Resumen
Lo proposito del trabajo es comprender el proceso de formulación e implementación del Marco Regulatorio de las Organizaciones de la Sociedad Civil - MROSC, centrándose en el tipo de control ejercido por la administración pública federal sobre las entidades sin fines de lucro que reciben transferencias voluntarias de recursos financieros. Para cumplir con el objetivo propuesto, se utilizó el Marco de Coalición de Defensa (ACF), un modelo analítico que aborda políticas maduras basadas en el concepto de subsistema, centrándose en coaliciones antagónicas en competencia para definir el diseño de una política dada, con el objetivo de revelando creencias, recursos y modos de acción de los grupos en disputa, así como las interacciones entre sus componentes. Se realizó una investigación cualitativa, que consistió en entrevistas con actores involucrados en la implementación del MROSC, así como el análisis documental de informes, opiniones y otros documentos oficiales de la Administración Pública. La aplicación del modelo ACF indicó la existencia de dos coaliciones de defensa. El primero, a favor de las asociaciones, aboga por la autonomía y la acción de la Organización de la Sociedad Civil (OSC) y el régimen de asociación, entendiendo las asociaciones como un espacio para la participación social, la democratización y la diversificación de las actividades del estado, con el objetivo de mejorar el servicio público. Por otro lado, la coalición contra las asociaciones o "desconfiados" está formada por tres perspectivas distintas: centradas en el estado, presupuestarias y criminalizadoras, que comparten una cierta unidad de acción, obstaculizando o creando mecanismos rigurosos de control para las asociaciones.
Palabras clave:
Análise das coalizões de defesa no marco regulatório das organizações da sociedade civil
João Mendes da Rocha Neto, César Dutra Carrijo
Análise das coalizões de defesa no marco regulatório das organizações da sociedade civil
RIPS: Revista de Investigaciones Políticas y Sociológicas, vol. 20, núm. 1, 2021
Universidade de Santiago de Compostela
João Mendes da Rocha Neto jmdrn@uol.com.br
Universidade de Brasília, Brasil
César Dutra Carrijo Capi1980@gmail.com
Universidade de Brasília, Brasil
Copyright © Universidade de Santiago de Compostela
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Recepção: 14/09/2020
Aprovação: 27/01/2021
Resumo: A proposta do artigo é compreender o processo de formulação e implementação do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC, com foco no tipo de controle exercido pela administração pública federal sobre as entidades sem fins lucrativos que recebam transferências voluntárias de recursos financeiros. Para cumprir o objetivo proposto, recorreu-se ao Advocacy Coalition Framework (ACF), um modelo analítico que aborda as políticas públicas maduras a partir do conceito de subsistema, com foco na atuação de coalizões antagônicas concorrentes na definição do desenho de determinada política pública, com o objetivo de revelar crenças, recursos e modos de atuação dos grupos em disputa, bem como as interações entre seus componentes. Realizou-se pesquisa qualitativa composta por entrevistas com atores envolvidos na implementação do MROSC, além da análise documental de relatórios, pareceres e outros documentos oficiais da Administração Pública. A aplicação do modelo ACF indicou a existência de duas coalizões de defesa. A primeira, favorável às parcerias, defende a autonomia e atuação das organizações da sociedade civil - OSC’s e o regime de parcerias, entendendo as parcerias como espaço de participação social, democratização e diversificação da oferta de atividades pelo Estado, visando à melhoria do serviço público. Por outro lado, a coalização contrária às parcerias ou “desconfiada” é formada por três perspectivas distintas – estadocentrista, fiscalizadora e criminalizante – que compartilham certa unidade de modo de agir, obstando ou criando mecanismos de controle bastante rigorosos para as parcerias.
Palavras-chave: Administração Pública, MROSC, Parcerias entre Estado e entidades sem fins lucrativos, Organizações da sociedade civil, Modelo de Coalizões de Defesa.
Abstract: The paper aims to understand the process of formulation and implementation of the Regulatory Framework of Civil Society Organizations - MROSC, focusing on the type of control exercised by the federal public administration over non-profit entities that receive voluntary transfers of financial resources. In order to fulfill the proposed objective, it was used the Advocacy Coalition Framework (ACF), an analytical model that addresses mature policies based on the subsystem concept, focusing on competing antagonistic coalitions in defining the design of a given policy, with the objective of revealing beliefs, resources and modes of action of the groups in dispute, as well as the interactions among its components. Qualitative research was carried out, consisting of interviews with actors involved in the implementation of the MROSC, as well as documentary analysis of reports, opinions and other official documents of the Public Administration. The application of the ACF model indicated the existence of two defense coalitions. The first, in favor of partnerships, advocates the autonomy and action of Civil Society Organization (CSOs) and the partnership regime, understanding partnerships as a space for social participation, democratization, and diversification of the state's activities, aiming at improving the public service. On the other hand, the coalition against partnerships or "distrustful" is formed by three distinct perspectives - state-centered, budgetary and criminalizing - that share a certain unity of action, hindering or creating rigorous control mechanisms for partnerships.
Keywords: Public Administration, MROSC, Partnerships between state and non-profit entities, Civil society organizations, Advocacy Coalition Framework.
1. Introdução
Antes do advento do MROSC, a falta de normas claras e permanentes sobre a relação entre a administração pública e as OSC’s tornava seu espaço de presença sujeito à incerteza e insegurança jurídica (Storto, 2013).
Neste contexto, é de se destacar que a legislação que disciplina a possibilidade de transferências voluntárias, desde o governo João Goulart, padeceu com a escassez de dispositivos legais1 que pudessem conferir alguma estabilidade ao setor, permanecendo com muito espaço para regulamentação infra legal, criando-se cenário para disputa de interpretações (Brasil, 2015).
Constatou-se um duplo prisma, de um lado pairava sobre esta temática uma desconfiança e suspeição sobre a atividade das organizações, como se emblematiza pelas CPIs que deram origem aos Projetos de Lei que acabaram por conformar a primeira redação do MROSC, marcado pelo controle rigoroso e estrito sobre as parcerias, com vigilância permanente e detalhista sobre os procedimentos e gestão das entidades. Do outro, houve uma mobilização da sociedade civil que fez prevalecer sua perspectiva na legislação sobre as parcerias, conferindo maior autonomia e prestigiando o papel desempenhado pelas OSC’s, (Brasil, 2015).
Deste modo, defende-se neste artigo que o MROSC é fruto do embate destas duas visões. A primeira com olhares de suspeição, filiada aos defensores do protagonismo dos órgãos de controle; a segunda advoga pela necessidade de o Estado prestigiar as parcerias, garantir a autonomia das entidades e o controle de resultados.
Diante da discussão por ora engendrada, o objetivo precípuo deste artigo é compreender, por meio do modelo analítico do Advocacy Coalition Framework como se desenvolveu o processo de mudança do regime de transferências voluntárias para as organizações de sociedade civil dentro do subsistema de parcerias do Estado no período 1997-2018.
A investigação se categoriza como pesquisa qualitativa, descritiva em sua maior parte, visto que apresenta e discute um recorte dos debates atuais sobre controle nas organizações públicas, e traz, com fundamento em documentos obtidos em bases do Congresso Nacional e do Executivo, o histórico do caminho percorrido desde as primeiras propostas legislativas até a sanção da Lei e edição dos decretos de regulamentação do MROSC.
É, também, uma pesquisa explicativa, visto que busca relacionar as crenças e coalizões detectadas para explicar as mudanças ocorridas no eixo do subsistema, em sintonia com o proposto pelo modelo ACF, que permite identificar diferentes lados de um debate político, explicando, ainda, as mudanças nas crenças e nas políticas ao longo do tempo, conforme Jenkins-Smith et al. (2014). No que tange à coleta de dados, recorreu-se a entrevistas semi-estruturadas a atores relevantes em todas as fases de elaboração do MROSC, bem como foi realizada uma análise documental para o cumprimento do objetivo.
Acerca de sua estrutura, este artigo, além da presente introdução, encontra-se assim organizado: referencial teórico, abrangendo sínteses da literatura que versa sobre o Advocacy Coalition Framework, acerca das organizações da sociedade civil e dos mecanismos de controle; análise do contexto institucional do processo de elaboração do MROSC, já com as reflexões sobre os achados; e, por fim, as considerações finais.
2. Abordagem teórica dos processos de mudança em políticas públicas
O Advocacy Coalition Framework (ACF)
Para desenvolver o modelo ACF, Sabatier e Jenkins-Smith (1993) partiram da necessidade de desenvolver uma alternativa à teoria do processo das políticas públicas que pudesse superar uma compreensão heurística das mudanças, a carência de teorias que dimensionassem o papel das ideias cientificas e técnicas nos debates políticos e a falta de uma abordagem sistêmica que fosse além da tradicional ênfase em instituições governamentais e comportamentos políticos.
No modelo ACF, o processo de mudança de política pública é concebido como fruto da competição, dentro de um dado subsistema, entre coalizões de defesa, que se norteiam por suas crenças e se valem de recursos para aproveitar fatores externos ou oportunidades internas para conseguir a alteração buscada, ao longo do tempo (Rodrigues, Vasconcellos Sobrinho y Vasconcellos, 2020). Assim, o ACF possibilita tanto um exame que considere múltiplos instrumentos de uma coalizão como também um prisma que abarque ambientes sociais mais amplos, tendo em conta que no ACF os atores externos por vezes podem ser mais influentes que os internos. (Moyson, Scholten y Weible, 2017)
O ACF é concebido sobre três premissas essenciais. A primeira delas diz respeito ao macro nível, que pressupõe que o processo de políticas públicas é guiado por especialistas dentro de um subsistema, mas afirmando-se que o comportamento destes atores é influenciado por fatores externos, dentro de um sistema socioeconômico e político mais amplo. A segunda premissa refere-se ao micro nível, centrado no indivíduo, advindo da psicologia social e que traz à baila o sistema de crenças. Como terceira premissa, considera-se um nível intermediário que propugna que a melhor forma de lidar com a multiplicidade de atores dentro de um subsistema é agregando-os em coalizões de defesa.
Com base no exposto, a compreensão dos conceitos subsistema, coalizões de defesa e sistema de crenças parecem basilar ao quadro teórico desta tese, razão pela qual são tratados separadamente a partir de agora.
Subsistema
O conceito de subsistema é nuclear no modelo analítico do ACF e constitui importante fator de distinção com demais quadros teóricos, justamente por ser sua unidade de análise e não, como em outros modelos, as instituições ou organizações. (Moyson, Scholten y Weible, 2017)
Em tal passo, é de se apontar que, na perspectiva do ACF, o subsistema tem seus contornos definidos pelo assunto da política pública, por seu escopo territorial e pelos atores que direta ou indiretamente influenciam o tema da respectiva política (Sabatier y Weible, 2007). Sublinha-se que o subsistema é integrado por “incontáveis números de componentes que interagem de modo não trivial para produzir resultados em determinado aspecto da política” (Sabatier y Weible, 2007:189), destacando-se também que tais componentes podem ser configurados por características físicas e institucionais ou até atributos dos atores, incluindo o sistema de crenças e recursos políticos. (Moyson, Scholten y Weible, 2017)
O subsistema demarca o raio de atuação, de modo integrado ou não, dos atores de determinada política pública. Em tal passo, como exemplo, poderia se pensar no subsistema ambiental brasileiro tendo seu escopo delimitado pelas raias da Política Nacional do Meio Ambiente, suas instituições e atores envolvidos, que poderia inclusive ser subdividido em subsistemas específicos – conservação da biodiversidade, controle da poluição, gerenciamento de recursos hídricos (Araújo, 2007). Trabalhos mais recentes foram produzidos sobre outras políticas públicas no Brasil, a exemplo do artigo de Ferreira et al. que discutiu a política habitacional, a pesquisa de Vicente, Calmon e Araújo (2017) que investigaram questões relacionadas ao ordenamento territorial no Distrito Federal ou o debate feito por Souza (2015) que se deteve nas disputas no âmbito da segurança pública.
Para aplicação do ACF, um passo fundamental é justamente delimitar adequadamente o escopo do subsistema, tarefa que deve seguir a regra fundamental de focar na dimensão substantiva e geográfica das instituições que delimitam as interações entre os atores que formarão as coalizões integrantes do subsistema, como destacado por Weible e Ingold (2018). Ainda como um dos requisitos do subsistema a ser tratado pelo ACF, tem-se a questão da maturidade, haja vista que o ACF é concebido para lidar com questões incompletas e contraditórias, que engendram problemas complexos. (Moyson, Scholten y Weible, 2017)
Para Sabatier e Weible (2007), um subsistema maduro é caracterizado por um conjunto de participantes (agências, grupos de interesse, institutos de pesquisa com unidades/departamentos especializados) que se considera reciprocamente participante de uma semi comunidade autônoma que divide expertise em determinado campo de políticas públicas e pretende influenciá-la por um período extenso.
Coalizões de Defesa
Como já visto acima, o conceito de coalizão de defesa é elemento definidor do modelo teórico, premissa fundante e componente central do subsistema. Assim, em desenvolvimento paralelo à literatura sobre as redes de políticas públicas que ressaltam a importância das relações interpessoais para explicar o comportamento humano, o ACF pressupõe que as crenças e comportamentos dos atores de um subsistema são fruto da incorporação de uma rede de contatos e que as políticas públicas são estruturadas, em parte, pelas interações entre agentes protagonistas do subsistema (Capelari et al., 2020).
Neste passo, o ACF sustenta que os participantes de um subsistema, buscando obter sucesso na definição da política pública, aliam-se com os atores que comunguem com suas crenças, compartilham recursos e desenvolvem estratégias complementares, segundo Rodrigues, Vasconcellos Sobrinho e Vasconcellos (2020). E neste ponto, o devil shift, tratado a seguir, acaba por acentuar a motivação por manter alianças e cooperação, conforme destacado por Capelari et al. (2020)
Note-se que a busca por aliados que partilham crenças se dará entre legisladores, servidores, líderes de grupos de interesse, juízes, pesquisadores e intelectuais com múltiplos níveis de participação governamental. Caso esta congregação produza um nível de coordenação (nontrivial coordination, no original) estará formada a coalizão de defesa. Nesse sentido, vale arrematar com o resumo de Capella:
Na perspectiva do modelo, as coalizões são geradas a partir de convicções, opiniões, ideias e objetivos dos atores envolvidos no processo do fazer política pública. Esse conjunto de ideais e convicções unido aos recursos políticos formata as coalizões e concretiza os objetivos e os interesses dos atores. São, portanto, as coalizões de defesa, dependendo de sua extensão e da natureza da política em causa, que determinam quais atores participam no sistema político, em uma abordagem de subsistemas que permite alocar uma multiplicidade de atores. (2015:465)
A literatura abriga, ainda, conteúdo referente aos recursos das coalizões. Inicialmente, menciona-se a autoridade formal dos atores que integram determinada coalizão, como alta burocracia, legisladores, juízes. Sabatier e Weible (2007) asseveram que este é um dos principais recursos da coalizão, sendo importante estratégia justamente a inserção de aliados em posições de autoridade privilegiada ou campanhas de lobby para influenciar. Fator decisivo na distinção entre uma coalizão dominante e uma de minoria.
Em seguida, lista-se a opinião pública como recurso das coalizões, destacando-se que o apoio coletivo à determinada posição da coalizão a fortalece, inclusive para eleger integrantes para cargos legislativos ou influenciar decisões oficiais. As coalizões têm como estratégia típica dispender tempo para arregimentar apoio da opinião pública.
As informações também são apontadas como recursos. Em um sistema em que as crenças e as ideias têm papel central, dados sobre as causas e gravidade de um problema, custos e benefícios das alternativas em jogo tornam-se fundamentais. Uso estratégico da informação é ferramenta tanto para melhor aglutinar coalizões, contestar oponentes, como para convencer autoridades com poder de decisão.
As mobilizable troops, ou o contingente que determinada coalizão consegue engajar, também são consideradas um recurso, constituindo demonstração de força política e mesmo um meio para levantamento de recursos financeiros – outro recurso destacado pelo ACF – que poderá ser usado para granjear os demais recursos já citados, como no custeio de fundos de pesquisa, organização de núcleos para produção de informação, financiamento de candidatos que depois serão membros com autoridade formal, gastos em campanhas de mídia para atrair opinião pública ou arregimentação de mais membros que podem integrar as mobilizable troops. (Weible y Ingold, 2020)
Por fim, há de se discutir a habilidade em liderança. Sabatier e Weible (2007) destacam que a literatura sobre empreendedores da política demonstra que líderes habilidosos podem criar uma aura atrativa da coalizão, usar recursos eficientemente e conseguir valer-se adequadamente de janelas de oportunidade após choques externos. (Rodrigues, Vasconcellos Sobrinho y Vasconcellos, 2020).
Sistema de Crenças
A concepção do ACF para os indivíduos é baseada em uma versão modificada do individualismo metodológico, sustentando que as mudanças no mundo são primariamente movidas por pessoas e não por organizações (Jenkins-Smith et al., 2014). Isto não equivale a dizer que o ACF refuta a influência do contexto no comportamento do indivíduo, mas sim afirma a influência de diversos fatores, especialmente a natureza das instituições relevantes, o grau de conflito e a seriedade das ameaças apresentadas pelos oponentes.
O ACF assume, na esteira de Simon (1947), que os indivíduos têm racionalidade limitada, sendo movidos instrumentalmente por objetivos, mas com incerteza sobre a forma como alcançá-los e limitados em suas habilidades cognitivas para processar estímulos. (Jenkins-Smith et al., 2014). Partindo de tais premissas, o ACF sustenta que os indivíduos simplificam o mundo por meio de um sistema de crenças que vão gerar vieses cognitivos na assimilação de estímulos. Nesta senda, dada a dificuldade de mudança de crenças normativas e a tendência dos atores de reconhecer a realidade por meio de filtros compostos pelas crenças preexistentes, é de se compreender que membros de diferentes coalizões irão perceber a mesma informação de modos muito diverso. (Jenkins-Smith et al., 2014).
O ACF ainda herda uma premissa chave da teoria da perspectiva de Kahneman e Tversky (1974) que defende que os indivíduos valorizam mais as perdas do que os ganhos, resultando numa sobrevalorização das lembranças das perdas em comparação com as vitórias. Tal premissa gera a chamada devil shift, tendência dos atores de enxergar seus oponentes como menos confiáveis, imbuídos de motivações ruins e com mais recursos do que provavelmente são. O que acaba por aumentar o alinhamento entre membros de uma mesma coalizão e exacerba os conflitos com seus concorrentes. (Jenkins-Smith et al., 2014)
Em seguimento à literatura que estuda os participantes das políticas públicas (Jenkins-Smith et al., 2014; Puntnam, 1976; Simon, 1985), o ACF divide o sistema de crenças em três graus hierárquicos. Deste modo, em um primeiro nível, mais radical, estão os valores fundamentais, normativos e ontológicos, são as deep core beliefs, não dizem respeito a nenhuma política pública específica e podem ser aplicados a múltiplos subsistemas. Envolvem premissas genéricas, normativas e ontológicas sobre a natureza humana, a prioridade de valores fundamentais como liberdade e igualdade, garantias de proteção à diversidade, o papel do Estado e do mercado bem como o nível de abertura da participação em decisões governamentais. São crenças formadas na socialização ainda na infância e extremamente difíceis de serem alteradas. (Jenkins-Smith et al., 2014)
Já as policy core beliefs são delimitadas pelo escopo e tema do subsistema da política pública e também detém componente territorial. (Sabatier; Weible, 2007). Trata-se de derivação das deep core beliefs pelos subsistemas de políticas públicas, são mais restritas em escopo e têm foco nas regras e orçamento de programas, a gravidade e causas de problemas, modos de participação. (Jenkins-Smith et al., 2014).
Sabatier e Jenkins-Smith (1999) definiram onze componentes do policy core beliefs, passando pela prioridade de diferentes valores relacionados com a política pública, para quem o Estado de Bem-Estar Social deve valer, a autoridade relativa do Estado e do mercado, o papel apropriado do interesse público, dos agentes públicos eleitos, servidores, experts. Para exemplificar com hipóteses da realidade brasileira, pode-se citar
Posições sobre tipos prioritários de instrumentos de políticas públicas, controle do desmatamento, criação de unidades de conservação, direitos das populações tradicionais e participação do setor privado na solução dos problemas ambientais são exemplos de elementos do núcleo de políticas públicas apresentados em políticas de meio ambiente [...] (Capelari; Araújo; Calmon, 2015: 94)
Antes de se passar ao terceiro nível do sistema de crenças, vale ressaltar que não existe correspondência direta e imediata entre os deep core e as policy core beliefs. No entendimento de Sabatier e Weible (2007), os relacionamentos que se desenvolvem dentro do subsistema são bastante conhecidos pelos atores envolvidos nas políticas públicas, estando dispostos a investir esforços para aplicar certas crenças fundamentais para o fortalecimento de crenças específicas da política pública em determinado subsistema. Não obstante, nem sempre há compatibilidade entre as crenças fundamentais e específicas da política pública em questão.
Finalmente, os secondary beliefs, ou preferências instrumentais, relacionam-se a tópicos específicos de uma política pública como, por exemplo, decisões acerca da alocação de recursos orçamentários, como explicam Capelari, Araújo e Calmon (2015) e Moyson (2017). Para Sabatier e Weible (2007) e Moyson (2017), essas preferências instrumentais podem revelar, ainda, a gravidade e as causas de problemas em um território definido, bem como as diretrizes de participação pública dentro de um estatuto específico. Por terem escopo mais restrito, alterações nos secondary core beliefs demandam menos evidencia e menos acordo dentro dos atores do subsistema.
Subsistema, coalizões de defesa e crenças podem ser entendidos como os construtos formadores do ACF. Contudo, é preciso considerar os fatores externos que influenciam os processos de mudança de políticas públicas.
Fatores Externos
A influência do ambiente externo ao subsistema de políticas, onde terão origem os processos de mudança de políticas públicas, leva em conta os parâmetros relativamente estáveis do subsistema, constituídos pela estrutura constitucional que embasa o tema, os fundamentos socioculturais, a distribuição dos recursos naturais e atributos básicos do problema (Sabatier; Weible, 2007). Por se ligarem a aspectos estruturantes, raramente sofrem alterações ou impulsionam mudanças no subsistema, tendo importância para estabilizar os recursos e restrições dos atores do subsistema.
Em seu trabalho sobre o modelo ACF, Sabatier e Weible (2007) apoiaram-se na literatura das estruturas de oportunidades políticas para propor um conjunto de variáveis - as estruturas de oportunidades - que intermediariam a relação entre os parâmetros estáveis e o subsistema. Tais estruturas referem-se às características relativamente duradouras de um sistema político que afetam os recursos e restrições dos atores de um subsistema. Identificam- se dois conjuntos de variáveis: (i) grau de consenso necessário para mudanças substanciais; e (ii) abertura do sistema político.
Assim, quanto maior o grau de consenso requerido pelo sistema político para que uma mudança ocorra – graduando-se de uma democracia bastante pulverizada a um regime autoritário - maior o incentivo para as coalizões serem inclusivas e buscarem compromissos e compartilharem informações com os oponentes.
No mesmo passo, a abertura do sistema político deriva do número de pontos de decisão e acessibilidade de cada um deles. Deste modo, quanto mais pluralista e acessível o sistema político, mais aberto estará a possibilidade de alteração nas políticas públicas – e, portanto, mais indicado o uso do ACF.
3. ACF aplicado ao ecossistema institucional envolvido no MROSC
A principal constatação da aplicação do ACF no regime de parcerias foi a percepção de que não houve, como em outros subsistemas estudados, uma coalizão dominante ou claramente vencedora que tenha conseguido impor suas policy cores beliefs para definição do regime. O que se tem como marca da ainda em construção política de fomento e colaboração é justamente a tensão permanente entre as coalizões e a não exata adoção de um modelo em sua plenitude.
Comparativamente, ao se pensar um subsistema como o do regime de águas do Rio São Francisco, a realização da transposição representa claramente os anseios de uma coalizão (Viana, 2011), assim como no novo regime de administração portuária, que arbitrou as disputas entre coalizões estatistas, desenvolvimentistas ou liberais que permearam o setor nas últimas décadas (Fonseca, 2017). Já para o regime de parcerias, não há um momento em que o desenho da política tenha sido definido conforme as crenças de uma das duas coalizões identificadas e, assim, tenha se estabilizado por um período maior.
Em forma diversa dos exemplos acima, como se evidencia na trajetória legislativa do MROSC, houve uma tentativa de combinação de perspectivas muitas vezes opostas, chegando- se ao fim a uma abordagem que embora mais representativa da perspectiva da coalizão favorável, ainda carregue os efeitos de sua gênese na coalizão contrária ou desconfiada.
A respeito disso, reconhece-se que, num regime cuja diretriz fundamental é o controle de resultados, pouco foi desenvolvido sobre mecanismos para aferir o alcance das metas, o que pode parecer contraditório, embora compreensível, já que configura uma consequência do jogo de forças em choque na concepção do projeto de lei.
É preciso considerar que, ao sair de uma primeira abordagem com enfoque acentuado no controle de meios, as alterações promovidas pela Lei 13.204/15 não conseguiram transformar o MROSC num regramento caracterizado pelo controle de resultados. No embate entre coalizões, o saldo positivo para a coalizão favorável não foi significativo a ponto de se permitir a adoção integral do controle de resultados. As consequências deste embate inconcluso são danosas pela incompletude gerada, isto é, o modelo gerado é muito mais próximo de escolhas sub-ótimas dentro do disputado processo de concessões recíprocas entabulado no Congresso Nacional e mesmo nas arenas internas do Poder Executivo, como demonstrado nos pedidos de veto. Vale considerar a percepção de um dos entrevistados sobre este aspecto:
Talvez ele tenha ficado ainda muito tímido em termos da ênfase sobre controle de resultados, provavelmente essa timidez vai aumentar ainda mais quando os órgãos de controle começarem a aplicar as suas interpretações com a legislação que já está começando a ocorrer, ou seja, provavelmente vai ter um passo atrás porque é sempre muito difícil na cultura administrativa do controle público no Brasil, no controle da burocracia relaxar a ideia de acompanhar o curso de dinheiro e olhar a implementação do resultado. Então, isso é um ponto que foi levantado, não adianta ficar falando de controle de resultado, controle de resultado, se você não consegue controlar resultado porque isso não existe no projeto de forma clara.
Neste sentido, a timidez alegada para o controle de resultados pode ser entendida não como fruto da falta de empenho da coalizão favorável às parcerias para desenvolver o modelo, mas como reflexo da utilização de seus recursos para evitar que o desenho do regime permanecesse na lógica de controle procedimental, afastando-se do alcance de seus objetivos.
Assim, é de se pensar que o modelo inicial do MROSC continha arranjos que tornavam a execução das parcerias quase inviável, conforme se pode atestar pelos pedidos de dilação da entrada em vigor espalmados nas Medidas Provisórias 658 e 684. O desenho hoje vigente é mais a superação de tais obstáculos do que a projeção dos objetivos desejados pela coalizão favorável.
Deste modo, o que se defende é que o regime de parcerias nunca teve uma coalizão realmente dominante, seja nos governos de Fernando Henrique Cardoso ou nas gestões petistas, o embate entre as visões nunca permitiu a adoção firme e decidida de um dos modelos.
Em tal prisma, considera-se a repercussão negativa que a tentativa de fomento ao modelo por meio da Lei das OS e das OSCIPs tiveram. A primeira foi contestada inclusive por meio de ADIN, havendo pouca adesão ao formato. Quanto as OSCIPs, não houve aderência ao modelo, conforme Ferrarezi (2001), o que pode ser compreendido dada a robustez dos requisitos burocráticos necessários à titulação e o perfil das OSC’s no Brasil, majoritariamente pequenas e com poucos empregados, revelando-se incapazes de cumprir as exigências da Lei 9.790.
Neste sentido, ao se focar nos governos FHC, é de se lembrar as citadas ponderações de Rezende (2002) que dissertava sobre o entusiasmo dos órgãos centrais de governo para adoção de mecanismos de redução do gasto estatal, mas a retração na implementação de institutos ligados a uma melhora gerencial, que demandariam descentralização e menor controle.
Verifica-se, então, que o terceiro setor não alcançou o pressuposto de confiança, como discutido por Bresser-Pereira (1996). As evidências coletadas na pesquisa indicam que a consolidação de um regime de parcerias nunca se perfez à inteireza, cumprindo as exigências colocadas para uma OSCIP de, por exemplo, ter um regulamento de compras próprio, conselho fiscal, observância de regime contábil específico. Cabe ressaltar que estes são requisitos fora da realidade da quase totalidade das OSC’s, que simplesmente não possuem nenhum empregado registrado ou contam com até dois empregados em sua maioria. Neste sentido, a concepção adotada na Lei das OSCIPs era inconciliável com a capacidade organizacional das entidades: não se alcançaria uma real evolução das parcerias com arranjo que não dialoga com a realidade das organizações.
Diante deste contexto, a coalizão contrária às parcerias enxergava a atitude das organizações em se manter sem a titulação de OSCIP como um desejo de manutenção de benefícios indevidos, de perpetuar arranjos de “ação entre amigos”, conforme relatório da 1ª CPI das ONG’s. Isto é, por mais que a coalizão favorável às parcerias estivesse próxima da autoridade formal, não se evoluiu para um desenho de política de colaboração e fomento que pudesse ser efetivamente implementada.
De igual sorte, a ascensão de gestões petistas também não pode ser vista como fator decisivo para uma predominância da coalizão favorável às parcerias. Embora tenha havido manutenção de espaço para articulação e relação da administração com a sociedade civil, especialmente nas Secretarias Especiais e na Secretaria Geral da Presidência da República, os marcos institucionais não tiveram alteração em curto prazo.
Em tal prisma, é de se atentar que a dinâmica de avanço e recuo ou, em linguagem mais prosaica, o “cabo de guerra” entre as coalizões seguiu tendo curso, lembrando-se que foi no primeiro ano da gestão Lula que se editou a IN STN 03/2003 exigindo que as OSC’s que conveniassem com a administração federal deveriam adotar procedimentos análogos à lei de licitações em suas contratações. Nada poderia ser mais reflexo das crenças da coalizão contrária ou desconfiada com as parcerias do que exigir que uma entidade sem fins lucrativos realize uma licitação para adquirir bens e serviços para sua operação cotidiana.
Ademais, se na gestão FHC a visão fiscalista e criminalizadora da coalizão contrária às parcerias tinha vulto, com as gestões petistas ainda se agregou a perspectiva estadocêntrica, lembrando-se que o PT foi autor de ADIN contra a Lei das OS, assim como é conhecida reatividade de setores à esquerda (Lampert, 2007) com as fundações universitárias, arranjo específico para parcerias no ensino superior público ou mesmo com o terceiro setor (Montaño, 2002).
Seguindo na análise da gestão petista, pondera-se que a segunda CPI das ONGs teve seu requerimento de instauração assinado pelos parlamentares governistas, que deixaram de se opor após a relatoria concordar em investigar as parcerias também da gestão presidencial anterior. No mesmo prisma, o Relatório da segunda CPI registrou manifestação da Senadora Ideli Salvati, que depois viria ser a articuladora política principal do primeiro mandato de Dilma Roussef, desvelando crenças estadocêntricas e fiscalistas ao defender a aplicação de regime jurídico de direito público para OSC’s que recebam recursos públicos.
Se as gestões petistas propiciaram o Decreto 6.170/07 e a instalação do SICONV em 2008, que devem ser vistos como melhorias para o funcionamento das parcerias, não se pode dizer que houve uma mobilização mais decidida para o aperfeiçoamento geral do regime de parcerias. Os avanços erráticos, cedeu lugar para uma visão criminalizante, como no Decreto 7.592/2011, que suspendeu repasses e determinou avaliação das parcerias vigentes, alimentando um clima de suspeição geral contra as OSC’s em 2011.
Ainda assim, por mais que o GTI-MROSC e o mandato conferido à Secretaria Geral para conduzir a conflitos MROSC tenham sido relevantes e decisivos para que enfim houvesse o marco regulatório, o apoio dado pelo núcleo decisório de governo à pauta foi oscilante, além dos inúmeros pedidos de veto discutidos.
As recentes trocas nas coalizões governamentais, como visto, também não contribuíram para que a implementação do regime de parcerias ocorresse de forma mais vigorosa. Embora o extinto Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão tenha permanecido com um Departamento de Transferências Voluntárias, e mesmo a edição da recente Instrução Normativa Interministerial nº 05/2018 tenha estabelecido um modelo preditivo de análise de prestação de contas que poderá contribuir para a redução de passivos, é de se lembrar tanto o corte significativo nos valores repassados, a comentada elitização no perfil das transferências e mesmo a não instauração do CONFOCO Federal.
Assim, a leitura aqui defendida não é sobre uma suposta superioridade ou correção da coalizão favorável às parcerias ou sobre o mérito de determinados dispositivos do MROSC e da impropriedade de posturas fiscalistas ou criminalizadoras. Conforme debatido, os órgãos de controle forneceram importantes subsídios para a trajetória do regime de parcerias e o aperfeiçoamento advindo do SICONV. Além do mais, o ganho de legitimidade, diversidade e transparência decorrentes dos chamamentos públicos pode ser imputado às pressões dos posicionamentos da coalizão “desconfiada” com as parcerias.
Entretanto, trata-se de aspecto realmente deletério em não haver um desenho claro e definido para a política pública. Ao fim e ao cabo, o regime de parcerias seguiu num curso de marchas e contramarchas, que acabaram por resultar em uma politica pública ainda inacabada.
Em termos práticos, percebe-se que o regime de parcerias conta com instrumentos elogiáveis como os recursos do extinto SICONV, hoje denominado Portal Mais Brasil, o portal de transferências abertas e o MAPA das OSCs, mas também presencia infortúnios burocráticos quase pictóricos. Em outras palavras, ao passo que existe um impulso para avançar, de se assumir o desenho de um modelo e buscar a consolidação da política, há também uma certa força que pretende manter o regime de parcerias como se ainda estivesse regrado pela IN 01/97, o que foi relatado pelos entrevistados.
Em tal perspectiva, sem deixar de considerar os sucessos de parcerias nacionais, como bem emblematizado no citado caso da Articulação do Semiárido, é pertinente apontar que em cenário internacional, o estudo das chamadas cross-sector partnership tem demonstrado como a colaboração eficiente entre poder público e diversos segmentos do setor privado podem produzir arranjos interessantes (Buffet y Eimicke, 2018).
Tal literatura revela já existir prática consolidada para avaliação impacto de ações sociais decorrentes destes arranjos, são previstas métricas objetivas, parâmetros e critérios para mensurar os resultados e inclusive auxiliar na decisão sobre onde alocar recursos para filantropia. Neste contexto, embora a avaliação de resultados nem de longe seja matéria estranha à academia brasileira, a administração pública se ressente de mecanismos para mensurar o sucesso ou alcance de metas no regime de parcerias.
Ainda que o sucesso de inúmeras parcerias e a imprescindibilidade do terceiro setor na democracia brasileira tenha sido retratado nesta pesquisa, é reveladora a forma como a tônica dominante do regime de parcerias não se afina com a proposição de novos arranjos e busca de composições inovadoras, que melhor atendam o interesse público e propiciem o desenvolvimento da sociedade brasileira, estando presente a antiga disputa que preza pelo controle, pelo excesso de burocracia e pelos conflitos governamentais, corroborando com a discussão feita por Weible e Hekkila (2017).
O avanço desta caminhada para o alcance da estabilidade em torno do desenho de uma política pública para as parcerias, como dito, parecem se dar em terreno incerto, com permanente receio de se dar passos de regresso ao ambiente mais seguro. Isto é, ao invés dos debates do MROSC terem se concentrado em quais seriam as métricas para avaliar resultados, quais seriam os mecanismos de avaliação da satisfação dos beneficiários, como qualificar o gasto público, qual o melhor desenho e objetivo de uma parceria, discutia-se ainda a possibilidade de remuneração de empregados e dirigentes, dialogando-se com uma visão bastante ultrapassada e sem paralelo em nações desenvolvidas do terceiro setor apenas na lógica do voluntariado.
Ao invés de se pensar em como uma parceria pode aperfeiçoar uma política pública, como se poderia avaliar o seu resultado, buscar exemplos internacionais exitosos, investigar o modo que mais alavanque o desenvolvimento da população beneficiária, como buscar efeito multiplicador, como convergir uma parceria com políticas já realizadas pela atuação estatal, discute-se anos sobre a necessidade ou não de uma OSC realizar uma licitação para comprar insumos básicos à sua atividade.
Adicionalmente, quase dezena de Estados da federação que regulamentaram o MROSC exigindo análise financeira mesmo quando os resultados tenham sido atingidos, em contrariedade à possibilidade de dispensa expressamente consignada na lei, parece evidenciar o quanto da energia da coalizão favorável às parcerias se aloca para evitar retrocessos ao invés de se concentrar em uma agenda mais propositiva para o desenho de uma política de fomento e colaboração.
Neste panorama, conforme o ACF ensina, na impossibilidade de se imaginar mais um choque externo ao sistema para uma major policy change, é de se esperar que as mudanças para superar a dinâmica de embate permanente no regime de parcerias e definição de um desenho claro irão ocorrer por meio da interação entre as coalizões, com o aprendizado orientado de políticas públicas.
Frente à discussão engendrada, percebe-se que o recurso mais importante das coalizões será justamente a informação: trazer dados que subsidiem qualificadamente o debate e possibilitem avanços e a consolidação de uma política nacional de fomento e colaboração.
4. Considerações finais
Este artigo buscou analisar as mudanças no regime de parcerias da administração pública federal com organizações da sociedade civil, com auxílio da aplicação do modelo analítico do ACF. Neste passo, acredita-se que o objetivo geral de compreender o processo de mudança do regime de transferências voluntárias para as organizações de sociedade civil dentro do subsistema de parcerias do Estado no período 1997-2018, foi alcançado.
Entendeu-se que as alterações havidas desde o início da vigência da IN nº 01/97 até o cenário atual de implementação do MROSC deu origem a duas coalizões, sendo uma favorável à celebração de parcerias e a segunda coalizão contrária ou “desconfiada”. Conforme recomenda o ACF, buscou-se revelar o sistema de crenças e recurso de cada uma das coalizões. Os primeiros resultados desvelam a peculiaridade da composição das crenças das coalizões, tendo em vista que atores que no espectro político direita-esquerda estariam em polos opostos podem figurar em uma mesma coalizão sobre as parcerias. Eis que, independente da crença sobre Estado mínimo ou provedor de serviços, há alternativas de policy core beliefs que os aglutinam.
A coalizão favorável é composta por atores que, dentro de uma perspectiva de redução do protagonismo e do peso estatal, enxergam as parcerias como alternativa eficiente na realização de políticas públicas essenciais, e por atores que entendem as parcerias como espaço de participação social, democratização da gestão pública e diversificação de políticas públicas. Quanto às crenças da coalizão contrária, predominam três perspectivas, a saber, a visão estadocêntrica, que enxerga o terceiro setor como instrumento de redução do papel do Estado, com riscos de se deixar parcela importante da população desassistida; a visão criminalizadora, em referência ao combate de favorecimento a grupos de interesses diversos que não o bem- estar social; e a crença fiscalista, associadas à necessidade do rigorosa cautela com o gasto estatal, enxergando as parcerias como um meio de dispêndio que reduz os meios de controle do Estado.
Concernente às contribuições deste trabalho, os achados da pesquisa permitem dizer que o desenvolvimento das parcerias entre Estado e as entidades está atrelado à interação entre as coalizões, especialmente no que tange ao aprendizado de políticas públicas. Como limitação, é de se citar a impossibilidade de se ter combinado a aplicação do ACF com uma análise que agregasse o exame da cultura organizacional na administração pública ou se utilizado da abordagem das Análises das Redes Sociais, que poderiam ter auxiliado na compreensão da relação entre os atores das coalizões.
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Notas
1
De 1964 a 2014, excetuando-se artigos dispostos em leis orçamentárias, que tem vigência termporária e mutável, apenas três dispositivos legais serviram de alicerce para as transferências e convênios, o art. 16 da Lei 4.320, de 1964, o art. 82 do Decreto-Lei 2300, de 1986 e o artigo 116 da Lei 8.666, de 1993.
ISSN: 1577-239X
Vol. 20
Num. 1
Año. 2021
Análise das coalizões de defesa no marco regulatório das organizações da sociedade civil
João MendesCésar da Rocha NetoDutra Carrijo
Universidade de BrasíliaUniversidade de Brasília,BrasilBrasil
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