Neste artigo, propomo-nos a reflexão do “quebra-cabeça literário” intitulado
In this paper, we reflect upon the “literary puzzle” named
Jorge Luís Borges
A expressão “quebra-cabeça literário” surge de um anônimo autor de notícias do
Além disso, há muitos objetos manipuláveis no meio do livro. Como diz o idealizador do projeto, J.J. Abrams, em entrevista ao
Na era do e-mail e das mensagens instantâneas, quando tudo é enviado para a nuvem e torna-se intangível,
A distinção das vozes discursivas, portanto, é dada a partir da materialidade gráfica da publicação –havendo, inclusive, outras vozes menores, como bilhetes com a letra das personagens F. X. Caldeira e do pesquisador francês Desjardins.
Percebemos, portanto, que a manipulação da materialidade do objeto literário é essencial para a leitura de
pode-se dizer que a estética material, como hipótese de trabalho, é inócua e, numa conscientização clara e metódica dos limites do seu emprego, pode até tornar-se fecunda, se for estudada apenas a
Bakhtin escreve em 1924, quando certamente a questão da materialidade do objeto literário era tratada de maneira bastante distinta. Aqui, portanto, propomos uma ampliação do pensamento bakhtiniano, pois o objeto estético analisado extrapola os limites da literatura olhada por Bakhtin. A proposta de J.J. Abrams e Doug Dorst com a produção desse livro-objeto é justamente imiscuir as questões materiais e de conteúdo da obra de arte literária. Entretanto, se nos ativermos apenas às questões materiais, não alcançaremos o todo da análise estética a ser empreendida sobre esse objeto literário:
Se, durante um longo período, a História do livro assentava, essencialmente, na sua dimensão textual (no seu conteúdo), nos últimos tempos, têm sido especialmente valorizadas a sua condição material, a sua forma, a sua anatomia (Pelachaud, 2010, p. 430),
Assim, por estar “ao serviço do conteúdo”, a materialidade do livro-objeto não ganha protagonismo “solo” na criação literária, mas sempre, como preconiza
Corroborando a perspectiva de J.J. Abrams acerca de
o códice pode ser não só palco da experiência afetiva do texto que você curiosamente resolveu ler até o momento, mas também uma forma de vivência poética. Assim, o livro transcende o suporte para se constituir no corpo do que você lê e sente.
“O livro-objeto constrói narrativas novas e também reinventa o planejado, permitindo nuances novas” (
E por que “meta-paratextuais”? O livro constitui uma espécie de narrativa em abismo (
Assim, “a mise en abyme denuncia uma dimensão reflexiva do discurso, uma consciência estética activa ponderando a ficção, em geral, ou um aspecto dela, em particular, e evidenciando-a através de uma redundância textual que reforça a coerência e, com ela, a previsibilidade ficcionais” (
Quanto à ligação entre as intrigas principal e secundárias,
Em
Desse modo, o prefácio e as notas de rodapé estabelecem uma ligação mecânica
Já as demais histórias (intrigas) completamente desenvolvidas à margem tendem a estabelecer outros tipos de ligação com a intriga principal –ou até entre si mesmas.
Há uma ligação formal quando o próprio leitor precisa estabelecer as relações de paralelismo ou contraste entre as intrigas, como é o caso das histórias pessoais de Eric e Jen. No caso, Eric tem um embate com seu ex-orientador (Moody) e sua antiga colega de trabalho (Ilsa), embate que inclusive o impede de circular pelo
Também se pode perceber uma ligação temática por paralelismo entre as histórias amorosas de Eric e Jen e aquela que eles vão descobrindo que houve entre Straka e Caldeira –já exibida em excerto acima. Entretanto, a ligação entre as histórias passa do paralelismo ao contraste quando Eric e Jen se encontram e, ao final, ficam juntos:
Note-se que todas as intercorrências
Há uma grande ligação formal paralelística entre as intrigas quando, na narrativa de
Por fim, as notas de rodapé, em todos os momentos, estabelecem relação mecânica com a intriga principal, como já dito. Entretanto, quando Jen e Eric começam a aprofundar em seus sentidos, elas ganham autonomia narrativa e carregam em si códigos que se ligam à narrativa externa ao romance, relativa à perseguição de Straka e do S. pelo Novo S:
{ {A Roda de Eötvös
Obviamente, as vozes das personagens, mesmo aquelas externas a
No
título, subtítulo, intertítulos, prefácios, posfácios, advertências, prólogos, etc.; notas marginais, de rodapé, de fim de texto; epígrafes; ilustrações; errata, orelha, capa, e tantos outros tipos de sinais acessórios, autógrafos ou alógrafos, que fornecem ao texto um aparato (variável) e por vezes um comentário, oficial ou oficioso, do qual o leitor, o mais purista e o menos vocacionado à erudição externa, nem sempre pode dispor tão facilmente como desejaria e pretende.
Assim, tudo o que é enunciado pelas personagens Caldeira, Eric e Jen corresponde a algum tipo de paratexto, pois tudo gira em torno do texto-base de Straka:
Na perspectiva paratextual, o texto é ampliado pelos elementos-fronteira que o envolve[m], como os elementos pré-textuais e pós-textuais, mas também pela rede de comentários, próprios da crítica ou fora do âmbito dela. Assim, percebendo-se uma relação interdiscursiva, chega-se ao hipertexto. Com esse intuito, o prolongamento da obra, a partir de seus invólucros, tem as funções de apresentar e presentificar, torná-la presente, assegurando sua recepção. (
Uma vez que a função do paratexto pode ir de comunicar uma simples informação até a exposição de uma intenção ou uma interpretação do texto-base, os autores de
Como há, nos paratextos de
Como já dito, além desse texto, são de Caldeira as notas de rodapé de todo o volume. Interessa ver que Genette, já no início do seu
Sobre o prefácio –no sentido de suspensão de sua condição “não obrigatória”
As notas de Caldeira, entretanto, ficcionalmente mimetizam (ou emulam) uma nota “real”, tecendo comentários históricos, geográficos, políticos, sociais ou biográficos sobre V. M. Straka e seu entorno. Vejamos como o autor francês define este elemento paratextual que pode nos ser válido para a análise:
Uma nota é um enunciado de tamanho variável (basta uma palavra) relativo a um segmento mais ou menos determinado de um texto, e disposto seja em frente seja como referência a esse segmento. [...] em muitos casos, o discurso do prefácio e o do aparato de notas estão numa relação muito estreita de continuidade e de homogeneidade. (
Vemos que tanto as notas como as anotações marginais de Jen e Eric frequentemente estão ligadas, mesmo que como “início de conversa”, a alguma passagem de
Olhando mais de perto o texto “Nota de tradução e prefácio”, que se adequa à classificação de
A “falsificação” de uma publicação de 1949 é tão detalhadamente cuidada que até a segunda página, ou o verso da folha de rosto, que hoje comumente é ocupada pela ficha catalográfica, está completa em seu teor –ela contém a “declaração de ficcionalidade”, o
Quanto ao “contrato de ficcionalidade”, diz
Aqui também a metaliterariedade está presente de maneira irônica, pois justamente a persecução do rastro de personagens e acontecimentos narrados de maneira alegórico-metafórica em
Os demais elementos da página, embora menos reveladores, também nos levam a buscar a falsa veracidade do livro. Importante perceber que o
Retomando, sobre a classificação de um prefácio alógrafo fictício, diz ainda
No prefácio
Certamente
Além desta, outras características do prefácio postas por
Neste momento, precisamos delimitar algumas questões. O livro, como já dito, foi concebido pelo cineasta J.J. Abrams. Ele é o criador de inúmeras séries de sucesso na TV americana, como
Os livros-objeto assimilam traços e/ou semelhanças de/com outras áreas como o cinema, a arquitetura, a publicidade, a embalagem e/ou com os objetos do dia a dia (como brinquedos), por exemplo, que, inevitavelmente, solicitam uma leitura distinta da tradicional e um novo perfil de leitor. (
Na entrevista com Antônio Rhoden, designer que adaptou o conteúdo gráfico original para a versão brasileira, captamos a informação de que, embora a autoria do livro seja compartilhada entre Abrams e Doug Dorst, há uma equipe para a produção do volume
A aparência sedutora desses livros, prolíficos e heterogêneos, divide-se entre os livros
Não estranha à discussão acadêmica acerca dessa obra seria, portanto, entender o lugar limítrofe em que ela se coloca:
Sobre isso, fala o filósofo alemão contemporâneo Christoph Turcke, quem, ao tratar da influência do cinema em nossas formas de percepção e expressão, diz que “cada corte de imagem atua como um golpe óptico que irradia para o espectador um ‘alto lá’, ‘preste atenção’, ‘olhe para cá’, e lhe aplica uma pequena nova injeção de atenção, uma descarga mínima de adrenalina –e, por isso, decompõe a atenção, ao estimulá-la o tempo todo” (
Então, quando dizemos que é possível, no livro
Uma vez que a narrativa paratextual direciona para a persecução da identidade de V. M. Straka e de sua não concretizada relação amorosa com Filomela X. Caldeira, cujo escrutínio fica a cargo de Eric e Jen, toda a questão teórica está relacionada ao biografismo enquanto excessiva utilização de dados biográficos para a análise de obras literárias. A questão do biografismo na crítica literária, ou crítica biográfica, é uma corrente do pensamento sobre a literatura que ganhou força ao longo do século XIX e que, em meados do século passado, perdeu força para uma análise mais colada ao texto. A querela crítica pode ser dimensionada pelo teor do comentário de Afrânio
A biografia monopolizou quase por completo os estudos literários no Brasil, inclusive a crítica, a ponto de constituir um sério desvio a ser corrigido. Ela absorveu, por influência de Sainte Beuve
A reflexão de Coutinho reverbera na fala de Caldeira (1949, p. vi) no Prefácio de
Há outros momentos em que Caldeira reafirma a necessidade de que a crítica literária se atenha à Obra, e não ao Escritor (maiúsculas da prefaciadora): “Mas o foco no Escritor e não na Obra desonra ambos” (1949, p. vii). A reincidência desta consideração teórica poderia funcionar, não fosse o fato de a maior parte do prefácio se dedicar justamente à discussão das possíveis identidades de V. M. Straka, como pondera o jovem Eric em anotação à lápis no final do prefácio: “{Por que acrescentar notas de rodapé que se concentram na questão da identidade se você acha que os leitores não deviam se importar? Não faz sentido!}” (1949, p. xiv)
Existe, portanto, uma tensão entre posicionamentos teóricos acerca da importância da biografia do autor no interior do discurso de Caldeira. Contudo, o contexto em que se insere (o quebra-cabeça literário
Assim, a persecução de Eric e Jen pela identidade e história de Straka e Caldeira é uma das narrativas que o leitor acompanha no livro, o que faz com que comentários biográficos levantados pela tradutora/prefaciadora acabem se imiscuindo à narrativa:
Não tenho qualquer anseio de
Embora nas primeiras páginas os leitores-personagens achem a postura crítica de Caldeira contraditória –como quando Eric comenta, sobre a citação acima: “{Coisas assim mostram que FXC era um picareta}” (1949, p. x)–, posteriormente, esse olhar biográfico é, de certa forma, assimilado à busca de Eric e Jen. Esse é o principal ponto de contato entre as narrativas –tanto para o desenvolvimento das intrigas secundárias (nos paratextos) quanto para uma perspectiva diferente à intriga principal (
Mais frequente e mais evidentemente um pensamento crítico é a leitura
Alguns leitores talvez pensem: será isso talvez uma pista de como o Straka real podia parecer naquele momento da vida? A esses eu digo: leitores, vocês acham que um escritor do calibre de Straka é incapaz de imaginar o físico de um personagem? Precisam supor que um escritor pega emprestado de si mesmo todos os detalhes triviais de um personagem? (1949, p. 288)
De forma bastante incisiva e um pouco irônica, a tradutora destaca a capacidade imaginativa de um escritor, apontando uma superinterpretação biográfica por parte da crítica. Sobre a questão de extrapolar os limites do texto com a interpretação, já Eco (2015, p. xvii, grifo no original) alerta que o leitor pode “tentar uma grande variedade de significados e referentes... Mas não teria o direito de dizer que a mensagem pode significar
Já Straka, embora escreva uma narrativa metaliterária, não se debruça muito sobre o ato de ler, senão sobre o ato de contar histórias: “Escrever com a matéria negra é criar e, ao mesmo tempo, ressuscitar. Escrevemos com o que aqueles que vieram antes de nós escreveram” (1949, p. 451).
Entretanto, num dos documentos inseridos no meio da narrativa –uma carta sua a um cineasta que tentou adaptar sua obra para o cinema uma vez–, há algo no campo que estamos explorando nesta comunicação:
Nunca foi mais óbvio para mim que ninguém além do escritor pode entender o que é a sua história ou o que esta exige para ser narrada.
Nesta passagem, é possível perceber a indiferença –ou até desprezo– do autor por uma interpretação do leitor que se afaste de sua intenção inicial. Certamente, o fato de que o referido leitor é um cineasta que fez um filme que, de acordo com Straka, corrompeu sua obra, auxilia nessa visão pouco aberta a interpretações. Mesmo assim, a situação específica transparece uma postura geral de Straka contrária à liberdade interpretativa. Essa postura do autor também pode estar relacionada ao teor de seus escritos: como escreve textos politizados, por causa dos quais corre inclusive risco de morte:
Verossimilmente, os autores atribuem a Straka essa índole adversa à livre interpretação de sua obra, a qual reflete em como ele entende a função do seu leitor no contexto.
Na parte “tipográfica” da narrativa, seja ela os textos que simulam a publicação de 1949, há uma contundente conclamação ao antibiografismo que visa, de acordo com a narrativa secundária Straka-Caldeira, desviar a atenção do leitor presumido de
Caldeira (ou os autores de
Por outro lado, ao nos aproximarmos da intriga entre Jen-Eric, percebemos uma clara atitude pedagógica do pesquisador de doutorado perante a graduanda no que concerne à aproximação do leitor a uma obra literária.
Eric, e aos poucos Jen, empreende uma leitura acadêmica do texto de Straka, recorrendo a pesquisas de base documental e histórica para embasar sua leitura do romance. Suas anotações, especialmente aquelas feitas à lápis pelo jovem Eric e grande parte das anotações no prefácio e primeiro capítulo do livro tendem a uma postura cética principalmente perante as notas de Caldeira. Isso porque, como se vê na narrativa, as notas têm uma função que extrapola o seu uso comum, como apresentado acima. Mas essa leitura é feita “à margem”, ocupando um espaço chamado
O termo marginália, emprestado do latim, designa o conjunto das notas que os leitores introduzem nas margens e entrelinhas das páginas, no verso das capas ou nas folhas de guarda dos livros ou em periódicos sobre os quais se inclinam, anotações as quais, muitas vezes, se prolongam em folhas manuscritas, recortes de jornais ou revistas, postos no interior dos volumes. (
Na narrativa à margem, portanto, ocorre uma espécie de “educação científica” entre o doutorando Eric e a formanda Jen quanto à leitura e superinterpretação biográfica dos acontecimentos da narrativa (embora, ironicamente, a obra
Mas a formação de Eric enquanto leitor nem sempre foi tão cética. Ele, na sua versão jovem, marcada à lápis nas anotações no livro, chega a questionar a afirmação de Caldeira, no prefácio, de que o foco deveria ser mantido na Obra, e não no Escritor (maiúsculas de Caldeira): “{Por quê, quando a q. da identidade é essencial nos próprios livros? (Especialmente ONDT, SAPATOS ALADOS, CORIOLIS).}” (p. vii).
Jen não recebe suas lições sem algum tipo de protesto, que pode ser percebido em duas posturas da personagem: em sua negação em ser uma “acadêmica” e na confirmação de que aquele livro pode ser lido num registro biográfico. Isto, perceba-se, não inviabiliza o pensamento de Eric acerca do biografismo, pois é algo a ser aplicado exclusivamente a este livro (e, com o decorrer da história, a esse autor).
No contexto do livro, “ser um acadêmico” diz da necessidade de legitimação de todas as suas assertivas acerca do livro através da interpretação e, principalmente, da busca de fontes, documentos e argumentos de autoridade que comprovem seu ponto de vista. Eric alerta Jen sobre isso algumas vezes, como em:
{Jen: Não, não sabemos. Mas acho que é. [...] Não posso provar isso, mas como eu disse: não sou acadêmica. Eric: Mas se está interessada em contar ao mundo a verdade sobre Straka, então tem que pelo menos fingir ser. Eu preciso tomar muito cuidado para o que digo ser verdadeiro, tenho que ser meticuloso sobre fontes etc. Se for descuidado, estou ferrado.} (1949, p. 49)
A questão de uma possível superinterpretação também é tangencialmente abordada pela dupla de leitores, quando estão ponderando acerca da autoria dos livros que formam a obra de Straka. Assim, mesmo quando já aceitaram uma possibilidade de leitura biográfica da obra, ainda nesse momento é preciso ser cuidadoso quanto aos limites da interpretação possível à narrativa:
{Eric: [...] Tipo nós queremos que seja verdade, então vemos o que queremos ver. [...]} (1949, p. 234) {Jovem Eric: Vemos o que queremos ver. P. ex.: durandistas querem acreditar que VMS era uma mulher. Feuerbachers: que VMS era um anarquista terrorista, ekstromers: que VMS era o escritor que adoraram a vida toda. Vaclavistas: que VMS era uma história de fantasma que anda. MacInnesistas: que VMS era um grande intelectual. Etc. Etc. Etc.} (1949, p. 245) {Jen: Mas não é engraçado acreditar na freira reencarnada-Straka? Torna o mundo um lugar mais interessante. Ah, espere: Você é um acadêmico. A diversão não é permitida.} (1949, p. 266)
A repetição da sentença “vemos o que queremos ver” (1949, p. 245) na caligrafia do jovem Eric e do Eric atual da narrativa marca uma manutenção na perspectiva acerca da leitura na personagem. Por mais que, no decorrer da trama, Eric abandone certo ceticismo academicista para perseguir a narrativa de Straka e Caldeira, sua concepção geral acerca da abordagem da obra literária continua a mesma.
Na última citação do bloco acima, faz-se notar a ironia mordaz de Jen quanto à postura crítica de Eric. Além de acrescentar sabor à narrativa, a citação também nos permite perceber o caminho do aprendizado de Jen que, mesmo tornando-se uma acadêmica, não perde o frescor da leitura apresentado desde o início da narrativa. Essas formulações individualizam o caráter de Jen, construindo-a enquanto personagem complexa na trama de
Por fim, Eric e Jen parecem alcançar um ponto de equilíbrio entre a crítica imoderada e o academicismo pedante, quando sintetizam a relação entre leitor e obra literária:
{Jen: Imagine se você soubesse sobre o macaco na época? Eric: Eu teria adorado. Não estou certo de que sei, ainda assim: é muito legal como as palavras podem permanecer as mesmas, mas seu significado pode mudar. Jen: Porque o leitor muda. Eric: Exatamente.} (1949, p. 434)
O jogo de inversões se completa quando Eric admite que, no caso de
Como mencionado no Prefácio, há várias páginas deste original que nunca foram localizadas em meio ao caos e ao sangue derramado em Havana. Eu escolhi não especificar onde as palavras de Straka e as minhas começam e terminam neste décimo capítulo reconstruído. Embora acadêmicos da literatura sem dúvida protestarão contra essa decisão, acredito que ela seja sólida; definir tais limites seria retratar a obra como um mero pastiche, em vez de uma colaboração que mantém a unidade das intenções de Straka em relação ao romance. (1949, p. 437, nota 8, capítulo 10)
Caldeira equilibra a questão da autoria de maneira bastante lúcida e criticamente embasada, uma vez que propõe uma “autoria compartilhada”. Além do comentário apaziguado de Eric, a proposta de Caldeira abre espaço também para os voos interpretativos mais ousados de Jen.
Em suma, a narrativa
Ao longo do texto há diversas imagens que exemplificam e permitem parte da experiência da leitura de
Tradução da
Descobre-se logo no início da narrativa (p. 29) que Francisco Xabregas Caldeira é, na verdade, Filomela Xabregas Caldeira: “Eric!! –eu localizei as listas de passageiros de todos os navios que chegaram a NY vindos do Brasil entre 1923/1929. Não há nenhum Francisco Felipe Xabregas Caldeira... MAS: Houve uma Filomela Xabregas Caldeira que apareceu com frequência na tripulação do Imperia –como tradutora. E em 15/5/24 havia um passageiro no Imperia chamado S.Opice-Tance [suposto codinome de V. M. Straka]”.
O livro-objeto que constitui
Tradução nossa. No original: “más goce estético en llegar a la unidad y al orden a través de la multiplicidad y del aparente desorden que por medio de la simplicidad y claridad de las obras clásicas”.
“Essas observações sobre a força ilocutória conduziram-nos, portanto, sem perceber, para o essencial, que é o aspecto
Embora a maior parte das anotações à margem do capítulo 10 de
O protagonista de
Será utilizado o sinal gráfico { } para marcar as citações de anotações à margem do texto publicado
“Eötvös é a roda encartada na última guarda do livro. Ela é feita em duas lâminas de papel [...] fixada com um ilhóes no centro que permite girá-la. Ela tem um vazado no qual se visualizam letras desvendadas por meio de um enigma proposto no capítulo 10” (
Perceba que não estamos sugerindo que prefácios tradicionais sejam supérfluos ou desnecessários. Sobre esta questão,
“Para efetuar uma ficção, todos os romancistas sabem disso, é preciso um pouco mais do que uma declaração peremptória; é preciso
Poderíamos chamar a atenção para as marcas de carimbo de “Livro para empréstimo” na guarda ou “Propriedade da biblioteca do Colégio Laguna Verde” na folha de rosto. Se chamamos a atenção para o verso da folha de rosto, é porque ele também dialoga com nosso objetivo neste artigo, seja ele a discussão da crítica literária presente nos paratextos de
Informações acerca de propriedade intelectual obtidas no site
Posteriormente, em 1946, foi firmada em Washington (EUA) a “Convenção Internacional de Direitos do Autor em obras literárias, científicas e artísticas”. Sendo
“Outros [prefácios] podem, no todo ou em parte, valer-se do modo narrativo, por exemplo, para fazer o relato, verídico ou não, das circunstâncias da redação [...] ou da descoberta do texto, quando é atribuído a um autor fictício [...], e é, na verdade, raríssimo que um prefácio não contenha aqui ou ali tais fundamentos narrativos” (
A atuação da imagem fílmica (cinema, TV etc.) na atenção pode ser equiparada (ou se tornam, ou forçam) os processos automáticos de captação da atenção. Como descrevem
“[...] por trás dessa simulação [do paratexto] ficcional, nada impede ao autor (real) do prefácio de dizer ou fazer dizer, a respeito do texto do qual também é o autor real, várias coisas que pensa seriamente” (
Na contemporaneidade, “o retorno do autor é marcado pelo retorno não de um sujeito ‘pleno, fundamento e autoridade transcendente do texto’, mas sim de um sujeito ‘não essencial, fragmentado, incompleto e suscetível de autocriação’ (Kingler, [
Charles Augustin Sainte-Beuve acreditava que era possível que fosse feita uma crítica isenta da obra literária, tendo por base a biografia do autor. Seu nome é tão fortemente ligado a esta corrente de pensamento que já teve seus escritos rechaçados por Roland Barthes e Marcel Proust. Em artigo recente
“O que um elemento de paratexto levanta, um outro elemento de paratexto, posterior ou simultâneo, pode sempre tirar, e aqui como alhures, o leitor deve compor o conjunto e tentar (o que não é sempre simples) explicitar-lhe a resultante. E a própria maneira pela qual um elemento de paratexto coloca o que coloca pode sempre dar a entender que nada daquilo é crível” (
“Tenho pouco interesse em argumentar qual ‘candidato’ –plausível, fantástico ou outro– a Straka é o mais forte. [...] Eu me interesso pela qualidade artística de suas obras e a paixão de suas convicções” (p. ix-x).
Ainda o mesmo
Carta de Straka ao Sr. Grahn, Arquivo Straka de Uppsala, Uppsala Universitet. Inserida no meio do livro
Tampouco nós encontramos referência à discussão na obra de Yukichi, embora não tenhamos realizado pesquisa exaustiva a respeito. Acreditamos, contudo, que a instituição se refira à Universidade Keio [Keiō Gijuku Daigaku], fundada em 1858 por Fukuzawa Yukichi.
“A interpretação criadora continua a criação, multiplica a riqueza artística da humanidade. [...] No ato da compreensão desenvolve-se uma luta cujo resultado é a mudança mútua e o enriquecimento” (