Resumen
A Perícia Popular no Centro Histórico de Salvador foi um espaço de colaboração urbana desenvolvido, entre 2016 e 2019, na cidade de Salvador, Bahia (Brasil). Inspirada nas ideias de "estudo negro" e "planejamento fugitivo" de Harney & Moten (2013), esta iniciativa de experimentação coletiva veio à tona através de uma parceria entre a Associação de Moradores e Amigos do Centro Histórico de Salvador (AMACH) e um conjunto de professores, pesquisadoras e estudantes da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Estabelecida institucionalmente como uma disciplina de extensão universitária, foi ofertada durante quatro semestres na Faculdade de Arquitetura da UFBA. Como prática investigativa, a Perícia Popular visava produzir uma avaliação coletiva –não restrita aos conhecimentos dos especialistas– que indagasse nas condições de moradia de um conjunto de habitantes do Pelourinho, nome histórico e popular com o que se conhece o Centro Histórico de Salvador. Colocando em questão as técnicas de governo da cidade e contrariando as pretensões excludentes do Programa de Recuperação do Centro Histórico de Salvador (1992) –cujo avanço e implementação comportava a remoção da maioria da população– esses moradores conseguiram resistir ao seu despejo, conquistando o direito à moradia dentro do espaço urbano em que habitaram por décadas. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), aprovado em 2005, reconhecia aquele direito. Contudo, após 11 anos da aprovação do TAC, aquela comunidade continuava desprotegida: sem moradia estável, nem horizontes discerníveis.
Palabras clave:
Fugitividade na cidade patrimonial: a Perícia Popular no Centro Histórico de Salvador, Bahia
Brais Estévez
Fugitividade na cidade patrimonial: a Perícia Popular no Centro Histórico de Salvador, Bahia
Revista Internacional de Comunicación y Desarrollo (RICD), vol. 4, no. 15, 2021
Universidade de Santiago de Compostela
Fugitivity in the heritage city: the Popular Audit in the Historic Centre of Salvador, Bahia
Brais Estévez
Universitat Autònoma de Barcelona, España
Copyright © Universidade de Santiago de Compostela
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Recibido: 15/02/2021
Aceptado: 25/05/2021
Resumo: A Perícia Popular no Centro Histórico de Salvador foi um espaço de colaboração urbana desenvolvido, entre 2016 e 2019, na cidade de Salvador, Bahia (Brasil). Inspirada nas ideias de "estudo negro" e "planejamento fugitivo" de Harney & Moten (2013), esta iniciativa de experimentação coletiva veio à tona através de uma parceria entre a Associação de Moradores e Amigos do Centro Histórico de Salvador (AMACH) e um conjunto de professores, pesquisadoras e estudantes da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Estabelecida institucionalmente como uma disciplina de extensão universitária, foi ofertada durante quatro semestres na Faculdade de Arquitetura da UFBA. Como prática investigativa, a Perícia Popular visava produzir uma avaliação coletiva –não restrita aos conhecimentos dos especialistas– que indagasse nas condições de moradia de um conjunto de habitantes do Pelourinho, nome histórico e popular com o que se conhece o Centro Histórico de Salvador. Colocando em questão as técnicas de governo da cidade e contrariando as pretensões excludentes do Programa de Recuperação do Centro Histórico de Salvador (1992) –cujo avanço e implementação comportava a remoção da maioria da população– esses moradores conseguiram resistir ao seu despejo, conquistando o direito à moradia dentro do espaço urbano em que habitaram por décadas. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), aprovado em 2005, reconhecia aquele direito. Contudo, após 11 anos da aprovação do TAC, aquela comunidade continuava desprotegida: sem moradia estável, nem horizontes discerníveis.
Palavras chave: Cidade negra; fugitividade; máquina patrimonial; perícia popular; Pelourinho (Salvador, Bahia); planejamento fugitivo.
Abstract: The Popular Audit in the Historic Centre of Salvador was a space of urban collaboration enacted, between 2016 and 2019, in the city of Salvador, Bahia (Brazil). This initiative of collective experimentation was inspired by the ideas of "black study" and "fugitive planning" (Harney & Moten, 2013). It came to light through a partnership between the Association of Residents and Friends of the Historic Centre of Salvador (AMACH) and a set of professors, researchers, and students from the Federal University of Bahia (UFBA). It was institutionally established as a university outreach course, and it was offered during four semesters at the Faculty of Architecture of the UFBA. As a research practice, the Popular Audit aimed to elaborate a collective evaluation –not restricted to the expert knowledge– that inquired into the housing conditions of a group of inhabitants of the Pelourinho. Calling into question the techniques of city government and going against the excluding intentions of the Programme of Recuperation of the Historic Centre of Salvador (1992) –whose advancement and implementation involved the removal of most of the population– these residents managed to resist their eviction, conquering the right to housing within the urban space in which they had lived for decades. A Conduct Adjustment Term (TAC), approved in 2005, recognised that right. However, 11 years after the TAC was approved, that community was still unprotected: without stable housing or discernible horizons.
Keywords: Black city; fugitivity; fugitive planning; heritage machine; Pelourinho (Salvador, Bahia); popular audit.
Sumário
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1. Introdução
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2. Um território subsistencial
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3. Recuperação desterritorializadora
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3.1 A AMACH. Uma comunidade fugitiva na máquina patrimonial
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3.2. A recusa da 7ª etapa
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4. A Perícia Popular. Um planejar fugitivo (I)
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5. A Perícia Popular Ampliada. Um planejar fugitivo (II)
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6. Conclusões
Summary
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1. Introduction
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2. The subsistential territory
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3. A deterritorialising recuperation process
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3.1 AMACH. A fugitive community within the heritage machine
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3.2. The refusal of the 7th stage
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4. The Popular Audit. Fugitive planning (I)
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5. The Popular Audit Extended. Fugitive planning (II)
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6. Conclusion
1. INTRODUÇÃO
O Pelourinho é o nome de um monumental e emblemático conjunto de quarteirões integrantes do centro antigo de Salvador, Bahia. Umbilicus Urbis da primeira capital do Brasil colonial –e, de algum modo, mito originário do Brasil moderno (Collins, 2015)–, o bairro abrigou, até finais do século XIX, a elite econômica da cidade e reúne um dos principais conjuntos de arquiteturas coloniais e barrocas do Brasil e da América Latina. Apesar disso, essa riqueza arquitetônica e urbanística –tesouros patrimoniais largamente admirados, reconhecidos e estudados (Baeta, 2012)– é indissociável da mão de obra escravizada de origem africana que, com efeito, foi sua verdadeira condição de possibilidade. Tanto a construção dos casarões em estilo colonial português, como a infinidade de igrejas, barrocas e neoclássicas, foi possível graças a essa mão de obra negra escravizada. Além disso, boa parte da vida urbana de Salvador no Brasil colônia e império era sustentada em uma ideia de disponibilidade fungível da vida negra, cativa ou não:
Em 1857, a maioria dos negros de Salvador, escravos ou não, trabalhava na rua, ou entre a casa e a rua. Eles eram responsáveis pela circulação de coisas e pessoas pela cidade. Carregavam de tudo: pacotes grandes e pequenos, do envelope de carta a grandes caixas de açúcar, tinas de água e fezes, tonéis de aguardente e gente em cadeiras de arruar. Não se viam mestiços, muito menos brancos nessa ocupação. 'Tudo que corre, grita, trabalha, tudo que transporta e carrega é negro', observou em 1858 o viajante alemão Robert AvéLallemant. (Reis, 1993, p. 8).
Todavia hoje, a violência colonial antinegra perdura, na cidade, em uma infinidade de modos e vestígios –materiais, relacionais e simbólicos–, a começar pelo próprio nome do bairro. No Brasil colonial, o pelourinho era a coluna onde se açoitava publicamente aos escravos acusados de fuga ou rebeldia. Frequentemente, esses atos públicos de tortura e punição culminavam na morte dos castigados (Grinberg, 2018).
A finais do século XIX, o Pelourinho deixou de ser o bairro dominado pelas velhas elites coloniais para se tornar progressivamente um bairro popular habitado maioritariamente por pessoas afrodescendentes. Os primeiros a abandonarem seus casarões no centro foram os mais abastados: aristocratas, senhores de engenho, banqueiros e grandes comerciantes. Pouco depois, nos primeiros anos do século XX, uma elite cultural composta por boêmios, médicos e funcionarios da administração –que, de algum jeito, substituíra às antigas elites coloniais– sairiam também de um bairro desvalorizado e em processo de degradação física.
O trabalho do geógrafo Pedro Vasconcelos (2016) permite identificar quatro acontecimentos na história urbana da cidade que ajudam a compreender esse processo. Primeiro, a epidemia de cólera que entre 1855 e 1856 devastou Salvador –uma cidade com péssimas condições de higiene– teria dado início à saída dos "habitantes abastados do centro" (p. 276). Segundo, o chamado quebramento das forças produtivas da Bahia, falamos do declínio da produção de açúcar em meados do Sec. XIX, ligada tanto a uma seca "extraordinária e descomunal" (Azevedo, 1969: 163), como à concorrência da produção no Caribe e, especialmente, à Abolição. Em terceiro lugar, a expansão da cidade para outras áreas de maior valorização, com a chegada de novos modos de viver e a procura, por parte das classes abastadas, de áreas de habitação com um novo padrão de ocupação territorial de inspiração inglesa; aquilo que Vasconcelos (2016) entende por "europeização" urbanística (p. 323) e cuja morfologia é descrita por Fernandes (2006) de este modo: "ruas mais largas e lotes mais amplos, numa contraposição bastante evidente às características da cidade colonial" (p. 1). Todavia, seria o fim da escravidão, decretado em 1888, o acontecimento definitivo.
Os antigos proprietários dos casarões edificados maioritariamente no século XVIII –os anos de euforia econômica da Salvador opulenta (Silva & Pinheiro, 1997)– já não reuniam comdições para manterem os imóveis, muito menos sem o trabalho escravo. Assim, as mesmas elites que já abandonaram o bairro, acabariam abandonando os imóveis. Segundo Collins (2008), "muitas dessas famílias deixaram seus lares senhoriais nas mãos de agregados, de instituições beneficentes católicas, ou até com empregados domésticos. Outras, no decorrer do tempo, simplesmente esqueceram-se das propriedades abandonadas" (p. 27).
Assim, o Pelourinho foi se configurando como um lugar de acolhimento da vida negra. Por um lado, nos velhos sobrados –as casas senhoriais, espaçosas e requintadas–, historicamente abarrotados de população negra escravizada, proliferavam agora as pessoas livres. Por outro lado, as mesmas ruas que desde a época colonial eram habitadas pela mesma população negra que –como uma infraestrutura viva– movimentava tudo em Salvador, multiplicavam a sua população com a chegada de pessoas provenientes dos engenhos de açúcar do interior e que se incorporavam à cidade, após a Abolição. Foi assim como o Pelourinho se converteu em uma cidade negra.
Ainda que tratarei esta questão com mais detalhe em seções posteriores, quero avançar nesta introdução uma conceituação básica sobre a noção de cidade negra. Autores como McKittrick (2011), Moten (2016), Simone (2017) e Figueiredo, Estévez & Rosa (2020) tem refletido sobre este conceito. Segundo esses autores, uma das questões mais idiossincráticas da cidade negra é a ênfase no movimento constante e na improvisação das suas formas de habitar, operando como uma dobradiça que combina exposição e opacidade. Assim, se a urbanização é a possiblidade de um devir incessante, a cidade negra é aquela em que a vida negra se afirma, articula e desarticula, incessantemente, na esteira da escravidão; em, contra e a despeito da violência racial antinegra. Em outras palavras, se a vida negra nas Américas acontece em território inimigo (colonial ou pós-colonial), as práticas incessantes de movimento, improvisação, fuga e sociabilidade da negritude, reinventam perspectivas e possibilidades de vida, constroem comunidades viáveis e tornam esse território habitável. Contudo, é importante destacar que essas formas improvisadas de habitar são, frequentemente, alvo de interdição, destruição e despejo por parte do poder público e a violência antinegra. Nesse sentido, a ausência de um horizonte de moradia estável teria dado lugar a uma forma de habitar, um método não necessariamente escolhido por seus praticantes, que Simone chama "o inabitável" (2019):
Aqui o inabitável é aquele constante refrão que procura criar contextos de operação que não podem ser estabilizados como pontos de ancoragem, como assentamentos para habitar, mesmo que o refrão, por si só, seja uma repetição estabilizadora. É antes um desacoplamento da casa com o habitar, a construção de uma casa que não pode se estender em nenhum horizonte discernível; e que, em vez disso, deve ser descartada, carregada consigo ou se tornar fonte orientadora de imaginação. (p. 20).
A presença de moradia abundante, barata e acessível favoreceu que a população afrodescendente "libertada" tomasse conta do Pelourinho nas primeiras décadas do século XX. A ocupação improvisada e incremental dos casarões deu lugar ao estabelecimento de formas de moradia coletiva. Nesse sentido, as velhas casas senhoriais foram subdivididas em "casas de cômodos", também conhecidas como "cortiços", que podiam chegar a abrigar dezenas de famílias (Gordilho, 2000). Progressivamente, do mesmo jeito que muitos outros centros históricos do mundo afastados do circuito da valorização, o Pelourinho foi se deteriorando, fisicamente, ao mesmo tempo que virava um lugar de moradia e vida quase exclusivo das classes populares afrodescendentes que, de um jeito semelhante aos quilombos, acolhia outros grupos subalternos (Nascimento, 1985). Nesse sentido, é importante destacar que, já nos anos 1920, o Pelourinho consolidou-se como a "zona de baixo meretrício" de Salvador (Espinheira, 1971, p. 11) e, durante décadas, trabalhadores pobres, prostitutas, dissidentes sexuais e de gênero, ladrões, traficantes e grupos de famílias conviveram na antiga geografia da elite da cidade. Como destaca Espinheira (1971), as trabalhadoras sexuais se concentraram no Pelourinho atraídas pelas facilidades de habitação em um bairro arruinado, mas também "compelidas pela ação policial dos órgãos encarregados dos costumes" (p. 11). A fim de controlar a disseminação da prostituição por toda a cidade, a própria polícia forçou o estabelecimento da prostituição no bairro, liberando e controlando a atividade. Desse modo, circunscrevendo uma comunidade 'ameaçante' em uns limites geográficos aceitáveis, a polícia dos costumes almejava o saneamento do corpo-espécie –a população branca e abastada de Salvador–, mediante a regulação e o controle da vida negra e popular no Pelourinho. Com efeito, isso conecta de maneira muito direta com a noção de biopolítica de Foucault (2008). Contudo, a biopolítica aplicada durante décadas no Pelourinho ia além da simples segregação de uma população apenas considerada anormal ou ameaçante; ela administrava uma comunidade "incongruente" com os termos da modernidade branca (McKittrick, 2011). E, no fim das contas, o poder público aspirava a cercar –depurar e normalizar– as formas de vida que, a olhos da supremacia branca, constituíam traços patológicos próprios da vida negra: a dissidência sexual, a vadiagem, uma certa ingovernabilidade da vida social, apenas para citar alguns. Tanto a análise como o transbordamento dessa equivalência discursiva que liga vida negra e patologia foram tratadas por Fred Moten (2008), de maneira especialmente eloquente, no seu artigo "The Case of Blackness".
2. UM TERRITÓRIO SUBSISTENCIAL
Graças e a despeito da fugida da cidade nobre, antes e além das atrações da modernidade e as amenidades da cidade formal, fora e no meio das principais economias urbanas do valor, o Pelourinho fez possível a vida para uma multidão de pessoas afrodescendentes que acharam um lugar –muitas vezes para iniciar a vida em liberdade– em um bairro abandonado. Essa periferia no centro, descartada e desqualificada pela modernidade urbana da branquidade –a chamada cidade formal–, funcionou como um condensador de relações e abrigou modos de existência coletivos, improvisados e im/possíveis. Mas, em vez de qualificar essas formas de vida como simplesmente carentes ou miseráveis, acho que elas podem ser definidas como "subsistentes". Nesse sentido, este trabalho é um convite a pensar o Pelourinho negro e popular como um "território subsistencial":
O território subsistencial é uma ecologia múltipla. Sub no senso de perto de algo, imediatamente em torno de algo, às vezes escondido, escondido detrás de algo (...) subsistente no senso de algo insistente, persistente, oferecendo resistência; subsistencial no senso de aquilo que devém (...) nunca confinado na existência individual. O território é o 'emmeio' [milieu], no qual pessoas, coisas e socialidades não existem através do sangue, o solo ou a propriedade, a lei e a individualidade, mas subsistem por meio de sua subsistência singular. O território é subsistencial porque mina as fortalezas e as estrias de todo aparelho de Estado, sua lógica de propriedade, lei e individualidade; e ao mesmo tempo mina qualquer clausura totalizadora em comunidades estáveis. (Raunig, 2018).
A imparável ruína física do Pelourinho, assim como a suposta decadência moral dos moradores, acabou estereotipando o bairro como um lugar decadente e perigoso. Como explica Collins (2015), as mesmas classes médias que durante a maior parte do período pós-guerra acharam no Pelourinho um espaço "para as relações eróticas e econômicas entre homens de classe média e alta e mulheres mestiças ou negras" (p. 27) deixaram de frequentá-lo antes do fim dos anos 1970. É nesse momento, quando o governo da Bahia inicia ações orientadas à preservação e o restauro do patrimônio arquitetônico. Em 1967, em diálogo com as recomendações da UNESCO, funda-se o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), uma fundação pública destinada a "gerir e coordenar as operações de um plano de revitalização e valorização" (Sant'nana, 2017, p. 80). Desde então, o Pelourinho conheceu diferentes tentativas de proteção que terminariam dando lugar ao seu tombamento federal pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1984, e à ulterior declaração de Patrimônio Mundial pela UNESCO, em 1985.
3. RECUPERAÇÃO DESTERRITORIALIZADORA
Em 1992, o governo do Estado da Bahia –presidido na altura pelo poderoso e influente oligarca baiano Antonio Carlos Magalhães– aprovou o Programa de Recuperação do Centro Histórico de Salvador (Castro, 2000; Sant'Anna, 2008), sistematizando um processo de transformação urbana que pretendia converter um bairro fisicamente arruinado, mas vivo e intensamente povoado, em um proscênio turístico, normalizado e pacificado: "uma Disneylândia histórica" (Ferraz, 2011, p. 99).
Sob o pretexto de proteger um tesouro urbanístico e arquitetônico em risco, o projeto promulgou uma nova estratégia de governamentalidade urbana. Por um lado, o governo buscava gerar valor de mercado no centro histórico (Fernandes, 2006; Ormindo de Azevedo, 2009; Santa'nna, 2017), apostando essencialmente por usos turísticos e comerciais de luxo que permitissem posicionar Salvador na rede dos circuitos turísticos das cidades históricas globais. Por outro lado, o programa pretendia administrar algumas questões de natureza biopolítica, buscando depurar os modos de vida da população afro-baiana, considerados moralmente suspeitos e, aliás, incongruentes com o futuro da cidade histórica monumentalizada (Collins, 2015). Esse paradoxo condensava a violência daquele empreendimento. O chamado Programa de Recuperação celebrava as raízes africanas do bairro e reivindicava as práticas culturais afro-brasileiras como elemento de singularização e identidade; mas, ao mesmo tempo que pretendia tombar e mercantilizar essas práticas, a comunidade viva que as produzia não tinha cabida no futuro do bairro. Só encarnando os papéis sociais e morais que o poder público exigia aos moradores –virando santos negros, como sugere, com eloquência, Collins (2015)–, esses moradores poderiam ter alguma chance de não serem expulsos do bairro.
Dividido em 7 etapas, e abrangendo uma área de 12 hectares, o Programa de Recuperação adoptou uma metodologia de intervenção que, em vez de restaurar prédios isolados, assumia como unidade de intervenção o quarteirão (Castro, 2000). Segundo Sant'anna & Andrade (2016), desde 1992, essa intervenção ocasionou a remoção de 2.909 famílias através de ameaças e indenizações. De um total de 100 milhões de dólares investidos, apenas 3,9 milhões foram destinados às famílias que optaram pela indenização.
Ao redor de tropos habituais como patrimônio, turismo e cultura, o projeto de recuperação urbana desmantelou um mundo comum popular negro, cujas relações de imanência seriam reorganizadas pela ação de uma poderosa e transcendental "máquina patrimonial" (Alonso, 2014). De acordo com Alonso, a máquina patrimonial é um dispositivo que reconfigura a diferença e a organização da sociedade; mais orientado ao marketing e às economias do patrimônio do que à construção de comunidades imaginárias nacionais. Cria representações cul-turais de identidades locais para o consumo, mas faz que "os modos reais de existência por trás das representações se desvaneçam" (p. 8). Promove identidades individualizadas que interagem em um ambiente de mercado desregulamentado, para além da comunidade tradicional, e envolve "uma transição de lutas reais para simbólicas, onde a maioria e identidades minoritárias são construídas como relações metaculturais e onde as representações reificadas da identidade podem ser apropriadas como capital cultural-simbólico" (p. 2). O processo de restauração do Pelourinho não seria um caso puro da máquina patrimonial, enquanto opera em uma dobradiça estado/mercado. Com efeito, o Programa de Recuperação se propôs1 reconstruir o berço do Brasil –recuperar as arquiteturas coloniais e reivindicar as raízes africanas da nação, em um elogio da chamada democracia racial que apaga a evidência do racismo antinegro– mas também visava a mercantilização das práticas afro-brasileiras, oferecendo um mundo purificado para o investimento privado e para a produção da nação. Nesse sentido, a ação patrimonial, restaurava as ruinas –sim–, mas também depurava os modos de existência da comunidade afrodescendente do Pelourinho praticando uma triagem moral. Isso conecta com a ideia da sociedade como um instrumento de captura, como defenderam Deleuze & Guattari (2010) no Anti-édipo: "um socius de inscrição onde o essencial é marcar e ser marcado" (p. 189). Deleuze & Guattari entendiam os processos de transformação social como cortes e operações de linha de fuga que, primeiro, fazem fluir os fluxos e energias dos territórios tornando a vida possível outra vez –desterritorialização– e, mais tarde, dão lugar a novas regras e ordens: novos agenciamentos maquínicos de corpos e coletivos de enunciação –reterritorialização–.
De algum jeito, o Programa de Recuperação inseriu uma operação de linha de fuga no Pelourinho que, enquanto rompia com o existente –desfazendo a trama de vínculos, as redes de vida e as formas de inteligência coletiva que, operando na opacidade da ruína, permitiam viver a milhares de pessoas–, produzia novos arranjos, novas intensidades e novas formas de subjetividade: reterritorializações que reorganizavam os corpos e os encontros “submete[ndo] os homens à nova inscrição imperial, ao novo corpo pleno, ao novo socius” (p. 258).
Contudo, a expansão da máquina patrimonial também gerou disputas, conflitos e resistências e fugas, conduzindo a um grupo de moradoras da área conhecida como 7ª etapa do Programa de Recuperação a enfrentarem aquela operação.
3.1 A AMACH. Uma comunidade fugitiva na máquina patrimonial
A fugitividade negra é uma noção central da conhecida como "tradição radical negra" (Hartman, 1997; Robinson, 2000; Moten, 2003). Remonta-se às lutas abolicionistas nos Estados Unidos; mas, com certeza, tem uma infinidade de expressões no Brasil que podem ser identificadas em um leque heterogêneo de autoras como Beatriz Nascimento (1985), José Eduardo Ferreira Santos (2014) a Jota Mombança (2020).
Para Harney & Moten (2013), a fugitividade é a ontologia da negritude. Eles defendem a ideia de que dentro das cenas mais hediondas de violência e subjugação, sempre existiram formas de vida negra que escaparam da captura por meio de atos de improvisação, deslocamentos, movimentações constantes e performances coletivas. De algum jeito, a fugitividade permite falar das formas de vida e dos modos de existência da vida negra através da recusa em ser uma única coisa. Esse princípio aparece condensado na célebre frase de Édouard Glissant “consente em não ser um único ser” (apud Diawara, 2011, p. 5). O que esses autores sugerem é que a vida negra pode ser pensada como um mais do que: mais do que um mundo de morte, mais do que uma cidade sem lugar, mais do que vidas expostas à violência, mais do que genocídio e subjugação.
Nesse sentido, a geógrafa feminista negra Katherine McKittrick (2013) tem alertado ao longo da sua obra dos perigos de reduzir as experiências da vida negra a uma história de violência e sofrimento que, em suas palavras, reifica e ajuda a estabelecer –algumas vezes inconscientemente–, os discursos coloniais sobre a negritude. McKittrick questiona a genealogia que explica as geografias negras a partir de uma história de subjugação total na plantation; afirmando que essa não seria a única história possível. Porque, se bem, a subjugação foi brutal, cotidiana e sistemática, ela nunca teria sido absoluta, por causa, precisamente, da fugitividade negra. Na plantation havia outros tipos de experiências que tinham que ver com o encontro entre as pessoas escravizadas, com a invenção de formas de sociabilidade, com a conspiração, a insurgência e o prazer. Essas histórias contêm narrativas e práticas decoloniais poderosas. Em outras palavras, para McKittrick, a história da vida negra nas américas não é simplesmente a história da brutalidade do racismo, mas a história das ações incessantes de afirmação, proteção e cuidado da vida negra em um mundo atravessado pela violência racial e permanentemente ameaçado pela arbitrariedade e a morte.
3.2 A recusa da 7ª Etapa
No começo dos anos 2000, os moradores do Pelourinho começaram a reagir às expulsões promovidas pelo Programa de Recuperação. Em abril de 2002 publicou-se o decreto de desapropriação de 130 imóveis da 7ª Etapa; uma área conhecida indistintamente pelos moradores do Pelourinho como a 28 –pela proximidade com a rua 28 de setembro– ou São Dâmaso –nome do casarão do século XVII que sediou o seminário da cidade. Tratava-se da primeira etapa do programa que incorporava uso habitacional promovido pelo Estado, devido tanto ao escasso sucesso na recuperação efetiva das etapas prévias como aos efeitos da mobilização e ações de grupos de moradoras (Mourad, 2011; Sant'anna, 2017). No início dos despejos, 698 pessoas continuavam morando lá (Rebouças, 2012). No entanto, os 130 imóveis que o Programa de Recuperação pretendia reformar na 7ª Etapa não contemplavam aos seus atuais moradores –a quem não reconheciam direitos consuetudinários–, mas funcionários públicos, nomeadamente policiais militares.
De maneira um tanto inesperada, para os porta-vozes oficiais da cidade, as pessoas moradoras não aceitaram as indenizações, nem as ofertas de reassentamento –em bairros fora do centro– oferecidas pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER) –a empresa pública e órgão executor do Programa de Recuperação do Centro Antigo–, e se recusaram a deixar seus imóveis.
Em julho de 2002 os moradores fundam a Associação de Moradores e Amigos do Centro Histórico (AMACH). Liderada e integrada quase exclusivamente por mulheres negras, a AMACH iniciou uma estratégia de ação coletiva, longa, contundente e original, destinada a conseguir a permanência dos moradores no Pelourinho. Para além da organização e a mobilização da própria comunidade afetada pela 7ª etapa, a associação construiu alianças inovadoras –extensas e flexíveis– com outros atores da sociedade civil: Universidade, advocacia, jornalismo, ONG's, igreja católica, partidos políticos, parlamentares, etc. Através dessa aliança –inédita, múltipla e impura–, a AMACH liderou um leque heterogêneo de ações: audiências públicas na Assembleia Legislativa do Estado, denúncias na mídia, ações jurídicas junto ao Ministério Público, articulação com outros movimentos do centro histórico, produção de materiais audiovisuais, manifestações, entre outras ações.
Contudo, quero destacar duas questões fundamentais. A primeira é o estudo. Uma dimensão basilar da luta da AMACH aconteceu através do estudo. Pessoas consideradas, pelo poder público, iletradas e incapazes de entenderem projetos urbanísticos, lutaram para acessar a documentação dos projetos que atingiam suas vidas e se encontraram com outros para estudála. Nesse sentido, quero resgatar o conceito "estudo negro". Conforme Harney & Moten (2013), o estudo negro é uma prática intelectual negra –crítica e fugitiva–, que acontece maioritariamente de maneira informal, "sobre como fazer contato com outros para encontrar conexões; sobre fazer causa comum com a condição quebrada do ser" (p. 5).
Em segundo lugar, a mediação jurídica. Cabe destacar a importância do direito nos movimentos sociais no Brasil. Advocacias populares e solidárias, mas também alguns organismos republicanos, como a Defensoria Pública ou Ministério Público –articulados na Constituição Federal de 1988– proporcionam assistência jurídica gratuita para a população.
Em 2002, a AMACH construiu junto ao Ministério Público da Bahia uma Ação Civil Pública –instrumento processual previsto na Constituição Federal Brasileira– contra a CONDER e em 2004 a AMACH vence. A vitória da Ação Civil Pública obrigou ao Governo do Estado a abrir um processo de negociação com as moradoras até que um acordo entre a AMACH e o Governo fosse firmado. Em junho de 2005, a AMACH, a CONDER e o Ministério de Cultura, assinaram um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a mediação do Ministério Público da Bahia (Bittencourt, 2011; Mourad, 2011; Rebouças, 2012). Esse termo garantia o direito à permanência de 103 famílias –mais tarde seriam contempladas até um total de 108– na área da 7ª Etapa, prevenindo o seu remanejamento, dentro do próprio Centro Histórico, durante o período de restauro dos imóveis. O Programa de Habitação de Interesse Social (PHIS), com subsídios do Governo do Estado e do Ministério das Cidades faria possível a permanência dos moradores na 7a etapa. Das 317 unidades habitacionais reconstruídas na 7ª Etapa, 103 seriam de habitação de interesse social e 234 para funcionários públicos (financiados pelo Programa de Habitação para Servidores Estaduais–PROHABIT). Também foram projetados 55 pontos comerciais, dos quais 13 deveriam ser destinados às famílias da 7ª Etapa, além de um imóvel para instalação de equipamentos comunitários (sede da AMACH e creche comunitária).
Além disso, o TAC instituiu uma novidade política, o Comitê Gestor, um espaço de interlocução e deliberação coletiva definido como “instância participativa efetiva da comunidade no projeto” (Ministério Público da Bahia, 2005, p. 2).
A partir desse momento, aquela comunidade viva –reconhecida institucionalmente nas 103 famílias beneficiárias do TAC– operaram uma bifurcação no curso de ação do Programa Recuperação. Aquelas pessoas que o Estado considerava descartáveis e desenraizáveis; aqueles que não tinham cabida em um lugar de cultura, nem acesso às técnicas de governo; aqueles que para os porta-vozes oficiais do poder público –políticos e técnicos–, eram simplesmente pessoas pobres problemáticas –quando não travestis, maconheiros, traficantes e putas sem direitos– conquistam o direito à permanência e, além disso, discutem e deliberam, com os técnicos e especialistas, sobre os termos de transformação do bairro.
Essa ocupação institucional inaugurou um momento político dissensual, aquilo que para Rancière (2012) fundamenta a democracia; isto é, uma situação de desarranjo que discute uma distribuição de papéis desigualitária e hierárquica e afirma a capacidade que estava sendo negada –neste caso às moradoras e seus aliados– para tratar assuntos comuns. Todavia, em minha opinião, este acontecimento mostra a necessidade teórica de ir além de Rancière. A cena dissensual da 7ª etapa descobre como os processos de despossessão e violência racial sempre se deparam com formas de vida negra que articulam divergências e praticam uma confrontação generativa: a fugitividade. Nas próximas seções tratarei, com maior detalhe, dessa recusa das moradoras do Pelourinho a ficarem subordinadas à captura, o despejo e/ou a reeducação moral proposta pelo programa de recuperação.
4. A Perícia Popular. Um planejar fugitivo (I)
Fizemos uma Perícia para saber quem e como está aqui; como e o que é este bairro; para saber se o bairro está doente e se precisa remédios - Gabriela, moradora.
Em 2016, no âmbito de um intercâmbio acadêmico entre o grupo de pesquisa Lugar Comum da Faculdade de Arquitetura da UFBA e o Mestrado em Prática do Desenvolvimento Social da Bartlett Development Planning Unit-UCL, a 7ª Etapa retomou visibilidade pública na cena dos conflitos urbanos de Salvador. Aquele programa acadêmico procurava fazer pensável Salvador, na encruzilhada de encontros e desencontros entre lutas, mundos e saberes que articulam a cidade (Frediani, Monson & Vermehren, 2016). Metodologicamente, o intercâmbio operava ao redor de visitas e leituras territoriais colaborativas de espaços urbanos de Salvador com presença de conflitos urbanos e atividade de coletivos organizados (Walker, Diaconescu & Bau, 2020). Uma das leituras territoriais aconteceu no Pelourinho e lá produziu-se o reencontro.
A comunidade viva que, em 2005, conquistara seus direitos de moradia na 7ª Etapa –após uma luta dura e complexa– estava imersa em um processo de transformação inacabado há onze anos. Em esse impasse de uma década, a sociabilidade que sustentava a ecologia do cuidado da comunidade tinha se deteriorado. O Programa de Recuperação supôs uma política de cercamentos urbanos que interditava as formas de viver e de habitar dos moradores do Pelourinho, na tentativa de assimilar um mundo popular –considerado opaco e patológico pelos responsáveis do projeto– em favor de uma ficção moderna: a ficção da patrimonialização, o turismo, o realismo capitalista e a suas formas de visibilidade e transparência. A desordem introduzida na comunidade atrapalhou o mundo comum do qual dependiam moradoras e moradores. Além de supor um ataque a formas de inteligência coletiva ligadas a uma arte de habitar um território subsistente, o Programa de Recuperação –nomeadamente, sua política de despejos massivos– destruiu relações, modos de existência e saberes concretos –aquilo que constitui comunidade–, desmantelamento parte das bases materiais dos meios de vida das pessoas que integravam aquela comunidade. Muitas vezes, essa base material tinha uma relação direta com as ecologias e economias do centro histórico; com a possibilidade de morar no centro e poder operar em uma certa opacidade que fazia rendível a economia informal.
Do diálogo entre Glória Figueiredo –professora da faculdade de Arquitetura da UFBA–, e a AMACH, o intercâmbio desdobrou-se em um novo arranjo coletivo: a Perícia Popular. Através de um impulso fugitivo, Figueiredo e a AMACH conseguiram habilitar um canal institucional para retomar a questão da 7ª Etapa, instituindo-a como uma disciplina de extensão universitária, ofertada pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia em colaboração com a AMACH.
Desde dezembro de 2016 –quando eu cheguei a Salvador para realizar o meu pós-doc no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFBA–, a Perícia Popular começou a se construir como "um instrumento de ação coletiva voltado para o reconhecimento e avaliação de situações de moradia e vida coletiva em contextos de vulnerabilização social, provocados pela ação direta do Estado, notadamente após acordos formalizados entre as partes envolvidas" (AMACH & UFBA, 2017, p.1). Uma referência óbvia ao que acontecera na 7ª Etapa. Ainda que não existisse uma relação direta, nem mesmo qualquer tipo de inspiração conceptual, os princípios e os modos de fazer da Perícia Popular permitiam imaginar um diálogo com o programa de pesquisa da "arquitetura forense" desenvolvido pela Forensic Architecure (FA), a agência de pesquisa fundada na Goldsmiths, Universidade de Londres, por Eyal Weizman (2017). A FA investiga a violência estatal e corporativa, particularmente quando afeta o ambiente arquitetônico. Seus trabalhos produzem provas em forma de relatórios especializados –perícias–, modelos, animações, análise de vídeo e mapeamento interativo, apresentando-as na mídia, em tribunais internacionais ou comissões de verdade. Aliás, com o uso irreverente que fazem da palavra forense, a FA tenta reverter o seu senso convencional, pesquisando às próprias agências estatais que normalmente monopolizam essa prática e custodiam as provas. Por sua parte, a Perícia Popular –linguisticamente, um oximoro aparentemente impossível e suspeito que confunde o técnico com o popular– pretendia documentar os efeitos dos descumprimentos do TAC através de uma cartografia coletiva. Aquele nome, provocador e compartilhado, era um gesto nítido da nossa vontade de experimentação em igualdade; uma mostra do nosso desejo de invenção. Queríamos explorar outras maneiras de perceber, narrar e enunciar as coisas; especular com novos contornos e sensos para as lutas urbanas e para as pesquisas na cidade. A Perícia Popular era o nome que nos permitia deslocar as nossas identidades pré-existentes e abrir um espaço comum.
A partir de uma dinâmica de dois encontros semanais –assembleias na sede da AMACH, cada segunda-feira, e aulas na Faculdade de Arquitetura toda quarta–, demos início a um processo de luta e indagação vertebrado em sete pontos. 1) Abrir a disputa. A 7ª Etapa estava invisibilizada; era importante romper o silêncio e para isso organizamos e celebramos uma Audiência Cidadã na Câmara Municipal. 2) Cartografia coletiva. O passo do tempo e a fatiga da ação coletiva conduziram a 7ª Etapa a um desconhecimento interno. Para construir um estado da questão do bairro veraz, fizemos oficinas de cartografia coletiva que nos permitiram construir em comum uma nova agenda de pautas do bairro. 3) Emergências. Muitas vezes, a Perícia Popular se deparava com a emergência que afetava a vida de moradoras e moradores. Ordens de despejo, ameaças de colapso de imóveis, etc. Nesse sentido, a Perícia também operou como um sindicato que procurava e proporcionava apoio mútuo. 4) Leituras territoriais coletivas. Sairmos para passear juntos no bairro permitiu-nos colocar na rua as questões que investigávamos e, sobretudo, nos depararmos com questões que nos nossos espaços habituais não surgiam. Além disso, aquela prática itinerante de elaboração de conhecimento nos alertou de alguns dissensos e divergências existentes no próprio bairro, assim como dos limites da AMACH em termos de representatividade. 5) Manifestações e protestos. A Perícia procurou politizar as demandas dos moradores. Nesse sentido, saímos ao encontro da maioria dos protestos urbanos que ocorreram no centro. Também, participamos de diversas festas de rua de Salvador, ocupando-as com as demandas da 7ª Etapa. 6) Negociações. As atividades desenvolvidas pela Perícia conseguiram reposicionar a 7ª Etapa na cidade. Isso nos permitiu iniciar processos de negociação multilateral com instituições, agentes políticos, etc. 7) À medida que a experiência da Perícia se consolidava, nossos laços também se fortaleciam e, algumas vezes, a festa era uma forma de cuidar de nós e de pensar com outro ritmo, mais vitalista e aberto.
Por meio de uma circulação de saberes heterogêneos que misturava pessoas de idade, sexo, raça, origem e formas de vida dispares, essa dinâmica de indagação e aprendizagem conseguiu liberar capacidades urbanas adormecidas pela separação. Adentrando-nos em lugares desconhecidos –muitos estudantes circulavam pelas traseiras do Pelourinho por primeira vez– encontramos uma enxurrada de saberes e visões da cidade, a política, o urbanismo e a vida em comum.
Além de todas essas versões e visões do Pelourinho, a Perícia Popular reconheceu um leque heterogêneo de problemas ligados à implementação do Programa de Recuperação.
Uma questão central colocada pelas moradoras chamava a atenção para o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) conquistado em 2005. “O direito que a gente ganhou e que garante a moradia da gente” (Vilma, moradora e integrante da AMACH) vinha sendo desrespeitado, trazendo como consequência um grave processo de precarização.
Por exemplo, algumas das famílias contempladas no TAC continuavam morando em casas de passagem –casas temporárias onde as pessoas foram relocadas até receberem as suas residências permanentes nos edifícios recuperados– com condições de habitabilidade lamentáveis:
Saí da minha casa com o compromisso da CONDER de que em um ano e meio ou dois estaríamos de volta em nossas casas já reformadas. E aqui estou eu e as minhas filhas, morando em uma casa de passagem por 11 anos. Como se não bastasse, eu vim para um subsolo, onde sempre teve problemas de rede de esgoto e paredes mofadas. (Gabriela, moradora e integrante da AMACH)
Outras pessoas, às quais lhes haviam sido entregues seus imóveis, denunciavam programas arquitetônicos inadequados para suas necessidades, desejos e formas de vida –muitas vezes ligadas ao trabalho ambulante e sua ecologia de artefatos– para além de um design negligente e constantes incidências materiais e infraestruturais.
Mas, a denúncia que ressoava com mais força apontava para a desativação do Comitê Gestor. As pessoas moradoras da 7ª Etapa, espoliadas e espoliados do espaço que articulava a participação da comunidade no devir do projeto, se deparavam com o sinistro do não saber; e esse não saber trazia angústia para a comunidade e disparava a incerteza:
Quando o Comitê Gestor estava funcionando, ele dava uma certa segurança para a AMACH, porque lá os representantes eram responsáveis pelos erros e acertos conjuntamente. Sempre era a CONDER que marcava as reuniões. Os representantes na época participavam ativamente. Com a mudança de coordenação na CONDER, começou a era do 'eu posso, faço e delibero' sem a aprovação ou consulta da Comunidade. O TAC é da AMACH. Gostaríamos de saber onde andam os representantes do Comitê e como podemos chamá-los à sua responsabilidade ou se eles não sabem que o TAC está sendo violado e eles também são culpados e responsáveis por serem omissos. (Vilma, moradora e integrante da AMACH).
Impulsionada pela firme vontade da AMACH, a Perícia Popular iniciou um processo de negociação com a CONDER, para que aquele mundo comum que arejavam as nossas indagações pudesse ser considerado e composto coletivamente. Conseguimos criar espaços de negociação com a CONDER, mas naquelas reuniões emergiu um desentendimento radical. Enquanto a Popular Perícia fazia proliferar a 7ª Etapa, trazendo para o debate um conjunto de questões que iam além da moradia; a CONDER entendia que sua função era entregar os imóveis e fechar aquela "pasta", livrando-se de um problema que o Governo do Estado arrastava há mais de dez anos. Esse desentendimento entre um mundo que se abria e outro que só queria fechar-se tinha uma expressão muito precisa que as pessoas envolvidas na Perícia Popular vimos acontecer muitas vezes em reuniões entre a AMACH a CONDER.
Enquanto a CONDER percebia a 7ª Etapa como um lugar de empreendimentos, normas, protocolos, calendários e orçamentos; para as moradoras do Pelourinho, aquele lugar era uma teia de vida, um ecossistema existencial, um ambiente afetivo –histórico, de trabalho e sociabilidade–, habitado por pessoas com história, com vínculos e com corpo, onde tudo tinha nome, sobrenome e apelido; tudo estava carregado de sentido, de histórias de vida, de genealogias singulares, dramas, desejos e lutas. Qualquer referência ao bairro, era uma referência a alguém e, aliás, o bairro não era simplesmente a moradia, mas o conjunto de infraestruturas e mediações necessárias para garantir o direito à vida digna no Pelourinho. O descuido que o Programa de Recuperação –encarnado muitas vezes na tirania distante dos técnicos da CONDER– coadjuvava no enfraquecimento da comunidade; e, aquele impasse de uma década intensificara os problemas da comunidade para se reproduzir: "Aqui não tem uma farmácia, não tem creche, não tem uma cantina, não tem xerox, não tem luz quando escurece” (Vilma, moradora e integrante da AMACH).
5. A PERÍCIA POPULAR AMPLIADA. UM PLANEJAR FUGITIVO (II)
Como abrir um mundo que o poder público, encarnado nos técnicos e especialistas de urbanismo da CONDER, só queria fechar? Ou, parafraseando Raunig (2018), como cuidar e fazer persistentes as máquinas sociais e mentais que preservavam o Pelourinho como território subsistencial, sem que isso signifique mantê-las da forma como sempre foram?
Após um ano de negociações, a nossa iniciativa estava capturada pela lógica do Estado. Naquela tentativa de procurar uma interlocução efetiva com a CONDER, ficamos reféns de uma dinâmica política que nos desvitalizava. De algum jeito, nos sentíamos sozinhos, as assembleias da AMACH eram cada vez mais esvaziadas e a Perícia, como espaço de experimentação coletiva, perdia capacidade de imaginação. Em julho de 2017, em uma assembleia da AMACH, especialmente triste, Gabriela, uma liderança da associação falou: "isto não está dando certo". Vilma, presidenta da AMCH, acrescentou: "temos que agir com ousadia".
Em outubro de 2017, aproveitamos a primeira aula do novo semestre para repensar a Perícia Popular. Convocamos outros movimentos sociais urbanos do centro de Salvador e apresentamos a proposta da Perícia Popular Ampliada. O diagnóstico era o seguinte. Após um ano de trabalhos, a Perícia Popular constatava uma certa incapacidade para sustentar o direito à cidade através da simples interlocução com o Poder Público. De algum jeito, nos sentíamos reconhecidos em Butler (2016), nomeadamente na ideia que ela lançara em Quadros de guerra; do mesmo jeito que outras "populações expostas à violência arbitrária do Estado" (p. 46), recorríamos insistentemente ao Estado em busca de proteção quando o Estado também era algo do que a comunidade afetada pela 7ª Etapa precisava se proteger. Aliás, entendíamos que o futuro de aquele território não podia se desligar do futuro do Centro Histórico.
O encontro que propiciou aquela aula permitiu que, por primeira vez, nos atrevêssemos a renunciar ao TAC, a condição de servir-nos dele. O TAC era um direito, mas também parecia ter virado um limite.
No semestre prévio, trabalháramos a noção de ficção política (Rancière, 2012; Preciado, 2016). De algum jeito, entendemos que o TAC, na altura, fazia parte de uma ficção política incapacitante; era um fetiche através do qual os responsáveis das técnicas do governo e a representação confinavam a transformação da 7a etapa como um assunto de especialistas, que só eles tinham capacidade de solucionar. Aquilo nos colocava em uma posição de espectadores; no lugar da espera e a reivindicação, no aguardo de um gesto magnânimo dos técnicos do Estado que nunca chegava. Para sair de aquele lugar de impotência, a Perícia Popular decidiu se engajar com outro tipo de ficções políticas, que não produzissem simplesmente violência, opressão e exclusão: ficções fugitivas. Rancière, Harney e Moten, foram aliados teóricos fundamentais de esse processo e, por isso, quero recuperar dois trechos longos, do trabalho de estes autores, mas muito importantes para nós.
No Espectador emancipado, Rancière (2012) definiu a ficção como "o trabalho que realiza dissensos, que muda os modos de apresentação sensível e as formas de enunciação, mudando quadros, escalas ou ritmos, construindo relações novas entre a aparência e a realidade". E segue, "o problema não é opor a realidade a suas aparências. É construir outras realidades, outras formas de senso comum, ou seja, outros dispositivos espaço temporais, outras comunidades de palavras e coisas, formas e significados" (pp. 64-65).
Por sua parte, em seu livro Undercommons, Harney & Moten (2013) caracterizam deste modo o planejar fugitivo:
Nos undercommons [subcomuns] da esfera da reprodução social, os meios, ou seja, os planejadores, ainda fazem parte do plano. E o plano é inventar os meios em uma experiência comum lançada de qualquer cozinha, qualquer varanda dos fundos, qualquer porão, qualquer corredor, qualquer banco de jardim, qualquer festa improvisada, todas as noites. Este experimento contínuo com o informal, realizado por e sobre os meios de reprodução social, como o advento das formas de vida, é o que entendemos por planejamento; o planejamento nos undercommons não é uma atividade, não é pescar, dançar, ensinar ou amar, mas o experimento incessante com a presença futurista das formas de vida que fazem tais atividades possíveis (p. 74-75).
Essa experiência (sub)comum, lançada de qualquer lugar, que permite experimentar com outros sensos da realidade, passou a ser o objetivo da Perícia Popular Ampliada. Se o Pelourinho estava enfraquecido e sua comunidade viva atomizada, em vez de simplesmente pregar auxílio ao Estado –o mesmo Estado cujas políticas públicas contribuíam ao enfraquecimento–, a Perícia decidiu redobrar a aposta fugitiva.
Ao longo do ano 2018, a Perícia deixou de ser um instrumento avaliativo, engajado com a defesa do TAC, e virou uma comunidade de práticas, encontros e aprendizados urbanos que implicava e misturava a diferentes movimentos e territórios do Centro Histórico de Salvador. Eis, mais uma vez, a política como "estudo negro" (Harney & Moten, 2013); como arte de fazer contato para encontrar conexões e como causa comum com a condição quebrada do ser. Se as políticas públicas fragmentaram e limitaram a capacidade de encontro da comunidade do Pelourinho –mas também a convivência e o encontro entre formas de vida heterogêneas em quase toda a cidade–, a política fugitiva poderia experimentar com o reencontro. Mudar de perspectiva e, não renunciar, mas distanciar-se da política da falta e a demanda que oferece o Estado, exige redirecionar a nossa atenção para a abundância coletiva que existe em lugares onde o Estado, frequentemente, afirma não haver nada.
Uma primeira de rodada de encontros, levounos a conhecer outras comunidades ameaçadas por uma política urbana que, de maneira incessante, traz consigo atos de violência contra uma forma de habitar –improvisada e mais ou menos informal– onde, muitas vezes, reside a única garantia de vida para uma parte substancial da cidade.
Depois dessa primeira 'conversa', a Perícia Popular Ampliada lançou o seu primeiro projeto: a campanha para a reativação da cozinha comunitária do Pelourinho. A cozinha estava parada como tantas infraestruturas do bairro e AMACH propôs essa campanha, imaginando a possibilidade de refundar uma alternativa de obtenção de renda. Mas, além de procurar recursos para reabrir a cozinha, o que uns e outros fizemos lá durante meses foi seguir 'estudando'. A cozinha quase não fez funcionar seus fogões, mas virou um agenciamento subsistencial; uma oficina de imaginação política desde onde continuar planejando fugitivamente as condições da uma vida possível no Pelourinho.
6. CONCLUSÕES
No capítulo final de Undercommons, Harney e Moten (2013) estabelecem uma distinção ente policy (política pública) e planning (planejamento) que cai neste texto que nem uma luva. Para eles, etimologicamente, policy é reminiscente de um imaginário governamental que conecta com imagens de domínio –como policial e controle–. Entretanto, o planejar fugitivo faz referência à organização coletiva, contingente e incessante, da teia da vida. A questão fundamental dessa contraposição conceptual seria a seguinte. A política pública opera através da delegação-expropriação forçada de inteligências. Ou seja, os porta-vozes oficiais da policy consideram que seus esforços se dirigem a uns outros que não podem, nem sabem, pensar, porque têm alguma coisa errada e, portanto, precisam conserto. Em outras palavras, a atividade da política pública funda-se na desigualdade entre a posição de saber de aqueles que 'sabem' e aqueles que 'não sabem'; assemelhando-se a pensar para os outros e em nome dos outros. O planejamento, pelo contrário, assume que as pessoas já estão pensando e agindo por si mesmas e, aliás, que a vida intelectual já está em ação ao nosso redor, incrustada em uma infinidade de práticas. Portanto, supõe uma convocação a experimentar com aquilo que já está aí, que sempre esteve aí, com o que nunca deixou de acontecer: os arranjos da vida que escapa à captura.
Outra ideia chave da tradição radical negra tem a ver com a recalibração sensorial (Trafí-Prats, 2020). Como sugeriu Hartman (1997), os atos de resistência da vida negra, nas Américas, aconteceram historicamente no contexto das relações de dominação e não eram externos a elas (p.8). Isso faz que, muitas vezes, os fenômenos significativos –as fugas– não sejam fáceis de perceber desde a estrita tradição do iluminismo moderno europeu; pois, essas fugas não teriam a aparência de atos emancipatórios, em uma tradição acostumada à depuração formal dos fenômenos, à evidência da luz e contrária à potência do opaco. Assim, é necessário fazer algum tipo de deslocamento sensível a fim de sintonizar com esses gestos fugitivos onde a vida se elabora de outro modo –para além da violência e a sujeição–.
A Perícia Popular no Centro Histórico de Salvador não conseguiu persuadir aos técnicos da CONDER no propósito de envolver o governo da Bahia nas demandas da comunidade da chamada 7ª etapa. Também, na experiência da Perícia Popular Ampliada, não logramos reabrir a cozinha comunitária da AMACH e sua porta continua mormente fechada. Portanto, será que fracassamos? Acho que a partir das ideias de planejamento fugitivo e recalibração sensível é possível enxergar as coisas de outro modo.
Ainda que a Perícia Popular tenha nascido como um instrumento avaliativo orientado à análise de situações de moradia e de vida coletiva, precarizadas pela ação direta do Estado, ela (nós) desseguida transformou-se em outra coisa. Mais do que um projeto destinado exclusivamente a produzir um produto formalizado (uma pesquisa, uma nova política pública) a Perícia Popular abriu um espaço de experimentação coletiva que tratava dos desafios da vida em comum. No fim das contas, aquilo do que mais cuidávamos era do nosso laço; o espaço entre que emergia entre moradores e universitiários. Esse lugar era um espaço da imaginação de formas divergentes de fazer cidade; mas, também era um espaço de invenção de formas divergentes da vida em comum.
A Perícia Popular permite-nos pensar os estudos urbanos a partir de dois elementos inspiradores. Primeiro, uma ideia da ação coletiva na cidade entendida como estudo –uma prática intelectual comum alimentada no encontro–. Segundo, uma política da pesquisa implicada –mais do que crítica– que, em vez de seguir um curso de ação prefixado, opera radicalizando sua relação com o real.
A Perícia Popular já não existe mais com esse nome, mas a sua potência continua viva, ativa, operando em articulações diversas desse laço entre. Algumas vezes, ela reaparece como uma Escola de Verão Monotrilho em Disputa (Figueiredo, Estévez, Rosa, 2019), outras vezes ela emerge na forma da Rede Cidades Pretas. Sempre perto do estudo e a amizade.
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NOTAS
Brais Estévez é doutor em geografia (UAB), trabalha como geógrafo urbano e integra o Grup de Geografia i Gènere da UAB. Fez a sua tese de doutorado em Barcelona, onde investigou sobre controvérsias urbanas e espaços públicos. Entre 2016 e 2019 trabalhou como pesquisador pós-doc no Programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia, em Salvador, Bahia (Brasil). Foi na Bahia onde seu trabalho etnográfico, tradicionalmente focado nos urbanismos de base, se encontrou com os urbanismos negros. É membro da rede de pesquisa Cidades pretas.
Contacto: brais.vilarinho@gmail.com
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O autor deste trabalho beneficiou-se de uma bolsa de pós-doutorado PNPD CAPES que fez possível esta pesquisa. Além disso, este artigo não teria sido possível sem o trabalho e a inventiva de Glória Cecília Figueiredo dos Santos na Perícia Popular. Quero agradecer, também, o apoio recebido de Pedro de Almeida Vasconcelos e Antonio Angelo Fonseca. Também, reconhecer e celebrar a hospitalidade, paciência e o engajamento de todas as pessoas que integram a AMACH.
Author notes
brais.vilarinho@gmail.com
Vol. 4
Num. 15
Año. 2021
Fugitividade na cidade patrimonial: a Perícia Popular no Centro Histórico de Salvador, Bahia
Brais Estévez
Universitat Autònoma de Barcelona
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Brais Estévez
Brais Estévez é doutor em geografia (UAB), trabalha como geógrafo urbano e é membro do Grup de Geografia i Gènere da UAB. Fez a sua tese de doutorado em Barcelona, onde investigou sobre controvérsias urbanas e espaços públicos. Entre finais de 2016 e finais de 2019 trabalhou como pesquisador pós-doc no Programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia, em Salvador, Bahia (Brasil). Foi na Bahia onde seu trabalho etnográfico, tradicionalmente focado nos urbanismos de base, se encontrou com os urbanismos negros. Seu trabalho recente foi publicado em jornais acadêmicos como International Journal of Urban and Regional Research e Radical Housing Journal. É membro da rede de pesquisa Cidades pretas.