustros e portaria, são mencionadas estruturas exteriores, como varandas, torres e a fachada da igreja [p. 11]. Aliás, no que refere às torres, que voltam a ser mencionadas a propósito de: "A varanda, que corre as torres, e respeita ao Norte" se ter revestido de luminárias, não devem ser confundidas com a torre sineira quadrada, localizada a Oeste [p. 13]. Esses elementos a par da localização/orientação dos mesmos possibilita um maior entendimento do que era, e por vezes ainda é, o edificado. Em Évora, onde também abundam referências às estruturas das capelas e aos elementos separadores, como a teia de pedra no coro [], sobressai à alusão ao refeitório, onde foi dada uma receção ao Cabido e a outros ilustres que participaram no cerimonial []. Com essas alusões vai-se para além da mera descrição, definindo-se a função dos espaços em apreço.
Relativamente ao segundo tema, das obras efémeras, cuja perenidade variava em função da durabilidade da festa destaque-se, desde logo, em Braga, a realização de uma armação em forma de arco triunfal, colocada na capela-mor da igreja, com atlantes, em cujos ombros "descansavam frisos de tela e cornijas douradas" [p. 4]. Este modelo de arco, filiado, desde muito cedo, nos do Extraordinario libro di architettura, de Sebastiano Serlio (1475-c.1554), foi expressão do conhecimento existente da produção de arcos romano e subsequente recreação dos mesmos, adaptados a uma nova urbe e recorrendo a novas fórmulas ornamentais (). No que aos atlantes refere, o exemplo também pode ser associado à obra de Jacques Androuet du Cerceau (1515-1585), nomeadamente à série de desenhos para arcos do Qvinque et viginti exempla arcuum.... (du Cerceau 1549), ou ainda, à perenização deste arquétipo, como se verifica no Pórtico da Via Latina, no Paço das Escolas de Coimbra, da autoria de Claude Laprade (1682-1738) (). O conjunto é ainda mencionado por ter recorrido à moda dos fingidos de pedraria embutida, que se socorreu novamente do suporte em tela, e que fez sobressair as formas em tons de verde, amarelo, azul e vermelho [p. 4]. Aliás, a propósito desta moda da simulação de pedras coloridas nunca é demais referir que foi igualmente usada em São Roque, em seis grandes pirâmides que se colocaram na empena da igreja, "fingidas de marmores de varias cores, e rematadas com outros tantos globulos semeados de estrelas" [p. 11]. E em Espanha, no colégio de São Paulo de Granada, entre outros exemplos, também se armou uma estrutura arquitetónica com colunas, que suportavam uma cúpula, que "se pintaron à el temple, imitando jaspes obscuros matizados con algunos repartimientos de blanco.", o que nos leva a elevar este recurso a gosto internacional ().
Regressando a Braga, foi ainda erigido, no já mencionado campo de Santiago, um arco triunfal, com colunas jónicas em uma das faces, que simulavam ser de mármores brancos, vermelhos e azuis. A estrutura, que também era adornada com peanhas e atlantes, era ainda rematada superiormente por dois anjos que ladeavam uma coroa imperial [p. 155]. O modelo não era inédito, pois, quer o "Arco dos Alemães" erguido no terreiro do Paço em 1619, aquando da visita de Filipe II de Portugal, III de Espanha, a Lisboa (), quer o catafalco de D. Pedro II, da autoria de Carlo Fontana (1634-1714), erigido na igreja de Santo António de Roma, em 1707, exibia esta morfologia ().
Em Santarém, foram levantados quatro retábulos fingidos, de obra compósita, por as duas últimas capelas de cada lado da nave ainda não estarem concluídas, consagrados a São Francisco de Borja (1510-1572) e aos mártires Paulo Miki (1564-1597), João de Gotó (?-1597) e Diogo Kisai (1533-1597). Neste caso, e embora a ideia do fingido continue a ser bastante significativa, importa destacar um outro assunto – o da inclusão iconográfica de mártires nos programas festivos, que foi, segundo Luís de Moura Sobral, um "virar de página" na política iconográfica da Companhia, não limitando as suas opções a temas marianos e cristológicos (Sobral 2004, 3). A prova que a inserção dos Mártires do Japão nas campanhas decorativas das igrejas jesuítas era uma realidade nessa época, é visível nas festas do colégio de Salamanca, de acordo com as palavras do autor da La Juventud triunfante (), e na encomenda, mais antiga, de quatro pinturas a óleo a Domingos da Cunha, o Cabrinha (c.1598-1644), para a igreja de São Roque, onde para além desses mártires da Companhia se incluiu uma representação de Estanislau Kostka (Inv.º N.º 68-71) ().
Mas voltando aos "novos" retábulos da igreja de Santarém, onde se simulavam colunas, bases, capitéis e cimalhas, que, no entender do autor, iludiam os sentidos, importa destacar que eram, na realidade, artifícios pictóricos, em tromp l`oeil [p. 11]. Na cidade de Évora, dentro da igreja do Espírito Santo, as colunas que sustentavam o coro foram valorizadas, simulando serem salomónicas, pois, para além de serem pintadas eram ainda enfeitadas com galões de ouro, para melhor passar a ideia de os fustes serem espiralados []. A armação, cuja simulação da decoração não passava só pela pintura, mas antes por aditamentos de outros materiais, veio de Lisboa e adequou-se à arquitetura do espaço. Acerca do fingimento de arcos e outras estruturas arquitetónicas, importa ainda elucidar que estes resultaram do conhecimento de outras obras efémeras e do impacte que várias terão tido neste conjunto. Recorde-se as armações que tiveram lugar em Roma a propósito do teatro das "Quarenta horas", de Carlo Rainaldi (1611-1691), em 1650, de Andrea Pozzo, divulgados através da obra gravada Prospectiva pictorum et architectorum, ou ainda os desenhos ditos do Álbum de Sopron-Ödenburg, à guarda do Museu e Instituto de Teatro de Budapeste (; ). E, embora a relação da obra Prospectiva pictorum et architectorum com o desenho, a pintura e a arquitetura já tenha sido de sobremaneira referida pela historiografia da arte, alguns dos desenhos traçados para festas não podem deixar de ser mencionados no âmbito desta leitura. Veja-se concretamente as estampas do altar do beato São Luís Gonzaga (figs. 62, 63 e 64), onde sobressaem as colunas de fuste espiralado, e que possivelmente terão servido de inspiração àquelas das falsas estruturas retabulares de Santarém ().
Évora, por sua vez, o frontispício da igreja foi revestido por uma estrutura de grades, entre as quais se levantavam pedestais coroados de pirâmides, com luminárias e resplendores, com a invocação do Nome de Jesus [].
AS MAQUINAS E OUTROS ARTIFICIOS TEATRAIS
De toda a logística inerente à realização das festas, a que envolve as múltiplas máquinas e engenhos que auxiliam, quer na ação litúrgica, quer na encenação de rua, é aquele que maior curiosidade suscita à investigação, pelo facto de já não dispormos dos objetos e pela circunstância de termos que os compreender a partir das narrativas, com toda a parcialidade, ou não, que as mesmas apresentam. Algo que é seguro, é a evidência de que estas máquinas mobilizavam e articulavam um sem fim de atores, desde os que as idearam até aos que lhes deram forma e as "olearam" para estas singulares atuações.
Num contexto mais amplo, sublinhe-se o conhecimento que deveria existir de obras, quer construções de máquinas para interiores, quer daquelas destinadas ao espaço público. Obras como a Magnes sive de Arte Magnetica, de Athanasius Kircher (1602-1680), publicada em 1641 () e ilustrada com engenhos mecânicos, no contexto da Companhia de Jesus, terá sido tão significativa quanto, num contexto mais vasto, foi a Pratica di fabricar scene e machine ne' teatri, de Nicola Sabbatini (1574-1654), dada à estampa em 1638 (), e o Trattato sopra la struttura de theatri, e scene, do italiano Fabrizio Carini Motta (?-c.1699), de 1676 ().
Relativamente às festas em análise, convém não ignorar que no caso das de Évora os carros triunfais foram construídos no interior do colégio dos Espírito Santo, como se lê na seguinte passagem: "se trabalhou também no Collegio com o mesmo calor assi na construção dos Carros Triunfantes, de cuja fabrica daremos em seu lugar individual noticia, como na preparação das mais couzas necessarias pera maior solemnidade da Procissão" ().
A propósito dos mecanismos usados nos interiores observe-se também o sacrário com forma de pelicano que batia as asas e deixava desvelar o Santíssimo Sacramento da igreja do colégio de Santarém [pp. 7 e 8]. Esse conjunto, no que ao movimento das asas refere, não deveria ser muito diferente da máquina de sustentava a custódia na festa Adoração das Quarenta Horas, em São Roque, de 1609, que era rematada por um Serafim, que, ao abrir e fechar as asas, também descobria o Santíssimo (). E, embora estes exemplos não tivessem a dimensão de outros de maior aparato e dimensão, pensados para o exterior, inscreviam-se igualmente numa linha de pensamento que procurava despertar os sentidos e causar variadíssimas emoções.
Em Évora, ergueu-se, também na qualidade de elemento central da cenografia, um globo azul, que se dividia ao meio, e do qual saía em raios um resplendor onde se "manifestava o Senhor" [], e, no dia seguinte às Vésperas, na cerimónia da Eucaristia, montou-se um mecanismo com um Querubim, uma representação do Sol e uma nuvem esmaltada de estrelas []. Sublinhe-se que, com esse mecanismo, para além de se pretenderem causar as já referidas emoções, se evidenciava a centralidade da Companhia no mundo católico, através da forma esférica e celestial do globo terrestre e do Sol. Estes elementos simbióticos, entre diversas leituras possíveis, podem ser entendidos como herdeiros da morfologia globus cruciger, a partir da qual se sustentaram e promoveram vários objetos de culto da Igreja, e que, no contexto da Companhia, surgem, por exemplo, no frontispício da edição de 1645 da Chronica da Companhia de Iesv, de Baltasar Teles () e na exaltação da figura do Salvador do Mundo. Com efeito, iconografia do Salvator Mundi, por sustentar o globo terreno, também foi bastante difundida pelos jesuítas, a par dos elementos solares, associados às insígnias da Companhia, como sabemos ter acontecido na fachada da igreja de São Roque, onde essa imagem marcava a sua presença ()
Voltando ainda ao pelicano, à sua morfologia esférica e à sua função, coteje-se o exemplo de Santarém com o sacrário, também em forma de ave, da antiga casa professa de Lisboa, hoje pertença do Museu de São Roque (Inv.º N.º 133) (Escultura. Século XVI ao Século XX... 2000, 119) ou com aquele de prata de Goa, hoje no Museu de Arte Cristã, do convento de Santa Mónica (Inv.º N.º 01.1.46) (), e ainda com a custódia do Museu Nacional de Machado de Castro, em Coimbra (Inv.º N.º 6584), proveniente do convento do Santíssimo Sacramento de Alcântara em Lisboa, com um anjo que sustenta um globo envolto numa glória de raios.
Para além das anteriores máquinas, arvoradas nos interiores, há que fazer ainda referência às várias estruturas mecânicas que desfilaram na rua. Em Braga, como foi acima mencionado, foram realizados andores e carros, que recorreram a maquinismos e a autómatos. Os andores foram maioritariamente consagrados a beatos e santos. Um versava sobre Diogo Kisai, um dos mesmos mártires que fora exaltado nos retábulos fingidos da igreja do colégio de Santarém. Outros dois, seguindo a mesma vontade de dar a conhecer estes jesuítas, foram consagrados a João de Gotó e a Paulo Miki. Também São Francisco de Borja, São Francisco Xavier, Santo Inácio de Loyola, e, naturalmente, Estanislau Kostka e Luís Gonzaga, foram figuras de destaque.
Quanto a outras estruturas, evidenciou-se uma pirâmide, da qual saiam vários arcos exuberantemente decorados com tecidos coloridos, passamanarias, diamantes e esmeraldas, formando pinheiros. Essa estrutura era ainda animada por conchas, leques de garças e rendas francesas. A essa armação, acrescentamos, entre outras, a de um carro com uma representação de um "sertão", composto por árvores e meninos africanos que dançavam, e ainda de outro, alusivo à fábula de Ganimedes, mostrando o episódio em que esta figura foi raptado do monte Ida por uma águia. A composição tinha, portanto, a representação do monte, e no seu topo um globo, que se abria e do qual saía a referida águia. [pp. 115-151].
Em Évora o cortejo incluiu no 1.º Aparato inúmeras alegorias à Companhia, à Cidade, à Universidade e às Faculdades. O primeiro carro triunfal era devotado à Universidade, onde se via, numa estrutura arquitetónica em modo de charola, São Luís Gonzaga a receber um livro dourado das mãos da Virgem. A este veículo, seguia-se outro, precedido de um cortejo, alusivo à Polónia, pátria do Santo Estanislau Kostka. Esse carro foi oferecido à inocência desse venerável e o relato informa que fora concebido por um artista estrangeiro. Numa ponta surgia Estanislau Kostka entronizado e recebia uma imagem de jaspe do Menino-Deus, obra romana, e na outra, igualmente elevada, a personificação da Inocência. O 3.º Aparato contava com o desfile dedicado à pureza de Luiz Gonzaga, onde marchavam 18 figurantes, e o carro triunfal voltava a contar com a presença desse santo, desta vez coroado e com um coro de anjos. O último aparato, que concluía a procissão, era composto por estudantes, confrarias e religiosos de diversas ordens, que também levavam diversos andores [pp. 7-62]. Corrobora esta relação de três carros a descrição do padre António Franco, que acrescenta a informação que o cortejo era composto por quarenta figuras a cavalo, para além dos sacerdotes e outros intervenientes, o que, uma vez mais, nos dá conta da dimensão do desfile.
Quanto à representação de outras manifestações efémeras, como os jogos de luz e cor em articulação com outras demostrações artísticas extraeuropeias, assinale-se que em Santarém se fizeram fogos de artificio, a partir do edifício do colégio, em forma de rodas e pirâmides, pórticos e fontes, e letreiros de luzes simulando escudos [p. 14]. Em Coimbra, "todo aquelle grande, e magestoso edificio do collegio se illustrou com singulares invençõens de luminarias, com vistosas, e admiraveis artificios, e letreiros em tudo espectaveis". Na casa professa de São Roque registou-se a existência de uma máquina, composta por cartelas, festões, volutas e conchas, que enquadravam as insígnias da Companhia de Jesus, onde pontuavam jarrões "de proporcionada grandeza à imitação dos da China", na qualidade de suportes de árvores luminárias, na igreja da mesma casa [p. 12].
Para estas componentes visuais foram indispensáveis o conhecimento e a articulação de Tratados de pirotecnia, mas também modelos de decorações com luminárias, em vasos e albarradas, como o do jardim fictício do álbum Copia dos reaes aparatos e obras que se ficeram em Lixboa na occasiam da entrada e dos desposorios de Suas Majestades: Imago Ulysseae exultantis in adventu Ser[enissi]mae Portugalliae Regina Mariae Sophiae, do jesuíta João dos Reis (1639-1691), desenhado em 1687 pelas festas de casamento de D. Pedro II (1648-1706) e de D. Maria Sofia de Neuburgo (1666-1699), entre outros. Quanto aos Tratados pirotécnicos, saliente-se o conhecimento que sabemos ter existido dos mesmos, dentro da Companhia de Jesus, por via da obra Advis nécessaires pour la conduite des feux d’artifice, do jesuíta Claude-François Ménestrier (1631-1705) (), entre outros (; ). Para o gosto por peças chinesas, atente-se ao facto de já na capela de Santo António, se ter recorrido à porcelana para as ornamentações: "athe a China concorreo com sua estimada perçolana, brincando com ella toda a simalha da capela" [p. 9]. E, em Évora, a figura que representava essa Universidade, levava, no braço esquerdo, um pano de "obra sinica", bordado com aves, ramos e outras curiosidades, em relevos de ouro sobre campo azul, o que também indicia o quanto as peças de proveniência asiática eram apreciadas nesta altura ().
Regressando ao tema do espectáculo de luz e cor, importa relatar que na mesma cidade corria por cada um dos alçados da igreja uma ordem de onze colunas, sobre capitéis, unidas e coroadas por um cordão de luz, de acordo com a tipologia de coroamentos que haviam sido executados em Lisboa []. Este tipo de decoração, que ajudou a enfatizar determinados elementos da arquitetura, também foi utilizado em outras épocas e terá novamente constituído um paradigma. Veja-se, pois, nas já mencionadas festas da beatificação de Inácio de Loyola, desta vez em Lérida, onde se puzeram "muitas luminarias, e faroes na torre, e simborio, e em todos os telhados, corredores e Claustras da Igreja as quaes se tem por certo são mayores e milhores que ha em Espanha".
Évora, por sua vez, o frontispício da igreja foi revestido por uma estrutura de grades, entre as quais se levantavam pedestais coroados de pirâmides, com luminárias e resplendores, com a invocação do Nome de Jesus [].
NOTAS FINAIS
Em 1727 foram realizadas em várias casas da Assistência Portuguesa as festas da canonização de Luís Gonzaga (1568-1591) e Estanislau Kostka (1550-1568) para comemorar a entrada destes dois beatos na esfera da santidade. Com essa consagração, foram realizadas diversas celebrações e nos seus relatos foram dadas a conhecer diversas manifestações artísticas produzidas para esse efeito.
Tendo por base as descrições impressas desses aparatos, realizados em Braga, Santarém, Lisboa e Évora, foram extraídos aspetos comuns, que nos permitiram compreender a existência de modelos para as performances, mas também da repetição de algumas expressões artísticas.
Para além de se tentar compreender o envolvimento dos jesuítas na redação dos relatos, procurou-se olhar de uma perspectiva diferente daquelas anteriomentes publicadas para os autores das narrativas. Enquadrou-se a sua possível ligação à Companhia de Jesus e procurou-se entender a forma como estes "cronistas" exaltaram esse instituto religioso, através de uma linguagem aparentemente idónea, mas rigorosa, como se constata em uma das afirmações constantes num dos prólogos, onde se lê: "quem escreveu os actos dos Apostolos, não póde errar".
Resultou também desta nova leitura um maior conhecimento acerca da utilização da imagem (escultórica e pictórica), firmada nas obras que circulavam à época. Comprovou-se que os locais em análise foram palco para criações de arquitetura efémera inovadoras, onde se recorreu aos melhores materiais, que conduziram à produção de obra de mármore fingidas, mas também à integração de exemplos da cultura material chinesa, tão em voga na centúria de setecentos. As máquinas e os artifícios teatrais, por sua vez, produzidos no mesmo âmbito foram enquadrados na produção de Tratados sobre teatro, alguns deles dados à estampa por jesuítas.
Por fim, importa sublinhar que esta análise não procurou esgotar todas as possíveis leituras que se podem fazer a estas obras, mas apenas dar a conhecer algumas manifestações artísticas passíveis de serem integradas num panorama mais vasto, como pontualmente se viu, sempre suportadas por produção teórica ou pelo conhecimento do que se fazia em outros lugares.
REFERENCIAS
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Andrade, Brás de. Relaçam do Apparato Triunfal & Procissão Solemne, com que os P.P. da Companhia de Jesus do Collegio de Evora applaudiraõ publicamente aos Gloriozos S. Luiz Gonzaga, e Stanislao Kostka da mesma companhia novamente canonizados pelo sanctissimo padre benedicto XIII. Évora: Of. da Universidade, 1728.
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Clemente Valdés, Pedro. Amphitheatro sagrado, desde cuyas tres ordenes de asientos se pueden vèr sin zozobra, y con gusto los espectaculos celebres, y magnificos, que ofreciò à los ingenios, y à los ojos el maximo colegio cordobès de la Compañia de Jesus para aplaudir, en su canonizacion, a los dos nuevos astros de su milicia, S. Luis Gonzaga, y S. Estanislao Kostka. Córdoba: Casa de Juan de Ortega y Leon, mercader de libros por Acisclo Cortès, Diego de Valverde, y Juan de Pareja, [1728?].
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Motta, Fabrizio Carini. Trattato sopra la struttura de theatri, e scene, che à nostri giorni si costumano, e delle regole per far quelli con proportione secondo l'insegnamento della pratica maestra commune di Fabricio Carini Motta architetto del serenissimo di Mantoua consacrato al merito sublime dell'altezza serenissima Isabella Clara arciduchessa d'Austria duchessa di Mantoua. Guastalla: Per Alessandro Giauazzi stampator ducale, 1676.
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Relação Summaria das Festas, que em a Canonização dos Gloriosos Santos Luiz Gonzaga, e Stanislao Kostka, celebrarão os Padres da Companhia de Jesus do Collegio de Santarem, Supposto o Decreto da Canonizaçaõ de Santo Stanislao Kostka, Passado Pela Santidade de Clemente XI. e também O Applauso, que por então se lhe consagrou. Lisboa Occidental: Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1728.
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Vale, Teresa Leonor M. "As Ordens Religiosas e a Mobilidade dos Artistas. A Companhia de Jesus e o Ourives João Frederico Ludovice: de Roma a Lisboa." In Lisboa e as Ordens Religiosas. Actas, coordinated by Teresa Leonor M. Vale, and Maria João Pereira Coutinho, 53-72. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 2010.
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Notas
[1] Membro integrado do Instituto de História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. Este trabalho foi financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito da Norma Transitória - [DL 57/2016/CP1453/CT0046].
[2] Uma vez que as datas da beatificação de Estanislau Kostka diferem nas várias fontes consultadas, optámos por considerar a de 1605, à luz da explicação de J. Majkowski e F. O`Donoghue, que informam que Paulo V permitiu que se colocasse uma imagem de Kostka num altar na igreja de Sant`Andrea, tendo este acto sido interpretado como uma iniciativa equivalente a uma beatificação. Joseph Majkowski and Fergus O`Donoghue, “Kostka, Estanislao. Santo,” in Diccionario histórico de la Compañía de Jesús, Biográfico-Temático, dirs. Charles E. O’Neill and Joaquín María Domínguez (), 2219-2220.
[3] Pese embora a circunstância de se tratar de uma festa religiosa e da historiografia portuguesa estar essencialmente centrada nas celebrações áulicas, importa referir para uma visão mais global do assunto, em jeito de estado da arte, os estudos de ); );); );, Giuseppina Raggi, “A formosa maquina do Ceo e da terra: a procissão do Corpus Domini de 1719 e o papel dos arquitetos ; ), 1-17; entre outros. Interessa também sublinhar que algumas das fontes impressas a que nos reportamos ao longo do estudo (;; ; e ) já foram referidas por João Castel-Branco Pereira (Pereira, Arte Efémera); Maria João Pereira Coutinho e Sílvia Ferreira (Coutinho Ferreira, “As Procissões”) e Maria João Pacheco Ferreira, Os têxteis chineses em Portugal nas opções decorativas sacras de aparato (séculos XVI-XVIII) ().
[4] BNP. Cod. 750, fls. 289-290, cit. Por Pe. Francisco Rodrigues, História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal (Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1931-1950), I, I, XXI.
[5] Dada a extensão das referências bibliográficas das anteriores fontes impressas, e para maior fluidez do texto, sempre que se citarem partes dos relatos de Braga, Santarém, Lisboa e Évora, só serão só indicados os números das páginas, entre parêntesis rectos. No caso de Évora, como existem duas relações, far-se-á a distinção entre as Relaçam das Festas e o Relaçam do Apparato Triunfal.
[6] No caso de Lisboa é mencionada a presença no oitavário dos monarcas, do infante D. António, do principe do Brasil e da princesa das Astúrias, bem como o cardeal Cunha, os embaixadores de Espanha e "todos os mais Ministros das Potencias Estrangeiras" [p. 18].
[7] Vide o anexo – Quadro dos Sermões impressos das festas da canonização de Estanislau Kostka e Luís Gonzaga (Braga, Santarém, Lisboa e Évora).
[8] A Formula scribendi fixou a redação regular dos acontecimentos ocorridos nas casas jesuítas, em diversos tipos de instrumentos documentais, onde se incluem os Catálogos.
[15] BNP. Cod. 750, fl. 290: "A [tragédia] de Evora, quando escrevo isto, ainda se não tem feito, mas trabalha-se nas preparações."
[16] Partiu do terreiro da igreja do colégio do Espírito Santo e passou pelo colégio de Nossa Senhora da Purificação, convento de Santa Mónica, Paço Episcopal, rua da Selaria, travessa de Burgos, rua de Aviz, porta da Lagoa, Ruancha, convento de Santa Catarina, rua de Alconchel, convento de Santa Clara, rua do Paço, igreja de São Vicente, rua dos Infantes e Porta de Moura.
[17] No sermão proferido em Santarém por Fr. João da Cruz remete-se para a obra de Virgilio Cepàri: "Tudo disse o mesmo Santo, como refere o seu historiador Virgilio Cepario." [p. 59].
[19] Esta invocação mariana está ligada a um culto da península balcânica e à sua materialização numa imagem (ícone) venerada em Itália desde a época medieval.
[20] Este colégio de Évora também foi fundado pelo cardeal D. Henrique, que lançou a primeira pedra do edifício a 15 de Junho de 1577, foi incorporado na Universidade e colocado sob a administração da Companhia de Jesus de acordo com a bula de 1576 e o breve de 13 de Julho de 1579. Apesar de as obras só se concluírem em 1605, já em 1593 o colégio podia albergar os seus primeiros 50 alunos.
[21] Relativamente a estes emblemas importa esclarecer que a palma surge enquanto símbolo de castidade associado à juventude destes santos, a par do um lírio ou açucena, símbolos de pureza. Quanto às frases latinas, que são emblemas ou divisas, está presente a ideia de duas personalidades que partilham como símbolo o lírio da castidade, a vida interior, mística e ascética, como se fossem gémeos. Isso transparece das palavras «Bino» (dois), «utroque» (ambos) e «geminae» (gémeas). «Bino lumine», «dois luminares», remete para a expressão do Génesis «duo luminaria»; ou seja, os dois santos jovens jesuítas são como os dois astros maiores que Deus criou para iluminar o mundo: «ut luceant in firmamento caeli et illuminent terram.» É essa a função que lhes foi atribuída por Bento XIII e reiterada por Pio XI. Estes dois santos são, pois, como se lê no emblema n.º 2, «A maior glória do céu». São dois «Cumes que tocam o céu», «utroque caelum vertice» (uma referência ao monte Parnaso»: emblema n.º 3) e são «as duas Estrelas gémeas salvadoras», «Geminae salutares» (uma clara alusão aos dois irmãos gémeos Castor e Pólux, filhos de Júpiter). Castor e Pólux, além de estrelas que guiam os marinheiros, são também figuras que encarnam o ideal heróico juvenil. Os dois santos são, por fim, tudo o que pode ser sugerido por toda essa riqueza simbólica. São dois como se fossem um só, na unidade dos seus ideais; são luz e são guia; iluminam e salvam; são modelo e estimulam ao heroísmo.".
[22] Actualmente as capelas têm as seguintes invocações: no lado do Evangelho, São Francisco de Borja, São Luís Gonzaga, Sagrado Coração de Jesus (inicialmente de São Francisco Xavier) e Nossa Senhora do Socorro; no lado da Epístola: Santa Ana, Nossa Senhora da Boa Morte, Nossa Senhora da Conceição (inicialmente de Santo Estanislau de Kotska) e Nossa Senhora da Glória.
[24] Não querendo especular acerca de quem seria esse tracista, não se pode ignorar a experiência de João Frederico Ludovice, colaborador de obras da Companhia de Jesus, na edificação de objectos efémeros, como aconteceu com o da procissão do Corpus Christi de Lisboa, em 1719 (), nem esquecer que, entre 1721 e 1730, esteve activo na Sé de Évora ().